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sábado, 25 de junho de 2011

A Grandeza em cinquenta e três minutos


Grandeza
Este é o destino do ser humano e sua principal fonte de angustia. Nascemos “deuses“ e somos tratados quando bebês com tal zelo, que sentimos ser confirmada a nossa divindade.  Basta chorar, e somos alimentados, confortados, consolados e embalados com amor e todo o nosso mundo  se resume a deleite. Onipotência constantemente reafirmada, tanto mais percebemos e recebemos do mundo sensações de agrado e prazer. Mas nossa divindade é posta a prova bem cedo, quando tomamos consciência de que existe mais do que nossas vontades imediatas, e somos forçados a reconhecer que não somos tudo e não podemos ter tudo. Ao contrário, somos forçados a abandonar o seio materno, a dividir os brinquedos, a ter hora para dormir e pouco a pouco nosso altar pueril vai sendo demolido. É o Princípio de Realidade nos destituindo do divino.

E, no entanto, mesmo depois de muito tempo, nossa sensação oceânica de pertencer a tudo e a tudo abarcar persiste e somos tomados o tempo todo por pensamentos de grandeza, ainda que estes estejam disfarçados de idéias ou ideais. O monge mais abnegado, que orgulhosamente afirma não estar atado a mesquinharias materiais e volta seu olhar para as coisas do espírito, espera alcançar através de sua abnegação a gloria do Nirvana ou a recompensa dos virtuosos num paraíso transcendental. E nisso  ele não difere de um lobo de wall street ou da Bovespa; ambos tem pensamentos grandiosos, com a diferença de que o lobo parece ser mais honesto consigo mesmo e com sua sede de grandeza do que o monge. Porém, a ambição do monge está mais de acordo com a vocação humana de sublimar suas reais motivações. É um pensamento grandioso, uma ambição, me parece, mais altiva do que os sonhos vorazes do maior dos avaros. Admitir, no entanto essa vocação para a grandeza fere a nossa moral  e criamos um monte de contradições culturais.Uma coisa engraçada na nossa cultura,é a de valorizar os de inclinação “humilde”. Dissemos “Conhece Fulano? Ah, ele é uma pessoa muito boa...É humilde e simples”. Porque? Porque deve nos emocionar o fato de uma pessoa ser mais hábil do que nós em mascarar a sua sede de grandeza por detrás de uma simplicidade que é tão ilusória, quanto incompatível com a natureza humana? Em outros países , em outras terras, o homem empreendedor é admirado como modelo a ser seguido, mas nossa cultura não parece valorizar quem se valoriza. Do coveiro ao Desembargador, do Pároco ao Cardeal, por mais que uma pessoa demonstre capacidade, vai estar sempre sendo orientada a manter uma atitude de humildade, não porque isso seja necessariamente uma virtude, mas especialmente porque nos incomoda muito ver alguém assumir algo que nós mesmos não temos coragem, a saber, ousar atribuir a si mesmo o valor pessoal que é direito e dever de todo herdeiro de Adão e de toda filha de Eva. Conquistamos o direito á grandeza, com o preço da perda do paraíso e de nossa inocência.

Porém...
Uma vez falei  a uma amiga sobre como um livro nos afeta de diferentes modos, em diferentes épocas da vida. Parece-me um bom modo de medir o nosso amadurecimento (ou a falta dele), reler um livro que nos causou uma impressão forte em certa época e depois  avaliar se reagimos do mesmo modo a ele. Bem, passando por um sebo, entre pilhas de volumes amarelados dei com um exemplar maltratado de “O Pequeno Príncipe” e enquanto me perguntava por quanto tempo ainda esse livro comovente vai emocionar gerações, inconscientemente o folheei até a página que contem minha passagem preferida do livro. Muita gente sintetiza a beleza desse livro na frase  O essencial é invisível para os olhos”, ou “Te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” e eu me reúno a elas em coro a admiração que essas frases lindas e terríveis (um oxímaro, eu sei) desperta. Lindas pelas razões óbvias, e terríveis, porque essa ultima frase profunda, contém mais do que a beleza de um pensamento lírico bem escrito por um homem genial, mas também a fatalidade, quase uma sentença, uma Lei do amor que em outras épocas chamei de “Regra da Raposa”.  E depois que se cai sobre o encantamento dela, todas as relações, todo o sentimento que nutrimos pelos outros passa a ser visto pelo âmbito dessa lei.


