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terça-feira, 26 de julho de 2011

Do Surrealismo de um Minuto



Um amigo já perdido nos corredores do mundo (espero que ele esteja bem) certa vez fez uma observação sobre meus poemas que me encheu de satisfação num primeiro momento. Disse-me que eu soava “meio místico”, e que minha escrita parecia-se com a de Rimbaud (!!!!!!!).

A satisfação foi pelo “meio místico”, mas senti-me horrível por ser comparado ao genial Artur Rimbaud, porque confirmei mais uma vez minha antiga suspeita de que todos os elogios que me fazem são imerecidos (felizmente para mim, quase todos as críticas que recebo também são). É o mesmo que dizer, por exemplo, que meu Fusca 68 tem tanta potencia quanto uma Maserati. Caramba!

Rimbaud foi um verdadeiro e genial poeta, e minha admiração (aguçada pela curiosidade que por sua vez foi aguçada pelo elogio de um amigo que era um adorável mentiroso) aumentou na medida em que fui me debruçando sobre seus escritos. Eu nunca considerei o que faço vez por outra, como“poesia de verdade”, porque segundo me disseram, poesia tem forma, contexto, conteúdo e o que gosto de rabiscar, são devaneios sem nenhuma dessas coisas. 

Apenas gosto da auto-definição de poeta, porque ela me permite devanear e fazer pouco ou nenhum sentido e não ter compromisso algum com a forma. Isso me dá prazer e é uma forma de arte, eu acho...E me sinto livre pensando artisticamente, embora eu saiba bem que não produzo arte, ou pelo menos, produzo uma forma de arte que é consumível apenas por mim. Talvez...

Sou uma árvore produzindo folha e frutos para si própria e se por acaso passarinhos ou passantes se aproveitam da sombra de seus galhos, bem, não era esse o propósito original, mas a árvore não se importa. Gosta, até. Eu gosto que alguns gostem do que eu produzo, mas a realidade, é que eu gosto mais é de produzir... 

O surrealismo de alguns escritos que leio, tem o curioso efeito (também talvez para mim) de tornar mais real o que é por vezes indistinto em outros estilos. É a loucura explicando a razão...
Eu desistiria se tivesse que passar mais de um segundo procurando uma palavra que rimasse com “amor”, por exemplo, porque tenho cá uma natureza um tanto melancólica e é certo que a primeira coisa que me ocorreria seria “dor”, ignorando que o amor não é sempre uma dor e pode muito bem ser um “ardor”.  Seria uma poesia desonesta, presa...Sinto-me pobre tendo de rimar... E faria rimas pobres também. As rimas de Rimbaud, no entanto, conseguem manter a estranheza necessária para que um poema possa ser considerado “surrealista”, daí eu considerá-lo genial. Tem forma, mas também tem conteúdo. E lembrei-me dele e do elogio exagerado do meu amigo perdido em algum lugar da realidade, por causa desse poema que andei lendo:

Sensation

Par les soirs bleus d'été, j'irai dans les sentiers,
Picoté par les blés, fouler l’herbe menue:
Rêveur, j’en setirai la fraîcheur à mes pieds.
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.

Je ne parlerai pas, je ne penserai rien:
Mais l’amour infini me montera dans l’âme,
Et j’irai loin, bien loin, comme um bohémien,
Par la Nature, – heureux comme avec une femme.


Sensação

Nas tardes de verão, irei pelos vergéis,
Picado pelo trigo, a pisar a erva miúda:
Sonhador, sentirei um frescor sob os pés
E o vento há de banhar-me a cabeça desnuda.

Calado seguirei, não pensarei em nada:
Mas infinito amor dentro do peito abrigo,
E como um boêmio irei, bem longe pela estrada,
Feliz – qual se levasse uma mulher comigo.

                                                  


Ah, genial Arthur Rimbaud...
Eu tenho também um coração vasto como o mundo, mas não sei rimar. Talvez se eu me chamasse Raimundo...Mas aí, já não seria uma solução...

Prioridade




Algumas coisas são difíceis de nominar, embora não de sentir...
Aquilo que te persegue em sonhos e que você persegue desperto...
Aquilo que se move por detrás do brilho do seu olhar como uma sombra e que te faz ficar por muitas horas contemplando o vazio...Aquele gatilho emocional, força obcecada movendo suas idéias, o que ferve o seu sangue e congela o seu espírito...

Aquela mesma força suave e tempestiva, uma ambivalência maravilhosa e dual, uma escada para o céu, uma espiral para o tártaro, aquilo que é capaz de iluminar e alongar a noite ou escurecer e encurtar o dia...
O que te faz perder o sono ou sorrir olhando para as distâncias dentro de você mesmo, quando as fronteiras do mundo parecem querer te sufocar...

