No
século IX antes de cristo, em um lugar ermo, próximo de onde é
hoje a Polinésia, existia uma tribo peculiar, os Whashaii
(pronunciá-se "uuuaaakaii-e"), que em em sua linguá
nativa significava "aqueles que caçam o sol".
Essa
tribo, dentre seus muitos costumes peculiares, tinha uma forma de
culto que envolvia a escolha de um ser humano para encarnar seu
deus-menino, Huakthalah.
Huakthalah
era um deus-menino eternamente com 17 anos e como era necessário
manter seu deus tanto ao alcance das orações quanto dos dedos, os
Whashaii, que consideravam absurdo simbolizar em matéria morta um
deus vivo, escolhiam uma vez a cada ano, um dos seus filhos com essa
idade para encarnar seu deus.
Ao
garoto que cabia essa honra eram atribuídos todos os benefícios da
divindade, a saber, um templo, acólitos para o servirem, adoração,
tratamento especial dado pelos acólitos que em tudo atendiam o
deus-menino no que este necessitasse ou em seus caprichos mínimos.
Homens
vinham em busca de seu conselho para a pesca e para a caça,
agricultores o consultavam sobre a ocasião propícia para o plantio
e a colheita, mulheres vinham acasalar com o deus menino como
garantia de que seriam sempre férteis e que seus filhos seriam
fortes.
O
menino que fosse escolhido para por um ano ser o avatar do deus
Huakthalah, recebia tudo o que seu coração desejasse, enquanto era
a encarnação do deus e esse tratamento tinha um motivo:
Era
uma compensação, porque ao término do ano solar dos Whashaii (que
era de 383 dias), o deus menino completava a maioridade e necessitava
ser substituído.
O
problema, era que não havia um plano de aposentadoria para deuses
depostos e ocorre que Huakthalah era o deus da fertilidade, da
virilidade e da mudança, então, quando terminava seu ciclo de 383
dias como um deus, o garoto era levado, em uma grande cerimônia que
envolvia a tribo inteira (com exceção dos garotos com menos de 18
anos), até a beira do mar.
Ali
era castrado (e seus testículos e pênis eram depois cremados e as
cinzas bebidas junto com vinho de banana por todos os homens) e morto
com golpes de um remo cerimonial na nuca.
Os
guerreiros levavam o corpo do deus morto até o mar, onde o
entregavam às ondas.
Naquela
noite havia uma grande festa na tribo e os homens dançavam em volta
da fogueira, orgias aconteciam na luz das labaredas e nas cabanas,
amedrontados os meninos de 16 pra 17 anos suavam de pavor, porque no
dia seguinte, um deles seria um deus.
Se
você procurar referências sobre os Whashaii e seus deus-menino
Huakthalah no Google, não irá encontrar por dois motivos:
O
primeiro é que a tribo é do século IX antes de cristo e não foi
catalogada e se o foi, estava decadente, recebeu outro nome e nada se
soube sobre seus costumes e seu deus.
O
segundo e principal motivo, invalida o primeiro motivo e tudo o que foi dito até agora é o seguinte: Eu inventei essa
história toda!
Nunca existiram Whashaii e menos ainda Hukthalah.
Inventei
essa potocada em uma conversa divertida com uma namorada.
Foi
mais ou menos assim. Eu estava fazendo graça e me gabando, daí ela:
(...)
-Que
você pensa que é? Um deus?
...
-Que
foi?
-Nada...
-Fala
logo!
-Tá
bom, mas prometa que não vai me interromper enquanto falo...
-Ai
ai.. tá, fala,
-Eu
não sou um deus, mas já fui um, em uma encarnação passada... Foi
assim, no século IX antes de cristo..."
E lá
me vieram na hora os Whashaii e Huakthalah na cabeça.
E dei
tantos detalhes na coisa, que ela depois custou a acreditar que
inventei tudo.
Foi
só pra ter uma conversa interessante e diverti-la com o suposto da
minha megalomania, porque eu nem acredito em reencarnação, mas em
uma vida anterior teria sido um deus...
