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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Uma Resposta



( Por favor, notem que o título da postagem é "Uma" e não "A" resposta. Haverão outras. Estou partindo do princípio, que me permite pensar com alguma segurança, de que posso estar enganado sobre isso, bem como estive e posso estar sobre muito mais)

Depois de muito refletir sobre o assunto e de ser instigado a pensar numa dialética com algumas pessoas off e online - (agradeço especialmente a Pandora em seus comentários reciprocamente inquietantes e a participação um tanto etérea de Senhora 1, seja lá quem ele/ela for) - minha conclusão prévia sobre a questão, é que a Mariposa e a Chama da vela, supondo-se que esta também esteja sob o encantamento, estão ambas enganadas sobre a natureza uma da outra.

É a Luz a exercer um fascínio, sobre as cores da Mariposa e sobre a dança da Labareda da vela. Ambos amam a Luz, (que não é mais um subproduto da chama do que seria das asas da Mariposa) mas atraem-se amando por procuração aquilo que não podem ver. A Chama ignora sua Luz e a Mariposa ignora as próprias cores.

Se estão destinadas a algo, é a procurarem amar em outro aquilo que não podem amar em si mesmas.
Karma, Neh?
Mas, seguindo a analogia que tracei entre a metáfora da Mariposa e da Vela e nossas relações afetivas (de toda ordem), isso equivaleria a afirmar que assim como o fascínio mutuo é uma ilusão provocada por um elemento alhures, o Amor também seria (ou pelo menos o construto social que chamamos assim). Receio porém, que eu talvez esteja com o raciocínio comprometido demais para afirmar algo assim e não sei se alguém está com disposição o suficiente para pensar por essa perspectiva.
É tres sombre imaginar que se está andando por um terreno movediço ou que o chão possa a qualquer momento se revelar uma camada de gelo fino.

Sei que elaborei uma resposta (propositalmente) confusa, mas foi o melhor/pior que consegui construir neste momento...

domingo, 25 de setembro de 2011

Pergunta 1





Pode a chama da vela
ficar indiferente
às asas da Mariposa?

Colombinices

E se as rugas cobrirem de fino pó do tempo o rosto magro
Enquanto suaves sombras são perseguidas?
E se  do outro lado dessa  mesma rua nua,
Ardesse em catarata o sol pelos ombros  de cetim,
Aquecidos como os campos de ouro enamorado?
E se  em coro corressem os ventos de verão em alcatéia?

                                                      -----------------------------

E então uma névoa desaba sobre o dia claro,
Um pesado silêncio que cala o mundo com um grito
O despertador berrou,  a cidade murmurava e ele saia de casa,
Ela atravessou a rua sem sequer olhar para os lados
E por entre os carros, um séquito de borboletas a seguia
Se desprendendo  dos cabelos flamejantes a medida que o ar da cidade lhe beijava o rosto.

Ele fazia apostas no acaso...
Jogava os dados  torcendo para que num daqueles  momentos fugidios
 O Destino estivesse olhando para o outro lado e então poderia roubar um pouco de felicidade.
Ela dobrava a esquina da Rua Tamoios e descia em direção ao Parque Municipal...
Ele se barbeava pela manha e sentia girar o tambor numa roleta russa para a sua alma,
Esperando que houvesse uma bala e que ela por fim parasse na agulha...

Ela rabiscava versos sem rima nas capas dos cadernos,
E um estranho o olhava de volta quando se via no espelho.
Era a sua  vida viciada como um baralho de cartas marcadas.
Às vezes  ele blefava e odiava gravatas e horários apertados.
Ela gostava de gatos, de bons livros e de cantar em inglês errado,


Ele estava sempre com pressa, sujava o colarinho em lanches apressados...
Ela suspirava devagar e namorava passarinhos em vôo,
E encantava e inquietava qualquer um que lhe respirasse a presença inquieta.
Mas ele...Dir-se-ia que não tinha olhos e se os tivesse, não teriam cores...
Quem se lembraria?