Aquilo que se agita em você como um grito que você não ousa dar e que deixa marcas muito profundas que você cobre com lembranças de promessas meio esquecidas...O que você tem de melhor e que melhor tem você...
Isso, meus caros, na falta de uma definição melhor, podemos chamar de Prioridade...
Pelo menos, é como definiria a minha.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Os Monjes Futeboleiros



Na corrida entre casa, trabalho e faculdade, sempre preso a horários (os quais infelizmente quase nunca consigo cumprir), tenho pouco tempo para erguer os olhos e apreciar as cenas líricas de minha cidade. Vez por outra, no entanto, percebo (não sou um homem razoável) o incomum, o estranho e o poético ocorrendo bem no seio da selva de concreto e então (danem-se os horários!) paro e reflito sobre como o obvio, estando diante dos nossos olhos nos escapa. Fico em transe com cenas assim, como no dia em que vi um mendigo numa verborragia eloqüente, vociferar para si mesmo sobre a natureza do universo (Aprendi bastante, porque a loucura ensina tanto ou mais que a razão).Todo mundo passa por essas cenas e ignora. Imagino que seja a coisa certa a fazer, ou de outro modo ficaríamos estáticos entre o tanto de estranheza que existe nesse mundo estranho que é o nosso.


Ontem ( na verdade, isso ocorreu a mais de um ano, mas como é a reedição de um texto antigo, peço que sejam indulgentes para com essa minha incorreção temporal), próximo a plataforma do metrô eu vi dois monges conversando. Nada de extraordinário, não fosse o fato de que um envergava um sarongue Budista e o outro  trajava o marrom ocre de um franciscano (talvez, beneditino. Confesso que não sei a diferença, mas o crucifixo em torno do pescoço deixa inconfundível a marca do catolicismo). Conversavam animadamente e eu fiquei imediatamente interessado. Ora, a conversa era amistosa e imaginei que tipos de conversa aqueles dois teriam há uns três ou quatro séculos atrás. O mais provável é que se matassem numa maré de intolerância religiosa (e para ser justo com o budista, é possível que a animosidade partisse do monge “cristão”, porque as religiões orientais, com raras exceções, costumavam ser bem tolerantes com os outros credos, o mesmo não se pode dizer das nossas).

De todo modo, embora pessoalmente eu não me interesse por religião alguma, um debate amigável entre aqueles dois seria algo digno da atenção de qualquer um apaixonado pela psique e por todas as variações do pensamento humano e a religião é uma das mais importantes dessas variações. E um debate entre pensamentos místicos tão diferentes imediatamente me interessou. Tudo bem que é feio ouvir a conversa alheia e eu não fui, é claro, convidado à condição de platéia. Mas, que diabos, os dois estavam conversando num lugar publico e geralmente os religiosos esperam mesmo que seus argumentos sejam ouvidos por quem está próximo! Assim, confortavelmente alicerçado nessa e em outras desculpas inconscientes para justificar  a minha bisbilhotice (rsrsr) detive meus passos e fiquei perto o bastante para ouvir o que falavam. Esperava ouvir argumentos e contra-argumentos metafísicos, filosóficos e, ainda que seja Agnóstico,  deleitar-me com o rico e comovente pensamento cristão e o milenar e profundo ensinamento budista.

Mas aqueles dois me decepcionaram cruelmente! Eu devia processá-los por “Estelionato Espiritual”.  (rsrsrs) Com que então os dois monges discutiam animadamente sobre FUTEBOL!
Futebol! E nem ao menos eram de times rivais...Se ambos tivessem parado a conversa para assobiar em uníssono para a garota bonita que passou por ali e fizessem elogios grosseiros, a cena estaria completa!

Desci as escadas pensando: “Sinal dos tempos” (e nem sei por que me ocorreu uma expressão cristã nesse momento)! Embora me deixe bastante satisfeito a amistosidade entre dois credos diferentes, traduzida numa animada conversa próxima ao metrô, entre tanta coisa acontecendo no mundo, com toda a incoerência espiritual e ideológica do mundo, aqueles dois, que dedicaram sua vida à busca das coisas do espírito, não tinham assunto melhor que discutir do que a permanência ou saída de um "fulano" de um clube da capital. Tudo bem que sejam jovens e (quase) todo jovem goste de futebol, mas imagino que os dois tenham muito a aprender um com o outro e a ensinar ao mundo (supondo-se que é esta a missão dos profissionais do espírito e creio que essa seja uma definição razoável para um religioso).Em volta deles um mar de gente desamparada espiritualmente passa e lança aqueles dois um olhar de curiosidade muda. Certamente à maioria ocorre o mesmo que me ocorreu ao vê-los juntos. Ninguém, no entanto pára para ouvi-los e é melhor que não o façam. Iriam ficar, como eu, decepcionados.