Mas ainda que eu tenha caído voluntariamente vítima dessa Lei e essa frase tenha me encantado tanto quanto a maioria, não é essa absolutamente a frase de “O Pequeno Príncipe” que mais me impressionou, mas sim a que diz:

 “Se eu tivesse cinqüenta e três minutos para gastar, iria caminhando, passo a passo, mãos nos bolsos na direção de uma fonte”.

Eu devia ter onze ou doze anos quando li essa frase pela primeira vez e se puder avaliar as mudanças na minha personalidade pela maneira que um livro me afeta, sou forçado a acreditar que não sou muito diferente daquele garoto, porque tão logo reli a frase, fui tomado do mesmo encantamento. Por quê? O que há nessa frase que parece tão deslocada no texto que me parece tão importante?

A maneira como o autor a colocou no texto me faz pensar sempre num significado oculto para um pensamento que ocorreu ao Principezinho quando se viu na possibilidade de ter tal tempo disponível. Porque entre tanto que se pode fazer, com tanta coisa importante a realizar alguém quereria simplesmente ir caminhando devagar em direção a uma fonte? Nenhuma razão, e por isso mesmo, a razão mais importante dentre todas.


E de novo me vem a mente o fato de que nos estamos sempre tão empenhados com coisas importantes, (coisas de gente grande), projetos grandiosos como construir uma carreira, alcançar o sucesso, criar filhos e deixar a marca de nossa passagem no planeta, que pouco tiramos tempo para a singeleza de um momento deslocado no tempo. Quando, entre tantos momentos que temos para os outros e para nosso projeto de grandeza, quer material, quer metafísico, tiramos um momento para o nada (porque creio que em nada pensaria o principezinho ao caminhar desocupadamente em direção a uma fonte)? Admirar a imponência de uma montanha é coisa fácil e não requer nenhum esforço de imaginação... Mas e quanto as pequenas pedras que em conjunto formam essa montanha? E embora eu esteja convencido que nosso destino e condenação é a grandeza, seja de que modo for, creio que construir um monumento que ofusque o brilho das estrelas, não seja afinal mais importante do que passar uma tarde preguiçosa deitado numa varanda, acompanhando com o olhar o vôo despreocupado de um pardal ou mesmo o zumbido de um inseto. Tudo é insignificante e tudo é importante.


Minha cidade não tem muitas fontes e as poucas que conheço não me motivam a querer caminhar até elas. Talvez eu deva circular mais pelo meu habitat, mas acredito, depois de meditar sobre os pensamentos  grandiosos que assombram os homens, nada nesse momento me parece mais extraordinário do que caminhar, passo a passo, mãos nos bolsos na direção senão de uma fonte, de um momento qualquer para gastar com o nada, com o vazio que não anseia ser preenchido.  É só uma questão de relatividade, mas aí já é outra história...


sábado, 18 de junho de 2011

Anomia - By Sahge


E essa é a sua herança para mim, alma-irmã alhures;
A encruzilhada do Eu - Adaptar-se ou morrer.
Nenhuma escolha foi dada, nenhuma escolha é possivel.
Lento como um sol ou célere como uma flor, haverei de finar, e isso não me coube decidir.
Adaptar-me é não viver, e não posso tolerar nada menos que uma vida.

Minhas idéias, são as “idéias dos náufragos”.
Estou perdido e o reconhecimento desse estar perdido, é justamente a bússola que me há de orientar.
Da terra firme, não preciso da ilusão sob meus pés.
Penduro minha cabeça no vácuo e nele me sustento.
Aquele que pode ignorar que há um milhar de vulcões muito abaixo do solo verde, é homem digno da inveja mais capital.
E até que eu descubra algo a que eu não me atreva a sonhar, hei de zombar com alegria, da ameaça ardente do inferno e das promessas de deleite do céu.
Medos e desejos vazios de homens de alma coletiva.
Porque quanto mais sinto esse impulso de andar sempre contra o vento,
(E estou para saber se é pelo prazer de senti-lo no rosto ou por contrariá-lo),
E dar cansativas e quixotescas braçadas contra a corrente do mundo,
Tanto mais contento-me em girar pela terra como uma folha seca num tornado,
E em me saber-me  indeterminado, flutuante.

Espalhando meus cacos como migalhas de pão, para que os pássaros comam e eu nunca mais encontre o caminho na volta, mas para que os caminhos me encontrem na saída.

Seguro nessa oscilação, fico a imaginar de qual lado dos muros do hospício estão os loucos.
Sou efêmero como as flores, sem ao menos igualar-me a elas em beleza,
Mas sou eterno naquele instante em que me sei Um.
Um com estrelas nos olhos e mãos nos bolsos...