No Mercado das Flores, ela comprou crisântemos brancos
Ele parou no sinal amarelo, irritando os outros motoristas.
A caminho da Praça da Liberdade ela deu uma das flores e um sorriso a um mendigo.
Os sapatos dele estavam desamarrados e ele  abaixou o olhar  
No exato momento em que ela passou bem perto cantarolando baixinho:

“I can remember this place
It's all out of phase now
Different time and space
It's like wearing new eyes
Do you complete me?
Just try, just try”
Só muito tempo depois de perder sua ultima moeda ele soube
Que  o Destino não estava olhando para o outro lado...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Dois Vídeos e Uma Inquietação

Depois de dividir minha estupefação com um vídeo sobre uma menina em uma dança desengonçada (não postei o vídeo) e sua mãe, decidi postar estes vídeos sobre uma outra história. Na verdade, sobre outras histórias e sobre o perigo de se conhecer apenas Uma história. Queria dividir com vocês os dois vídeos (que na verdade são apenas um), e uma questão que tem me inquietado, mas vou pensar a questão por mais algum tempo. Inquietação talvez também tenha de ter hora e lugar:




Uma Casa No Fim do Mundo



Final de estrada, onde todas as encruzilhadas se desencontram.
E depois dali não havia mais nada, só o nada silencioso.
Como uma casa no fim do mundo...
 Um casebre pequeno como um suspiro,
Com mil corredores e escadas ligando o nada a lugar algum.
E nesse palácio de vidro colorido
Onde ecoa o barulho de sonhos gemendo,
Morrendo e ressurgindo, repicando como mil sinos a distância
Ouvi risadas de crianças perdidas, ressoando em algum lugar ao longo das paredes.

Perdi meus pinceis e desisti de espantar o cinza do mundo.
Não posso desenhar um arco-íris com tintas invisíveis.
Ela porem se deteve a porta muitas e muitas vezes  e em muitos matizes,
Quando a risada alegre e desvairada de crianças iluminava o caos dos meus pensamentos.
Onde nessa casa pequena, grande como o mundo  estariam os pequenos?

Eu via uma profusão de cores na tela negra e opaca,
Podia ver através  e dentro das trevas.
Odor de mofo e histórias antigas, quadros de ancestrais
Ilustres anônimos mortos no tempo
Mobília antiga e gasta coberta de lençóis e tempo,
Histórias guardadas em baús enegrecidos...
Sem meus pincéis, senti-me inacreditavelmente velho...


O olhar percorreu os corredores como o vento levantando o pó,
E foi deter - se de novo no fim do caminho,
Onde as encruzilhadas  se desencontravam.
O quadro antigo era na verdade um espelho,
De onde  mirava-me o pálido fantasma de mim mesmo.
Inacreditavelmente velho
Numa casa no fim do mundo...

Waking Life - O Mar Jamais Rejeita um Rio




Esta é a minha janela para o mundo.
A cada minuto, um novo espetáculo.
Posso não compreendê-Io
Ou concordar com ele...
Mas eu o aceito e acompanho a maré.

Mantenha o equilíbrio.
É o que eu digo.
Siga com a corrente.
O mar jamais rejeita um rio.

A idéia é manter-se em um estado
De partida, mesmo ao chegar.
Economiza-se em apresentações
e em despedidas.

A viagem não requer explicações,
apenas passageiros.
É aí que entram vocês.

É como se chegássemos ao planeta
Com uma caixa de lápis de cera.
Pode-se ganhar a caixa de 8,
ou a de 16...

Mas o segredo é o que você faz com
eles e as cores que lhe foram dadas.
Não se preocupe em colorir
somente dentro das linhas.

Pinte por fora das linhas e fora
da página! Não queira me limitar!
Nos movemos com o oceano.
Não estamos ancorados!

sábado, 10 de setembro de 2011

O Morro dos Ventos Uivantes - Um Filme Novo e o Peso de Uma Página



As vésperas de estrear a nova versão cinematográfica de “O Morro dos Ventos Uivantes”, encasquetei de ler pela milionésima vez o meu surrado exemplar de “O Morro”.