Saber sobre as novidades do futebol talvez seja do interesse de alguem, mas esse alguem iria preferir ouvir numa roda de conversa de bar ou ler nesses jornais esportivos que viraram febre. Mas de monges...Nosso mundo parece estar se tornando cada vez mais banal. Na próxima vez em que alguém me perguntar o porquê de eu às vezes ser tão cínico, vou me lembrar desse momento para elaborar uma resposta adequada. A vida é estranha. E estranhos somos os que tentam arrancar-lhe algum significado.

Dente-de-Leão no Vento





Olha! Lá na curva depois do rio, subindo com o orvalho do alvorecer nevoento,
É uma asa errante trazendo o brilho de lugares aquecidos pelo sol!
E se eu de repente cobrisse meus olhos com flores?
Florejar o olhar com a primeira luz de uma manhã de verão...
Ah...Mas são justamente em alvoradas  frias de inverno inclemente
Que nos aconchegamos mais para prorrogar um sonho...
Então me é permitido amar também no frio e na noite.

Veio durante a tarde coberta de suspiros, soltos no ar como dentes-de-leão,
Agitou todas as flâmulas por sobre os muros cobertos de heras
E varreu para fora o bolor da casa a muitos dias fechada,
Uma brisa cálida a me despertar, trazendo os aromas das longínquas terras,
Para cobrir-me os olhos com flores,
Para prorrogar  um sonho luxuriante.

Um pouco mais de sonho para aquecer a alma, 
Para alegrar os abismos do espírito.
Para dar à meia-noite as cores de uma tarde quente,
Enquanto não cessa  o cortante hálito gelado do inverno.

De todo modo, vou optar por cair pra cima
E talvez no meu eterno flutuar por entre as nuvens
Te encontre sentada no teto do mundo.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Emily Bronte - AO CAVALO “ÁGUIA NEGRA” QUE EU MONTAVA NA BATALHA DE ZAMORNA




Negro palafrem da noite,
Tu não me transportarás mais
Sobre a planície avermelhada que pisava a guerra:
A raivosa batalha acabou por morrer
E plana como a alma acima dos cadáveres.

Não se ouve mais o choque das brilhantes armaduras.
Tu não me carregarás mais; outrora me transportavas
Ao combate rude, onde a morte
Triunfava
E fendias com teus flancos
As ondas de nobres sangues

Os olhares gelados no céu das meias-noites
Não mais te inundarão com tua luz gelada,
No instante em que a fadiga acabou por deitar
O exercito do conquistador no campo da vitória.

Podes enfim dormir no leito da tua gloria,
Não te verão mais nos horríveis descampados.
Mas em troca teu senhor e mestre te darão
A alta recompensa da lealdade no amor.

Podes dormir nas ervas de brancas flores,
Ou repousar teus passos junto às vagas tranqüilas,
Até o dia em que a morte, em grandes gritos
 Soando seu ultimo clarim,
Vibrar de repente o sinal da tumba.


Caçando Mariposas Crepusculares








Senti que amavas- me, mas talvez tenha sido um engano. Peguei uma linha cruzada e entrei sem o saber em conversa alheia. Senti, mas estivesse eu  atado ao império dos meus sentidos, diria que o ardente sol é na verdade e somente, uma pequena e chamejante bolinha  girando no céu em torno da terra (e quando estico minha mão para ele, confirmo pelos sentidos, que este efetivamente cabe no arco dos meus dedos). E tal qual os antigos trovadores, românticos incorrigíveis, desejaria roubá-lo do firmamento e com ele fazer um pingente que lhe adornasse a beleza.  Penso que tu ornarias o sol. 

Mas sou um que é dominado pela certeza de muitas dúvidas e só posso fazer poesia sobre a natureza frágil das coisas. Excesso de frugalidade em minha capacidade de iludir-me...


Lastimo não ter coisas doces a dizer-te, porque sou ainda um péssimo mentiroso, meu bem. Mas aproveito que estou levemente inebriado de tristeza (andei tomando toda uma safra de angustia destilada, misturada a muitas doses de amor amargas, mas macias e saborosas como absinto), para dizer-lhe que, deploro não ser o responsável por tantas lágrimas. Queria ser. Há de ser algo excepcional, ser capaz de  provocar tantas e sofridas lágrimas em alguem que se ama. 

