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domingo, 6 de setembro de 2015

Saudações do futuro pretérito!


Meu caro Luiz

Este que te escrevo sou tu.

Saudações do futuro.

Hás de perdoar-me o modo sofrível como te escrevo, mas já vão muitos verões que não sou tu, de sorte que, receio, a linguagem dos dias tais é por demais diferente destes teus tempos verdes. lembro-me de que tinhas cáries e esperanças, mas não como escrevias ou falavas nesses anos idos. Sê indulgente para  com meus erros de concordância e demais pecados ortográficos, pois já carregas consigo nestes dias meus, uma quota considerável de pecados e o acréscimo de mais estes pouca diferença farão a uma alma cansarregada de pecados. Orgulha-te, pois o neologismo é teu!

Há dois fatos curiosos acerca desta carta, a saber, o fato de eu escrever a mim mesmo nos dias da minha meninice e o fato de alguém em pleno século vinte e um ainda escrever cartas. Sou, pois, um dinossauro!

Saudações meu rapaz, do ano 2015! 
Descortino-te o futuro.

Sim. É correta a tua decepção. Nostradamus, tal como os da sua honrada estirpe de profetas, errou e cá estamos nós, ansiosos e esperançosos de que o mundo acabe, ele porém, teima em permanecer eternamente moribundo. Cá ainda estamos.

Fosse eu um sujeito esperto, enviar-te-ia números da bolsa de valores ou resultados de loterias, mas bem sabes que não sou esperto. 

És agora um jovem tolo. Converter-te-ás em um velho tolo.

Escrevo-te como um exercício de inutilidade, posto que essa carta sequer sairá do meu computador, quanto mais adentrar a consciência minha aos 15 e poucos anos, época em que eu tinha um apreço especial pela minha consciência.

Mas todos os exercícios feitos atualmente, são inúteis, pelo que posso escrever a mim mesmo na flor do meu tempo e fingir, no processo, que sou uma pessoa extraordinária.

Já não temes a morte, a vida porém, te apavora.

A esperança quase acabou e também a honra, por outro lado, ainda temos petróleo e música ruim, mas a união soviética já não existe.

Tu que estás ojerizado com a Lambada, recomendo que a cultue como o mais fino produto cultural de nosso país, porque os ritmos musicais que a sucederão, não me acreditarias se os contasse.

De mesma forma, ama as sílfides luminosas por quem te apaixonas em teu tempo e bebe lhes o frescor do espirito, a vaidade e a beleza enquanto podes, porque hão de converter-se em matronas grotescas, com o corpo cheios de excessos e estrias e a alma cheia de ressentimento e desânimo e tu, tu as desprezarás, não pelas estrias, excessos e amarguras, nem pela beleza e frescor perdidos, mas pelo desânimo de pensarem que não podem ser coisas melhores (ah, a Daniela gosta de ti, seu tolo! Deixa de lado a irmã dela e ama quem te ama. Por um tempo conveniente).

Os homens a quem admiras não terão sorte melhor e decepcionar-te-á saber que o destino não é destino, mas escolha e todos, tu inclusive e em grande medida, escolhemos a mediocridade por preguiça, porque é de um trabalho considerável ter fé em coisas reais e na grandeza humana.

O comunismo fracassou.
O capitalismo também, mas ainda não se tomou consciência disso.
O romantismo se tornou coisa abjeta e te envergonharás de todos os poemas de amor que vieres a criar (cria-os, ainda assim!)

O bom cinema faleceu e acompanhou-o à cova a boa literatura, com raras e felizes exceções.

Torna-te vegetariano, não uses suspensórios quando a moda surgir nos fins dos anos 90 (terás razões de grande amargura por isso), não roubes biscoitos na padaria do senhor Mohamed (serás pego e te envergonharás pelos próximos trinta anos).

Continua honrado, justo e paciente, mas reserva a maior parte de tais virtudes para usar contigo próprio. Tempos haverão em que precisarás muito de tais recursos e não esgote tais pérolas com os porcos quotidianos.

Exercita-te pelo menos duas vezes por semana (apenas uma conservou-te magro, porém inflexível no corpo e no espirito).

Leia Freud antes da faculdade.

Não leias Honoré de Balzac, repudia “O Pequeno príncipe” como literatura atroz e despede-te dos deuses em que tens fé titubeante, pois não tarda descobrirás vazios os altares em que depositas tuas preces nunca ouvidas.

Nietzsche, a quem conhecerás e amarás, tinha razão e em tempos esses em que vives a angustia de 2015, Deus morreu como referência e tornou-se vestimenta retórica que as pessoas vestem e despem segundo a conveniência.

Isso não chegará a dar polimento ao teu ateísmo, mas o entristecerá, não a morte de um deus em que não crês, mas a da sinceridade daqueles que dizem crê-lo.  

O Ubermensch, no entanto, ainda não apareceu e estamos vivendo um período de letárgica involução, não para a curiosidade latente do cro-magnon e nem para o vigor robusto do neandertal, mas para aquele antropoide gordo e satisfeito que seríamos sem os dentes de sabre e Era Glacial a matar nos, e já não temos o que nos inspire a sermos melhores.

Sai de casa antes dos vinte.
Sai do país antes dos trinta.
Encontra a Liege (é importante! Saberás quem ela é e quem tu és ao encontrá-la!)
Encontra uma raison d'etre.

Não jogues foras teus escritos por impaciência. Não dês a moeda de 50 soles à Renata (é de ouro de verdade!  Será de grande valia para ti e ademais, Renata não quererá o ouro do teu amor mas tem amor ao ouro da tua moeda).

Pára de desprezar o dinheiro, mas não o ames e sabes isso: Humildade não é virtude, mas meio e meios de manterem-te dócil, imaginando te inferior aos outros.

E ao fim desta carta em que esgotei toda a minha metafisica acumulada em meses de preguiça, saúdo-te, meu Luiz pueril e nobre. E lastimo não ter que lhe enviar deste lado de cá de Nárnia, em que tudo está cinzento e vazio, coisa melhor do que o desamparo filho de uma era perdida.

Consola-te porem, com a consciência de que nãos és culpado (afinal, não podes mesmo ser culpado por tudo!) e alivia-te com esse pensamento, porque o mundo anda às cegas no escuro a beira de inacreditáveis abismos, mas descobrir-te-á otimista.

Inacreditavelmente otimista, pois a despeito da decadência nossa como povo, como indivíduos continuamos brilhantes.

Todo progresso começa com um indivíduo.

Não te torne, pois, povo.

Saudoso de tua meninice,
Tu



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