Não o devia ter feito por muitos motivos. O primeiro é que isso não é muito justo para com um filme, porque quase nunca um filme se iguala ou supera a obra literária que lhe deu origem. E eu já havia torcido o nariz quando li num blog que a diretora fez na verdade uma “adaptação”, sem se ater ao texto original do livro. Agora certamente vou ficar o tempo todo durante o filme fazendo aquelas comparações inevitáveis que fazem os fanáticos por certas obras.

Mas é de “O Morro...” estamos falando aqui!  Já gostei de James Howson! Sujeito de coragem! Mesmo se eu fosse um ator de primeira linha e tivesse o rosto bonito dele, iria pensar muito e teriam de me pagar o peso em ouro para que eu topasse herdar primeiro o manto absurdamente denso de Heatcliff e secundariamente a interpretação espantosa de Laurence Olivier, Tymoth Dalton e Ralph Fiennes! Não o conheço e não me recordo de ter assistido a nenhum trabalho seu, mas esse cara está encrencado! Mais ou menos como Heath Ledger estava quando topou fazer um novo coringa sob a sombra de Jack Nicholson. Saiu melhor que a encomenda, então, desejo toda sorte do mundo para Howson.

E embora eu seja bem informado demais para ser otimista, espero ainda estar vivo no dia em que o fato de um homem ser negro não gere um alvoroço danado quando ele fizer  alguma coisa que até então seria visto como um "papel de gente branca". Mas por enquanto, me limito a pensar que é um desafio para um ator novato (se é que ele é novato no ramo, porque como eu disse, eu nada sei sobre James Howson e ele pode, mesmo sendo jóvem, ser um veterano do teatro ou coisa assim)

Sobre Kaya Schodelario não tenho muito que falar. É só que sou mesmo um xiita e reluto em ver outro rosto para Katharina Earnshaw que não seja o de Juliette Binoche (esqueci de mencionar que a versão de 1992 é a minha favorita). Não é que não goste de Kaya (e muito pelo contrário. Embora eu já tenha visto um filme com ela mas não possa por isso estar habilitado para falar sobre seu talento como atriz, Jesus! Como ela é bonita!), é pura implicância de um chato que não teve apenasuma queda, mas levou um verdadeiro tombo por Juliette Binoche e ainda está preso a esse encantamento.

Contudo, implicâncias a parte e embora tenha solenemente ignorado uma “versão teen” que soube ter sido filmada a alguns anos (vi o folder do filme e não quis assistir e sim, vou manter a irracional atitude de "não-vi-e-não-gostei", sem o menor constragimento ou peso na consciência. Eu sei do que dou e do que não dou conta), vou tentar conter o meu xiismo e vou sim assistir a esse remake de o “O Morro”. Posso me surpreender e ainda teimo em pensar que nem toda surpresa é necessariamente desagradável.

Voltando ao fato de que não deveria ter relido “O Morro..”, eu estava dizendo que tinha vários motivos para não o fazer agora. Tive plena consciência disso quando, quase no fim do livro, caí sobre essa página e ela em resposta praticamente me caiu na cabeça com a força de um raio:

-- Mas não se sente mal, pois não? -- inquiri.
Não, Nelly, não sinto.
-- Então não tem medo de morrer? -- prossegui.
-- Medo? Não! -- retorquiu. -- Nem medo, nem pressentimento, nem desejo de morrer. Por que havia de ter?

“Com a minha constituição física e a vida regrada que levo, sem correr riscos, provavelmente caminharei sobre a terra até que não me reste um só fio de cabelo preto na cabeça... E, no entanto, não posso continuar assim, a ter de me obrigar  a respirar, a quase a ter de forçar o coração a bater! É como dobrar um pedaço de ferro: é só pela força, e não pela vontade, que faço as coisas mais simples, e é só à força que percebo as coisas vivas ou mortas que não estejam associadas a uma idéia que me obceca... "

"Tenho um  único e ardente desejo, e todo o meu ser, todas as minhas faculdades lutam por vê-lo realizado. Aspiram a isso há tanto tempo, e com tal força, que estou convencido de que esse desejo se realizará... E bem depressa... Pois devorou-me a existência e me consome na antecipação do clímax. Sei que os desabafos não me aliviam; mas podem, pelo menos, explicar algumas das minhas aparentemente inexplicáveis alterações de humor. Meu Deus! Tem sido árdua a luta. Quem dera que
acabasse!"