Se fossem causadas por mim, eu as entesouraria  como um avaro guardando suas moedas! Eu as prezaria como o meu mais precioso adereço. Carregar para o sepulcro o arrependimento por ter partido um sublime coração, deve ser coisa capaz de bem valer ter vivido tanto, quanto certamente vale ter o próprio muitas vezes despedaçado. Corações partidos geram sonetos maravilhosos... Amores perdidos geram epopéias divinas....
Mas para tragédia minha, bem sei que sempre fui incapaz de despertar tanto o ódio mais vigoroso quanto o amor mais ardente. Sina dos poetas, eu creio. 

Receio que no fim, eu tenha de descer ao escuro sem a ventura de nunca ter ferido a quem eu tenha amado e esse é um pensamento estranho, mas o que mais poderíamos esperar de mim que tenho amado um sonho perdido?
Talvez se eu sangrasse um pouco mais acreditar-me-ias humano... Talvez se eu chorasse mais copiosamente comover-te-iam minhas lágrimas, que tanto mais escassas quanto mais sinceras, sendo minha incorreção ortográfica proposital. Um desatino qualquer poderia pintar-mais real no céu da tua imaginação.  Mas também sou carne e osso, ineficiente em teatralidade e isso confunde-te a razão.  

Aqui, minha criança, está um sapo que por mais beijado que seja, jamais metamorfosear-se-á em príncipe.  E a menos que teu coração seja capaz de enternecer-se com as delicadas palavras de um batráquio que não anseia ser príncipe, podes continuar a culpar-me por já não haverem muitos  contos de fada a venda no mundo. E eu queria muito que isso fosse culpa minha, porque é certo, minha alma inclina- se para o mal cada vez que imagino um mundo onde tu não existas. 

E eu odiarei os campos de trigo por me lembrarem que já não tenho os teus cabelos e as estrelas por causa de uma rosa que meus olhos não podem enxergar. E vou me acalentar e me consolar com sombras, e permitir seduzir-me por elas e seu toque macio.

Mas lá fora estão o sol, gigante que questiona a veracidade de meus sentidos, e as flores e cores e sons e todas as coisas belas deste mundo e também sei amar a estes e isso confunde-me um pouco.  Se te apetece à dor ou a uma obstinação do espírito, te vista de trevas, boneca quebrada que nunca foi meu brinquedo.  É possível que elas te ornem com maior primor do que o sol que eu quis roubar ao céu. É claro que amo-te como quem ama um sonho , mas tens que te lembrar:  por mais que eu queira, que tristeza....Eu não sou o titereiro da sua alma...

domingo, 17 de julho de 2011

Pólen Cinzento


Depois que Ser deixou de ser a questão, e muitas estações ficaram para trás na poeira e tempo da memória, descobri que havia, na ânsia da viagem, comprado um bilhete só de ida. Não importava, é claro...

Não é que eu tenha esquecido de rezar na partida, se é que algum dia eu tenha aprendido isso. É só que eu acho que a secretária eletrônica de deus já está sobrecarregada com minhas antigas e ignoradas orações. Deixei meus recados após o "bip", mas não vou esperar que me ligue de volta para só então seguir viagem... Estou divagando...Café demais e sono de menos têm um curioso e semelhante efeito: Escurecem os dentes e os sonhos...

Descia a Rua da Bahia apressado, porque ninguém iria me encontrar na praça, próxima a estação, e eu não queria me atrasar para mais um desencontro...Andava depressa, porque se tempo é dinheiro , eu ando com pouquíssimos minutos no bolso ultimamente.

Daí eu quis um pacote de amendoins para a viagem, porque estava me deliciando com a sensação um tanto terna de ser um completo estúpido, mas quis ir mais longe em minha estupidez e comprei um sonho.

Não, não foi o doce açucarado e enjoativo do balcão ensebado da padaria. Foi um devaneio onírico mesmo, desses que criamos ao acaso, quando sentimos saudades do que nunca tivemos.

Comprei um. Custou-me apenas alguns segundos olhando um outdoor . Foi coisa barata, como o são quase todos os sonhos, quando não são de graça. Sonhar não custa quase nada. Custosa costuma ser a realidade e nós quase nunca conseguimos custeá-la.

Deliciei-me com o sonho, sabendo-o fugaz. Devorei-o, pois consegui me convencer por um minuto que todas as coisas efêmeras tem de ser fruídas com sofreguidão. Ainda assim dividi um pedaço com um pedinte que me olhava com olhos esfaimados, mas arrependi-me de o fazer. Não é sábio oferecer sonhos a quem perdeu tudo.