Semanas
depois assisti a um documentário que falava de física quântica e
universos alternativos.
Postulavam
lá que cada vez que você escolhe seguir um caminho, cria-se outro
universo, um em que você tomou o caminho que não escolheu neste.
E
isso faz toda a diferença.
Claro,
estou fazendo uma interpretação rasteira de uma teoria que mal
compreendo.
Ainda
estou tentando entender a teoria quântica e também o sedutor trabalho de Robert Lanza, mas se ele estivere certo e a consciência criar o universo (e não o oposto,
como estamos acostumados a pensar), é possível que eu tenha criado
um universo à parte, apenas por pensar nele - embora não seja esta a afirmação do Biocentrismo ou da física quântica, mas inferência minha- (deixa eu devanear, pô!), um em que centenas de
meninos serão sumariamente emasculados e mortos.
Condenei essa gente
toda a uma morte cruel, só para distrair minha namorada.
É
possível que algum palerma em universo anterior, tenha ferrado a nós
todos, contando-nos como história para alguém, por um motivo ainda
mais fútil...
E a gente chamando o cara de Criador...
Putz!
Por
outro lado, de certa forma, é reconfortante pensar que em algum
universo as coisas que deram errado para mim neste tenham dado
certo.
Em
algum desses universos aí, pode ser que eu esteja vivendo, livre do
peso de tantas culpas carrego neste.
Todas as escolhas que eu não fiz e pelas quais lamento, é possível que não estjam mortas.
Se Lanza estiver certo (tomara que esteja) é possível que nada morra!
Claro,
há, seguindo essa linha de raciocínio, universos em que estou pior,
ou em que nem estou, mas ainda assim, consola meu coração pensar
que no infinito ha universos em que eu tenha na alma a calma que não
consegui neste e em outros eu tenha finalmente consumido o mundo em
chamas e destruído tudo, como frequentemente desejo fazer neste.
E me
perdoem Lanza e os teóricos quânticos (cujos trabalhos mal comecei
a conhecer e pelos quais sou fascinado), mas o genial Álvaro de
Campos/Fernando Pessoa já no comecinho do século vinte esboçava os
conceitos sobre os quais agora se debruçam.
Pois
se vocês lerem as linhas abaixo e tiverem como eu um conhecimento
mínimo sobre a teoria de universos alternativos da física quântica,
compreenderam as similaridades. Leiam, porque eu vou dar um tempinho
aqui e tentar consertar a lambança que fiz no universo dosWhashaii.
Não
que eu me sinta culpado, é claro. Afinal, fui o deus deles. É minha prerrogativa divina ferrar com o universo deles ou consertá-lo, ao meu bel-prazer.
Na
noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na
noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites,
Relembro,
velando em modorra incômoda,
Relembro
o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Relembro,
e uma angústia
Espalha-se
por mim todo como um frio do corpo ou um medo.
O
irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver!
Todos
os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos
os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos
os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na
ilusão do espaço e do tempo,
Na
falsidade do decorrer.
Mas
o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O
que só agora vejo que deveria ter feito,
O
que só agora claramente vejo que deveria ter sido —
Isso
é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso
— e foi afinal o melhor de mim — é que nem os Deuses fazem viver
...
Se
em certa altura
Tivesse
voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se
em certo momento
Tivesse
dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se
em certa conversa
Tivesse
tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro —
Se
tudo isso tivesse sido assim,
Seria
outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria
insensivelmente levado a ser outro também.
Mas
não virei para o lado irreparavelmente perdido,
Não
virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;
Mas
não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não
disse;
Mas
as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Claras,
inevitáveis, naturais,
A
conversa fechada concludentemente,
A
matéria toda resolvida...
Mas
só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.
O
que falhei deveras não tem sperança nenhuma
Em
sistema metafísico nenhum.
Pode
ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei,
Mas
poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
Esses
sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.
Enterro-o
no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os
universos,
Nesta
noite em que não durmo, e o sossego me cerca
Como
uma verdade de que não partilho,
E
lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível p'ra
mim.