 ...

Realmente, não foi uma boa idéia ler isso...Por melhor atuação que possam ter os atores, dificilmente conseguirão passar  a força de um trecho como esse, mesmo porque, o compromisso de um filme costuma ser o Visual, em detrimento do subjetivo (com raríssimas e magníficas exceções). É preciso ser um titã da sétima arte para passar a  pesada carga emocional do desamparo de Heatcliff, sua revolta contra seu estado de não-vida, uma vez que em um trecho anterior do livro, ele pergunta: “Como pode alguém viver tendo a sua alma metida num caixão?”
Ele se pergunta...
Eu me pergunto...

...

Eu poderia continuar falando sobre o livro e fazendo considerações sobre a situação do protagonista, mas isso ia acabar em mais tietagem vazia da minha parte (fico insuportável quando falo sobre algo que me apaixona e poucas coisas me apaixonam tanto quanto Emily Bronte e “O Morro dos ventos Uivantes”) e também teria de evocar e tocar em coisas pessoais muito doloridas (razão principal pela qual não deveria mesmo ter relido esse livro agora) e isso seria desagradável para quem lê e também para quem escreve.

Então, paro por aqui e espero sinceramente que esse novo filme não altere demais o enredo daquela história, porque seria muito bom vê-la num contexto mais moderno (mas "versão teen" e modernidade são coisas bem diferentes). Mesmo porque, foi o primeiro romance que li em que o personagem principal é ao mesmo tempo a vítima e algoz ( e não admito nunca que Heatcliff possa, apesar de todos os seus crimes, ser levianamente tachado de “vilão”. Ou isso ou então tenho torcido pelo lado errado durante todos esses anos em que pensei ser uma boa pessoa e se esse for o caso, então, droga, viva o “lado negro da força!”) . Não existem inocentes em “O Morro...”, não existem anjos ou demônios ali. Só seres humanos se equilibrando a beira do abismo e o mais intenso deles, não só se atreve a saltar dentro como na queda arrasta todos a sua volta. Também foi o livro que me ensinou que uma história para ser linda, não tem de ter final feliz. Só tem de ter uma história antes do fim...
Encontro vocês na fila do cinema.




Dois Vídeos e Minha Loucura Suave

Embora tenha sido nos ultimos anos seduzido pelos  sons pesados de bandas como como Slipknot, Deftones, System Of A Down e Sepultura, ainda considero Queen a melhor banda de rock de todos os tempos. Fuçando um baú de guardados num dvd antigo dei com este que na minha opinião é o melhor vídeo e a melhor musica de rock que já vi e ouvi na minha vida:


E fuçando um pouquinho mais abaixo encontrei este, da mesma banda e que inacreditavemente havia me esquecido, mas que tem ( e vou usar uma expressão que detesto, mas que é apropriada ao caso) tudo a ver comigo. Ou pelo menos, tem muito a ver com o muito que penso que tenha a ver comigo, se me faço claro. Incrivel não ter reparado antes que nesse vídeo que assisti inumeras vezes, o mágico Fredie é tanto um arlequim quanto um pierrot!!



Coisas boas tem de ser dividas, pois não? Então, divido a excelência desses vídeos com vocês e com eles um pouco da minha suave loucura que deixei esquecida num baú de guardados. Andei sentindo falta dela!

Bons sonhos...

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O Grande Momento da Vida










Deixe estar, deixe-se ficar...A vida é curta, mas a noite é longa

E o neon frio sobre a sarjeta,  ha de iluminar meu tatear no escuro, a procura do caminho de volta pra casa. Não me hei de perder enquanto deixar migalhas de pensamentos pelo caminho. São aforismos  amargos demais para que os pássaros os comam...