Um que desejou sonhar um pouco mais o sonho da vida

Emily Bronte - Estâncias



Já me reprovaram e volto sempre
Aos primeiros sentimentos que nasceram comigo;
Deixo de correr atrás do ouro e do conhecimento,
Para sonhar apenas com maravilhas impossíveis.

Mas hoje,
Não descerei mais ao império das sombras;
Tenho medo de sua frágil e decepcionante
Imensidão,
E meu sonho, povoado com legiões inumeráveis,
Torna esse mundo sem forma estranhamente próximo.

Caminharei,
E ficarão para trás as antigas veredas
Do heroísmo,
E os caminhos já exaustos da
Moralidade,
E o imprevisto aglomerado de faces obscuras,
Ídolos em bruma de um passado já longínquo.

Caminharei,
Onde só agradar a minha alma caminhar,
(não posso suportar a escolha de outro guia)
Onde os rebanhos se acinzentam
 No verde das campinas
Onde o vento alucinado vergasta o flanco das
Montanhas.

Que pode revelar a montanha solitária?
Nada exprime sua glória e sua dor.

Minha alma dormia,quando a terra despertou,
E o círculo do céu ao círculo da terra,
Confundindo-se, ao mundo deram nascimento.


Sândalo caído - By Sahge



Quem é mais afetado pelo choque;
o Sândalo caído
ou o machado perfumado?
Ironia cruel, vendo o gigante caído,
Penso que o gume frio do machado
Nada vale sem um cabo que o empunhe.
De um galho o Sândalo o forneceu à mão que o deitou.


Observo-o caído interrompendo a passagem.
Caiu sobre a trilha antiga, obrigando os passantes a darem a volta.
Eu o deixarei lá, o bravo gigante!
Ficará ali até que seu tronco se desfaça sob a chuva e o sol.
Um testemunho incômodo, de que ali viveu e floriu.
Perfumou o ar com sua extinção...


Breve a trilha se desviará para o canto
E os viajantes, evitando o tronco,
Passarão ao largo do lago morto.

E entre essas duas coisas mortas,
A trilha da vida dará uma pausa,
Suspirará e tomará um novo alento.
Talvez o lago volte a brilhar, talvez o toco de arvore
Reviva seus galhos de folhas e sombra.
Talvez...


Atrás de mim, sinto a lareira arder suavemente,
Uma frágil flama que se apaga em lento crepitar.
Sinto um impulso de avivar-lhe as brasas
Lançar-lhe uma nova acha que fortaleça suas chamas
Mas não me movo.
Tudo tem um inicio e tudo tem um fim.

O fogo, o Sândalo caído...
Sinto isso, mesmo que minha razão fraqueje em aceitá-lo.


E por mais que eu lamente a queda da árvore
E tema o frio que se instalará na casa e na minha alma
Quando a labareda delicada se apagar,
Quando a árvore morta desaparecer da paisagem,

Deixo que o mundo pulse e siga.
Deixo que a chama apague
Quando poderia usar o velho Sândalo caído
Como lenha perfumada...


Não posso  alimentar meu lume
Com os destroços da agonia alheia,
Com os despojos de um colosso tombado.
Não foi a minha mão, não foi meu o machado...
E não desejo o calor das chamas
a semelhante preço.


Talvez quando a labareda se extinguir por fim,
O frio me expulse dessa janela,
E eu saia ao sol e pegue aquela trilha...

Em direção ao lago morto.



Waking Life - Os Inquietos



"Nossa crítica começou como todas
Começam: com a dúvida."

"A dúvida tornou-se a nossa narrativa".

"A nossa busca era
A de uma nova história, a nossa."

"Nos agarramos a esta nova história
graças à suspeita de que a linguagem comum não poderia contá-la."

"Nosso passado parecia congelado, à distância e, cada gesto nosso..."

"Significava a negação do velho mundo e a tentativa de alcançar o novo."

"O modo como vivíamos criou uma situação de exuberância e amizade".

"Uma micro sociedade subversiva no coração de uma sociedade ignorante."

"A arte não era a meta, mas a ocasião e o meio de localizarmos nosso ritmo..."

"E as possibilidades enterradas de nossa época".

"Tratava-se da verdadeira descoberta da comunicação. Ou a busca disso."

"Encontrá-la e perdê-la.

