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domingo, 27 de fevereiro de 2011

Uma carta de Freud e uma reflexão sobre a vaidade - By Sahge



Trecho de uma carta de Freud a seu amigo, o reverendo Oskar Pfister:


“Posso imaginar que há vários milhões de anos, no período triássico, todos os grandes –odonte e –térios tinham muito orgulho da evolução da raça dos sáurios e estavam na expectativa de Deus sabe lá que magnífico futuro para eles. E então, com a exceção do maldito crocodilo, todos eles foram extintos. O senhor pode alegar que (...) o homem é dotado de inteligência, o que dá a ele o direito de pensar no futuro e acreditar nesse futuro. Ora, não há duvida de que existe algo de especial em relação à mente, tão pouco é o que se sabe sobre ela e sua relação com a natureza. Eu, pessoalmente, tenho um enorme respeito pela mente, mas será que a natureza o tem? A mente é apenas um pedacinho da natureza;o resto da natureza me parece que pode muito bem viver sem ela. Será que vai se permitir ser muito influenciada pela consideração que tenha pela mente? Aquele que puder sentir-se mais confiante do que eu a respeito disso é digno de inveja.”

Depois de boas e justas gargalhadas provocadas pela ironia do comentário de Freud, me veio a reflexão sobre a analogia entre os poderosos dinossauro e nós, magníficos sapiens-sapiens. Se como sugere Freud, os sáurios estavam envaidecidos pela opulência de sua raça não vem ao caso, mas motivos para tanto o tinham. Eram sem duvidas seres maravilhosos, senhores do planeta e havendo em sua possível e rudimentar inteligência um laivo qualquer de espiritualidade, é de se pensar que tal como nós, imaginavam-se o “top of mind” da criação, a imagem e semelhança de seu criador. A parte esses devaneios que me divertem, compartilhamos com os antigos lagartos trovão a mesma vaidade característica de seres poderosos e únicos. É fato que somos mentalmente tão poderosos quanto o eram os dinossauros fisicamente, mas o homem no fim das contas talvez seja apenas mais um acontecimento lindo e efêmero na história do universo, conceito contra o qual luta toda a nossa fé e filosofia.

E Quem é que quer se imaginar como erva que cresce, floresce e fina? Ninguém! E eu não sou exceção a regra. E como disse numa conversa com uma amiga tempos atrás, o grande problema com as minhas "crenças” (eufemismo para a minha vaidade em múltiplas facetas) é que elas não resistem a um exame da minha razão. Basta que eu medite um pouco e vou encontrar tantas brechas, tantas lacunas que tenho de preencher com verdades incômodas, que sinto que estou me sustentando sobre o nada. Um exemplo claro de como as ilusões são necessárias: Sentado tranquilamente na sala de aula no sexto andar, iludo-me de que aquilo em que piso é efetivamente, O Chão. E nem por um momento passa pela minha cabeça que na verdade me encontro suspenso dezenas de metros acima do chão. Mas suponhamos por um momento que as leis da física se alterassem e o concreto e paredes que me dão essa sensação de segurança se tornassem transparentes e eu visse onde estou. Onde realmente estou. Muito acima do chão e muito, muito abaixo das estrelas, no vazio...

Uma pobre e desamparada criatura de carne e sangue solta no vácuo. É provável que eu ou entrasse em pânico e me agarrasse a minha cadeira ou a qualquer coisa a mão como o náufrago de Ortega, e ficasse paralisado de terror. Me agarraria a qualquer coisa para não cair no vazio, para sentir que estou seguro. E é assim em todos os aspectos da vida. Sem ilusões estamos sós, estamos nus diante da grandeza da natureza que não tem consideração para conosco, como não teve para com os dinossauros ou para com qualquer outra criatura por mais poderosa que fosse. E a natureza física não é mais assustadora do que a natureza social, o meio em que vivemos. Nessa, necessitamos ainda mais de um lastro psíquico.

O grande problema é descobrir que se está andando por sobre uma camada de gelo fino. Nunca mais poderemos andar com a segurança necessária. E nisso, creio, esteja a clara vantagem que levavam sobre nós, os orgulhosos dinossauros de Freud; Eles não tinham em absoluto a menor dúvida de sua grandiosidade. Nunca se afligiram com hesitações ou questionaram se eram realmente tão importantes para a natureza ou uns para os outros e isso é uma coisa linda na arrogância: A certeza de estar sempre andando sobre as rochas, ainda que por baixo esteja realmente uma camada de gelo fino. Sem angustias, sem dúvidas, sem desamparo, até o dia em que, ou um asteróide os varreu ou o planeta os sacudiu como um animal sacode as pulgas do corpo. E desse orgulho todo, colecionamos os tesouros dos seus ossos em museus. Receio que meu frágil esqueleto não vá resistir ao tempo para dar testemunho de mim e de minha vaidade.

Tenho certeza de muitas coisas, mas por prudência e/ou covardia, evito passá-las pelo crivo da minha razão (da qual mantenho também uma suspeita saudável), por necessitar iludir-me tanto para poder permanecer tranquilamente sentado no sexto andar da faculdade, quanto para me movimentar no mundo e ficar convicto de que tenho alguma importância para o universo e para os meus. Como Freud, tenho um grande respeito pela mente, em especial, a minha e não por considerá-la algo notável entre as mentes humanas, mas por ser ela o meu canal, com o qual percebo, toco e sou tocado pela maravilha que é a comunidade das mentes humanas. Mas sei que a natureza não vai ter a mesma consideração para comigo e nesse caso, não estou em melhor situação que o genial e incômodo Freud: Também invejo o homem que está certo de que a natureza, o Universo ou seja lá o que for, terá para com a mente dele, sua essência ou alma maior anelo do que teve para com os dinos. Mas qualquer um que tiver alguma honestidade para consigo próprio vai reconhecer quão pouca é a segurança que sentimos e quão incômoda é a verdade (razão pela qual temos tanta avidez em acreditar em mentiras ou confirmar aquelas em já acreditamos) a respeito da nossa situação como seres que são parte, mas não mestres da natureza, tanto física quanto social.

Se temos algum diferencial em relação aos sáurios é o de que nós pelo menos podemos escolher encarar a verdade e viver ao menos sem muitas ilusões, além das necessárias. Não pretendo e nem sugiro a ninguém viver constantemente com medo do futuro (até porque quem vive com medo, vive também refém de uma ou várias mentiras a respeito de si, dos outros e do mundo), porque viver com medo não é viver. É existir na sombra do mundo. Mas se um dia o planeta for me sacudir de sua pele, não pretendo ficar perplexo com isso, como se o meu desaparecimento fosse algo mais extraordinário do que o de uma estrela que arde por bilhões de anos. Afinal, tanto ela quanto eu somos, vaidade a parte, apenas elementos de um Todo maior que engloba tudo, até mesmo a mente humana de que me orgulho tanto. 

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