Talvez tenha tempo para um chá de ervas, talvez jogue xadrez como no filme de Bergman...
Talvez se resolva a me contar porque arranca os brotos dos galhos que ainda não floriram ou porque ceifa colheitas que ainda não geraram o pão. A noite é longa e temos tempo. Tempo demais quando no cárcere por um dia. Tempo de menos quando se está na companhia de alguém que se ama. “Tudo é relativo. Até o nada”.

Quando jovem alimentei pensamentos estranhos que um dia tiveram sentido e que me trouxeram como tantas outras vezes me levaram - De onde não sei bem, para onde, também ignoro. Apenas não me permito pairar em suspensão, enquanto os ventos giram no teto do mundo.

Um dia encontrarei um carro sem maçaneta na porta e então cairei no céu. Um dia vou flutuar como um dente-de-leão no vento e me espalhar pelo mundo como um pólen cinzento.


Para viver tenho de te levar na alma, musa de toda a filosofia, e eu te amaria se fechasse meus olhos para o mundo. Em vez disso fecha o mundo dos meus olhos e me deixa cego.

 A noite é longa, a vida é curta. Curta demais para quem deveria enterrar seus próprios netos.  Longa demais para quem é uma irrelevância.


Emily Bronte - As Duas Crianças





Presa ainda esta a volumosa gota d’agua
E sob seu peso se curva o jovem ramo,
Dificultosamente a bruma arrasta o seu ventre molhado,
Sobre os planaltos longínquos em
Que os caminhos se perdem.

O céu escuro e lento, como uma triste
Miragem
E as pesadas ondas do mar que se desenrolam
Sem fim
O coração da criança bate em grandes golpes de angustias
Sob a árvore desolada que se eleva ao longe.

Nem a menor fenda, desde o amanhecer,
Riscou com um traço azul as nuvens espessas.
Jamais a criança viu mais pálido sorriso
Roçar a face oculta do seu destino.

Severo defensor dos primeiros anos,
E protetor alado dos prazeres da infância
Nenhum anjo da guarda jamais terá conhecido
Os mornos desesperos desta alma solitária.

O dia se afasta a passos ligeiros
Sobre as penosas veredas destes dias sombrios.
E a criança na triste aurora da sua vida,
Assiste ao melancólico cair da noite dos seus anos.

Sempre, antes de abrirem as suas pálpebras,
As flores
Elevam uma oração ao sol
E ele, sem o saber, faz os mesmos votos
À pequena rosa humana, privada de calor.

Ó tu, bela flor, que os sopros do oeste
Não puderam jamais cumular com suas ricas caricias,
Tuas pétalas não conheceram nunca os perfumes
E seus orvalhos têm sempre o mesmo
Estremecimento de neve.

E tu, pobre alma, onde a bondade
Não vê jamais se abrir uma jovem promessa,
Tu és bela e estéril, e conheço em ti
O esplendor do caniço sobre uma rocha árida.

Bela alma, e tu, ó bela flor,
Para vós é chegado o tempo de fenecer!
Foste neste mundo uma inútil oferenda;
A terra não soube conceder a sua felicidade
Aos malditos que não tiveram o favor
Do céu.


                                        II

Bela criança de felicidade nos cabelos dourados
O mar esta nos teus olhos, o mar e suas profundezas!
Ó sopro da Alegria, que vens fazer,
Sob o céu intratável onde se obstina o enfastio?

Tua mansão deve ser uma primavera eterna
Onde, pleno, o dia se recusa a morrer;
Celeste visitante!Por que a tua asa errante
Vem a esta criança
Trazer o auxilio e o apoio de tuas lagrimas divinas?

Ah!Não é o céu que deixei por ele;
Também não venho dividir sua dor.
A sombra não pode aniquilar o esplendor de um dia,
E a mocidade ri das nuvens negras.

E eu, doce reflexo das alegres claridades
As lagrimas de criança despertam a minha piedade
E fiz votos para aliviar sua tristeza
E fosse necessário, dando-lhe um pouco
 Da minha ventura extasiante.

Pesada é a noite, que fecha seus negros olhos.
Suas ordens serão terríveis e secretas;
Mais felizes serão os sonos dolorosos
Onde a pena repousa;
Mais felizes os que velam, meus atentos irmãos.