"Nós, os inquietos, continuamos procurando..."
"Preenchendo o silêncio com desejos, temores, fantasias."

"Movidos pelo fato de que, ainda que o mundo parecesse vazio..."
"Ainda que parecesse degradado e desgastado..."
"Qualquer coisa seria possível.
Dadas as circunstâncias certas...
Um mundo novo era tão provável quanto um antigo."


domingo, 12 de junho de 2011

Selinidade ou Tempos Fugidios


A coisa mais desgraçadamente honesta do mundo é um espelho. Mentirosa pode ser a nossa interpretação do que vemos nele, mas mesmo por baixo dessa ilusão, rasteja a dolorosa consciência da passagem do tempo. E você está ficando velho. Difícil é definir no que consiste essa “velhice”.
Uma ou duas rugas quando damos um sorriso amarelo. Pés de galinha ainda suaves, mas que não estavam aí a uma década. Tornam o sorriso mais simpático, talvez...Tão simpático quanto o de um tubarão.
Mas o rosto ainda está firme...
Que diabos, você nem entrou nos “enta” ainda!  E não faz muito tempo era só um moleque com os bolsos vazios, a barriga roncando e a cabeça cheia de sonhos malucos de grandeza. Quando foi mesmo que se tornou um homem que mal consegue dormir?
Ora, veja isso... Seja razoável (mais ainda). Você é um sujeito azedo de verdade e tem o péssimo hábito de dizer coisas que ninguém quer ouvir. Numa curva qualquer da vida  você contraiu o maldito vírus da sinceridade e perdeu aquela capacidade de iludir a si e aos outros com os pensamentos suaves e doces que comovem a maioria. Daí se tornou o sujeito que “estraga o natal” e conta para as crianças que a droga do papai Noel não existe. Que lástima...!
Certo! Sejamos condescendentes conosco mesmos. Não são os cabelos esbranquiçados acima dos olhos cansados que denunciam a idade (e como essa mecha de cabelos brancos está aí desde os dezesseis anos, não vamos confundir falta de melanina com decrepitude). Também não é o cansaço no olhar um tanto perdido. Talvez seja o fato de que os filhos dos seus amigos de infância já são pais, mas esse raciocínio também é fácil de derrubar: Seus amigos foram irresponsáveis (como você já quis ser muitas vezes sem o conseguir) e se tornaram pais ainda adolescentes e seus filhos lhes copiando o mau exemplo foram pela mesma vereda. Seus amigos já são avós e você... Você ainda se sente um menino em muitos aspectos...
O que é então? O hábito ridículo de pensar em primeira e terceira pessoa alternadamente? Talvez...
A saúde ainda está boa e você consegue subir os cinco andares do trabalho sem precisar usar o elevador e sem chegar lá em cima respirando fogo. Mas só consegue parar de trabalhar quando o prédio já está quase vazio e nem tem mais tempo para as coisas que antes lhe davam algum prazer. Sua impaciência acabou lhe transformando num tipo de eremita social e você sem perceber se tornou incapaz de rir das amenidades e trivialidades do cotidiano. Dia desses vão te convidar para uma festa, você não vai e ninguém vai notar a sua ausência. Nem mesmo você... Cuidado com essa rabugice! Idade não é sinônimo de misantropia!
Então chegamos a um impasse e uma conclusão... É a falta dos Seus, dos outros da Tribo espalhados por aí, que te dá essa sensação de alheiamento que você confunde com selinidade. Saudades que  te dão um hálito de século, amigo... É a passagem rápida do tempo e a súbita constatação de que ele escorre como areia fina por entre seus dedos ( e a despeito de seus esforços você não o consegue deter), que lhe dá essa sensação de que já não há muito mais pelo que lutar, pelo que morrer ou pelo que viver. Isso não é idade, meu amigo. Isso é desesperança. E saudades daqueles que nunca vimos.
Só que desesperança pode ser tão mentirosa quanto a visão do vaidoso quando se olha ao espelho. De nada lhe adiantará passar as morosas horas em profunda reflexão. O tempo é inexorável e porquanto ainda não conseguimos o nosso relógio cujos ponteiros retrocedam, perdemos tempo pensando sobre o tempo perdido. Decisões ruins foram tomadas, palavras irrefletidas foram ditas e naquele imenso relicário de arrependimentos guardados na memória, uma nova safra encontra lugar de destaque. Algumas portas foram fechadas, mas outras deixamos abertas. Isso é a vida em sua marcha.
 É só contar que aqueles lá fora, os desgarrados da Tribo, esses que também se pensam sozinhos num mundo coletivo,  encontrem o novo caminho de casa. Deixemos as luzes acesas. Talvez levem tempo para perceber. Quanto tempo não passamos batendo em portas sem perceber que estavam fechadas? E também não encontramos luzes em meio à escuridão do mundo? E sombras suaves em meio ao clarão do nada?
Talvez demorem enquanto envelhecemos e nos tornamos cinzas misturadas a erva da terra, mas a expectativa dessa chegada, desse encontro de mundos bem pode valer uma vida de espera.
No fim, jovens ou velhos, esperançosos ou desesperados, temos todos o mesmo que todos temos: “O tempo de uma vida. Nem mais e nem menos”. E isso tem de bastar.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Mea Culpa entre amigos