O trem cumpriu pontualmente o seu atraso e eu fiquei feliz com o fato de que sempre se pode contar com os erros das coisas. No vagão sacolejante segui viagem tranqüila, embalado como uma criança ao colo, embora não me recordasse se já tive uma infância ou mesmo um colo que a amparasse. Mas a sensação era boa com um sopro de novidade.

Não fosse o trepidar das rodas metálicas nos férreos trilhos, eu poderia devanear que na verdade o trem estava parado e era o mundo que corria ao lado dele, um borrão colorido em enlouquecida carreira contrária.

...

E se eu desistisse de ser inteiro? E se eu me entregasse à sensação cada vez mais prazerosa de ser rarefeito como um fantasma na neblina?

Enquanto o trem passava por túneis cavados nas rochas ao custo de muitas mãos calejadas e costas quebradas, e serpenteava sinuoso por entre as curvas das Gerais, eu imaginava que o vento, que cava os canyons por milênios e que me assoviava agora no rosto, levava pequenos fragmentos meus, espalhando-me como um pólen cinzento por entre as cores das montanhas.

A idéia me agradava e arrisquei-me a uma bronca do cobrador de bilhetes, mas escancarei a janela, no desejo que o vento levasse parte de mim e de ser infinito com as muitas Minas Gerais. Ou como o vento que não conhece fronteiras e sopra para o ar as almas mais leves...

Mas o apito agudo do trem que anunciava o momento da chegada, era na verdade um guarda de trânsito na esquina com a Rua dos Timbiras, tentando freneticamente desengarrafar o trânsito da tarde de sexta feira. A verdade, é que eu sonhava ao descer para o centro, e acabei tomando o metrô em sentido contrário ao trem que correria para as montanhas, não no inicio de uma manhã iluminada, mas ao fim de mais um dia estafante.

 Sem vento nos cabelos e sol no rosto, mas com ar condicionado e o odor almiscarado de uma centena de perfumes, loções e suor misturados, a viagem de poucos e angustiantes minutos durou exatamente  sete estações e o tempo em que um sonho morria.
O metrô deslizava velozmente a caminho de casa e a massa compacta de seres humanos exaustos que me apertava não me permitia iludir-me de modo algum a respeito da minha fluidez.

 Arrastei o resto de mim para fora do vagão na estação São Gabriel e ganhei o ar frio da noite...

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Delírium - By Sahge


Mande-me um pouco de inspiração,
Tal qual os deuses enviam raios sobre este mundo...


Não preciso de muito vento nos cabelos ou sol no rosto
Mas tampouco quero voar nas finas asas de um sonho.
Ficou um  pouco de ti nessa nevoa que embaçou o meu olhar
E é estranho pensar que me impedes de ver as coisas.
Um mundo vítreo através das lágrimas.

E porque não me deixam ficar casulo no teto do mundo,
Suspenso por entre os caibros do céu...?
Esquecido da lagarta que fui, ignorante das asas que terei,
Eu seria,
Uma sombra indefinida e feliz por estar no limiar de duas coisas...

Das tuas palavras montei um vitral multicor
Mas está claro que desenhei uma imagem errada.
Sou um daltônico do espírito vendo tudo em nuanças cinzentas...
E havias te pintado com todo um arco-íris de finos matizes.

E na ausência de um talento para a arte,
Construí uma ponte frágil de pura esperança,
Uma que atravessasse esse infinito abismo entre nós...

Eu sabia que as rosas tinham garras agudas com que enfrentar tigres
Mas ignorava que tivessem asas como os anjos.
(Porque diabos tinhas de voar tão alto?)
Para pendurarem-te no céu qual estrela, devem os deuses ter bom gosto.
 
Iluminas o firmamento...
Mas, eu,
Tu sabes que este corpo é pesado demais para que eu o leve agora.
E porquanto meus sonhos sejam densos demais para que eu voe com eles,
E não encontre uma amável serpente que liberte-me com um beijo,
Sonharei no deserto por entre as dunas aquecidas pelo sol e saudades
Com o dia em que também reencontrar
O meu caminho para casa...

William Butler Yeats - A uma criança que dança no vento



Dancemos lá, junto à praia!
O rugido do vento, o barulho da água?
Para que se importar?”
Sacode a tua cabeleira molhada de sal.
És jovem e ignoras a glória dos néscios,
Não sabes do triunfo dos tolos,
Pois não és antiga como o Sol.”

Não sabes o que é perder um amor
Tão logo o tenha conquistado,
Nem por que morre um bom operário”

“Então, porque hás de temer
O monstruoso grito do vento?”
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