Os que velam o amor na cabeceira da febre,
Colocam na fronte ardente o balsamo da piedade.
Como o pássaro confiando na vaga furiosa,
Sem temor se balança no sulco das ondas,
Assim ao abrigo, sem frêmito,
Minha alma se embala na luz tranqüila!

domingo, 4 de setembro de 2011

Sobre Um Vídeo que Não é Engraçado Porque é Trágico




Algumas pessoas que tem a paciência de ler as minhas psicodellias costumam pensar, dada a natureza...densa daquilo que escrevo, para usar um termo menos auto-elogioso,  que sou um tipo de sujeito sorumbático e circunspecto demais. Isso não chega a ser uma verdade, embora eu seja mesmo um tanto inclinado a longos momentos de olhar cravado no vazio. Mas quem me conhece de perto sabe bem que sou muito bem humorado e até mesmo debochado em demasia, o que me tem valido doses cavalares de ressaca moral por causa do meu sarcasmo ácido. Eu não sei qual é a função do senso de humor dentro da evolução da nossa espécie, mas penso que talvez seja o mais rudimentar recurso de sublimação de que o homem dispõe.
É preciso uma boa dose de humor para não enlouquecer diante das constantes adversidades da vida.
Eu confesso que não compreendo a maioria das piadas que me contam. Eu devia experienciar essas pequenas anedotas em vez de psicologizá-las, mas o conteúdo é quase sempre sobre, preconceitos de muitas ordens  (raciais, de gênero ou orientação, nacionalidades e até cor de cabelo e a lista de preconceitos idiotas segue) e sobre situações do quotidiano  que seriam trágicas se vividas por aqueles que contam a piada, mas são cômicas por estarem na categoria de “no olhos dos outros é refresco”.

 Uma vez uma amiga me enviou uma dessas piadas que circulam pela net. Era algo com o título “ agora é a vez das mulheres” e continha uma pequena lista de vinte tiradas como:
Como se chama um homem inteligente, sensível e bonito?
R.: Boato.


 Qual a semelhança entre o homem e o caracol?
R.: Ambos têm chifres, babam e se arrastam. E ainda pensam que a casa é deles.


Por que não existe um homem inteligente, sensível e bonito ao mesmo tempo?
R.: Porque seria mulher.


Esse tipo de email não requer resposta, mas acho que uma pessoa educada responde até a spams. E foi na boa educação que respondi agradecendo a minha “amiga” sua espirituosa mensagem, deixando claro que muito me lisonjeava que ela pensasse em mim quando lesse sobre as atitudes estúpidas dos homens. Isso certamente fazia muito bem a minha auto-estima e me mostrava o quanto ela me apreciava.
Disse a ela que embora fosse do meu agrado retribuir a gentileza e que naquela mesma semana eu tivesse recebido um email semelhante do mesmo teor ridicularizando as mulheres (deixei entre parênteses a observação de que, diferente do email que ela havia me enviado, o sobre as mulheres tinha não vinte, mas cerca de quarenta tiradas “cômicas” sobre as mulheres, o que me levava a pensar que os machistas eram superiores  quando o quesito era criatividade para piadas sexistas), não o enviaria a ela por me achar, moral, filosófica e até espiritualmente impedido de propagar pensamentos com os quais não concordava. Mas compreendia e a felicitava por não ter impedimentos semelhantes.
Sou um estúpido...
Esse tipo de atitude faz com que eu freqüentemente me surpreenda por ainda ter amigos. Sou um sujeito desagradável e ranzinza quando não entendo a piada, ou talvez quando entendo o que há por detrás dela. Sei lá se piadas sexistas, racistas ou de gênero contribuem de algum modo  para melhorar o já difícil diálogo entre homens e mulheres, homossexuais e héteros, negros e brancos e outras tribos que se digladiam. Como eu disse, sou um estúpido. Não entendo piadas.
A ultima que me contaram na verdade não chega a ser uma piada contada, mas um vídeo que está circulando no youtube e em redes sociais.  Ajudem-me nisso. Preciso compreender.