"Eu nunca perdoei homem algum, porque nunca me magoei com homem algum."

A frase acima é atribuída a Mohandas Gandhi e eu não busquei e nem vou buscar uma referencia  na internet para confirmar se ele realmente disse isso ou mesmo se ela está corretamente em harmonia com o que ele quis dizer. Sinto-me, porém, injusto em fazer referencia a ele, sem sequer saber se ele pensava realmente assim, porque se existe algo que aprendi a abominar, é  que me citem ou digam que eu disse ou tenha feito algo que não e verdade,  e embora isso seja irrelevante para Gandhi (esteja ele onde estiver ou não esteja), não me permito cortesias que não lego aos outros.Mas isso e outro assunto. Tendo sido cunhada por ele ou não, a frase merece algumas considerações.


O caso, é que essa frase só pode ter sido mesmo cunhada por um santo, porque não consigo imaginar um só ser humano que não tenha em algum momento se magoado com alguém por qualquer motivo. Talvez eu não conheça muitos seres humanos afinal. Santos, conheço menos ainda! Na verdade, apenas os dos livros litúrgicos ou os feitos de gesso nos altares e esses últimos, estou certo, são realmente incapazes de sentirem-se magoados ou furiosos com alguém. Eu sei de mim que santo nunca fui e nem tentei ser.  Mas comungo com Gandhi, ou seja, lá quem tenha cunhado a frase acima, da incapacidade de sentir raiva (ao menos por um tempo prolongado) das pessoas. Mas diferente dele, minha incapacidade para a raiva ou magoa prolongada, não vem de um espírito elevado ou de um modo de vida pautado pela nobreza de sentimentos, mas da preguiça, da extrema preguiça de ficar submetido a sentimentos que ferem e que me ferem e aos quais me acho por qualquer motivo impedido de dar pronta solução. Aqueles, não se magoam por nobreza e virtude, este que vos digita, o mesmo faz por egoísmo e preguiça. Sou mesmo um ser humano lastimável... E o pior é que gosto de ser assim!


Até sinto raiva (muita) de situações, de fatos que já não me são possíveis alterar ou de ficar preso numa condição de impotência diante de algo. Isso e diferente. Odeio, realmente odeio não poder mudar o passado, odeio me sentir indefeso ou vulnerável contra algo com o qual não possa lutar, mas sei bem que essa também não e uma raiva razoável. E isso e que é o inferno em ser um sujeito razoável! Nem mesmo posso me dar ao luxo de ter uma atitude emocional destemperada! Chutar o pau da barraca e mandar tudo ao inferno, por assim dizer... E essa incapacidade faz de mim um ser humano deplorável, menos humano, porque segundo já andaram me acusando algumas vezes (todas as acusações absolutamente pertinentes e justas, para a alegria do meu ego inflado), penso mais do que sinto ou fico psicologicamente fascinado demais pelos meus sentimentos para dar vazão a eles.


É estranho pensar em ficar com raiva das pessoas, especialmente se estas não estão mais em contato comigo para que possamos chegar a um consenso, um meio termo ou mesmo uma paz branca, sei lá...  Fico pensando naquele conto de Dickens e meus devaneios me mostram uma cena na qual lá estou eu, tal qual o velho Scrooge, sozinho no fim da vida, arrastando atrás de mim uma corrente de ressentimentos cujos elos se estendem ao infinito; e em cada elo destes vejo o rosto de alguém que uma vez passou por minha vida e me deixou sozinho no vento.


 Mas não mesmo! Se eu não posso falar diretamente com a pessoa, tampouco vou transformá-la num ressentimento. As pessoas a quem amo merecem mais do que isso.

Agora, se me permitem, preciso falar direta e indiretamente a um amigo muito querido que talvez nem queira me ouvir...


Este era para ser um post pautado pelo principio da impessoalidade (conversa fiada, claro! Nenhuma das minhas linhas tortas é impessoal), mas acabou sendo um meio de falar a este amigo, já que ele não quer mais ser um amigo e por isso fechou todos os nossos canais de comunicação, que eu não estou com raiva dele 

'Juro que não estou (e peço que leve isso em consideração a meu favor, amigo, já que eu não gosto de falar de assuntos diretamente pessoais por aqui porque certamente vou ter de dar explicações a uma meia dúzia de pessoas genuinamente preocupadas comigo e isso é por demais maçante para eles e para mim). Quero dizer que você não precisa da minha indulgência, mas que  compreendo seus motivos e sentimentos e os respeito ( e esteja certo meu caro, que isso não é fácil de fazer) e que sei bem que é complicado lidar comigo. Alegre-se com o fato (que dependendo do grau da sua mágoa para comigo, pode ate servir de uma vingança indireta. rsrsrsr) de que você só teve de lidar comigo por pouquíssimo tempo, mas eu por meu lado tive de lidar por mais de três décadas e possivelmente terei de lidar por outras três ou menos ou mais. Sei que não foi fácil para você também. Eu nunca sou fácil e estou ciente disso. Queria que as coisas tivessem sido diferentes, mas a droga do Universo teima em nunca respeitar o meu querer e não posso mudar as tolices que eu cometi ou que outros cometeram em meu nome e se esqueceram de vir depois dividir comigo o ônus. Lastimo muito o rumo que as coisas tomaram e esteja certo de que eu teria realmente me empenhado para sermos amigos de novo. Mas você se recusou e eu não sei se já comentei que tenho, dentre as muitas limitações minhas, uma certa dificuldade em arrombar portas fechadas, não importando o quanto eu deseje vê-las abertas. Por favor, não confunda o meu respeito pelas suas decisões como falta de interesse ou raiva. Sinto raiva da situação, daquilo eu não posso mudar, mas enfim, não é, e nunca será raiva de você. Sinto raiva, é da minha falta de serenidade em aceitar as coisas tais como elas são. E sinto raiva de estar com raiva disso.'


'Mas mesmo numa relação entre amigos, quando ocorrem problemas, há sempre a tendência de ambos se atribuírem o papel de vitima, mas sabe, eu me sinto particularmente desconfortável neste papel. Prefiro que sinta raiva de mim a sentir de você.'


'Do meu lado, nada tenho a perdoar porque não há ofensa alguma a ser perdoada, mas só posso falar por mim e se é seu destino ou escolha caminhar em outra direção e apartar-se de mim, não leve de mim lembranças tristes ou amarguras, porque penso que eu  talvez também mereça um pouquinho mais do que isso. Mas se necessita ouvir isso de mim, mesmo eu nada tendo a perdoar, sim eu o perdôo, desde que em retribuição e resposta, perdoe-me você também por eu ser quem e o que sou e os atritos que tivemos resultantes desse meu ser. Os termos dos meus sentimentos e da minha oferta permanecem e permanecerão para sempre os mesmo. Quer ser meu amigo?'


'Caso queira, sabe onde estou (alguns lugares, deixarei de freqüentar para o meu bem, mas ainda estou onde sempre estive e você sabe o caminho) e se se resolver por me estender a mão, esteja pronto para que eu a agarre com a força de todo o meu afeto. Se não, siga o seu caminho sem culpas em relação a mim porque ei de te guardar na memória como uma lembrança alegre. Toda a sorte do mundo para você neste seu caminho. Que não haja nele sempre flores, porque não acho positivo que os olhos se acostumem unicamente com o belo, mas que você tenha força para suportar e vencer seus espinhos. Confio nessa força. '


'É a minha natureza teimosa, eu acho, e não há nada no momento que eu possa fazer em relação a ela...'
Atenciosamente,
Seu amigo para sempre, (pelo meu lado ao menos), Sahge


quarta-feira, 1 de junho de 2011

Final de tarde com Descartes...



"Eu sou, eu existo; isso é certo; mas por quanto tempo?
A saber, por todo o tempo em que eu penso; pois poderia ocorrer que, se eu deixasse de pensar, deixaria ao mesmo tempo de ser ou de existir. Agora eu nada admito que não seja essencialmente verdadeiro: portanto, eu não sou, precisamente falando, senão uma coisa que pensa..."
                                                             


                                                                                                          Reneé Descartes
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