Uma adolescente, pouco mais que uma menina. Magrinha, joelhos salientes e cabelos desgrenhados, dança funk em frente a TV. A sala é humilde pelo que se pode observar pela imagem e a garota rebola, gira e faz aquele tipo de coreografia que se supõe, seja algo...voluptuoso.  De repente uma senhora entra na sala com um prato de comida na mão censurando  a garota: “isso é que é música de Deus, né fulana?” E junto com  a censura, tenta agredir a garota que escapa e  se justifica dizendo que se trata de um ensaio para a escola.

 A senhora continua xingando a menina, chamando-a de “sem vergonha” e coisas assim e o tempo todo falando em Deus. A garota parece assustada, mas se aproveita que a senhora, ainda no quarto se distrai e começa a dançar freneticamente diante da câmera (enquanto a senhora ainda continua a xingar) e termina a filmagem com um rugido e uma careta de raiva para a câmera.
Sou mesmo um estúpido! Não entendi nada. Não vi nada de que eu pudesse rir. Nada! Menina pobre dançando funk.
Funk! A coisa mais desprezível,  abjeta e grotesca que a nossa cultura já engendrou (sinto muito pelos que gostam desse lixo, mas já deixei a política de boa vizinhança muitas linhas e noites insones atrás). Uma menina que parece auferir alguma auto-estima dançando um estilo de musica cujas letras são um ultraje à dignidade das mulheres (e também dos homens em outra medida mas a misoginia nessas letras é escancarada ).
Uma mãe(?) que entra com um prato de comida numa mão, uma pancada na outra e Deus na ponta da língua como um flagelo  na ponta de um chicote. De que te ris?
Eu vejo o trágico, mas onde está a graça?
Uma garota equilibrada entre uma educação repressora ( e pelo jeito, violenta)  e uma cultura que ao mesmo tempo destaca e vulgariza a sexualidade. Uma garota pobre esmagada psicologicamente pela cultura do seu meio por um lado e pelas pancadas religiosas da mãe de outro. De que te ris, caramba!?
Tem uma graça ali que me escapa, talvez porque eu seja um estúpido  ou talvez me falte o neurônio “humoris sórdidus”, sei lá...
O que eu sei, é que o ato da menina dançar furiosamente nas costas da mãe, numa atitude clara de raiva (ou desespero)  e rebeldia, me faz pensar se ela não vai dali em diante tentar se libertar desse julgo fazendo sempre aquilo que sua mãe (ou avó, o vídeo tem o áudio ruim, então estou na dúvida) diz que não deve fazer. Ela vai querer se afirmar. Vai se meter num monte de encrenca e encher mente e corpo de cicatrizes. Vai colher os frutos de uma educação burra que não acolhe, que não ampara e que a está lançando nesse lodaçal absurdo que é a cultura de massa. Essa menina, ao contrário do que se pode pensar, não é menos esmagada pelo funk que estava dançando do que pela mãe e eu não sei qual dos dois está fazendo mais estrago.
Talvez alguém argumente que a própria menina postou o vídeo e deve rir muito dele, mas esse tipo de argumento não me tira a impressão de que se é assim, então o estrago feito pelas pancadas físicas, morais e religiosas em parceria com a nojeira ideológica que é essa aberração que chamam de funk, já fizeram um estrago maior do que eu pensava. Agora a própria garota está  “se espancando”.
Não sou hipócrita.
Gosto de rir de banalidades tanto quanto qualquer. Quando assisto a TV, a única coisa que me arranca algumas risadas é o CQC (é bem divertido:) e assisto a alguns canais no youtube cujo conteúdo humorístico é no mínimo duvidoso. Mas me recuso, tendo identificado o trágico numa situação, a ser impiedoso. Muito melhor ser estúpido a ser impiedoso.
O que eu sei é que prefiro continuar estúpido, incapaz de rir do trágico, porque talvez seja uma falha no meu caráter, mas  ainda me arde o que é lançado no olho do outro, porque é com esse olho que ele me vê.
Alguem aí sabe alguma de papagaio?
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