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sábado, 31 de dezembro de 2011

Trinta e Seis Sombras



Trinta e seis sombras
Espiralaram como redemoinho ao meio dia empoeirado
E deslizaram por meus dedos como água.
(Cristalina fosse, nem sede teria minha alma esfaimada)
Mas correm os anos como moleques despreocupados na manhã,
Até que vem a tarde e a noite surpreende nos seus cabelos
Um fino orvalho e o esbranquiçado da senilidade.


Nós envelhecemos, nós desaparecemos da memória
Fechamos os livros e os olhos
Mas Graograman ainda corre pelas dunas coloridas...


Tenho ilusões, pesadelos delicados
Nas quais meu sangue cai pelo conta-gotas de uma ampulheta...
Segundos como dias, horas feito anos...
E semanas como morosos milênios .
E pelos cantos se acumula ainda uma poeira insólita
Que minha inquietação varre de outros tempos.


Na porta da esplêndida Casa,
Entalhados em mármore róseo e chumbo, os dizeres:
“deixai ó vós que entrai toda a esperança”.
Brilha em neon como letreiro de motéis baratos...
Uma ameaça, sedutora como uma promessa de amor.

No mar...
Olhos embaçados,
Esforço-me por ver ainda por entre essa névoa espessa
Um farol qualquer que me leve de volta ao porto.
Mas mesmo sem luz, sei ler no grito das gaivotas
A promessa de uma terra não muito além dessas ondas.
Talvez na próxima aurora eu não reveja um crepúsculo,
E a meiguice de uma praia venha me saudar os braços exaustos
Da labuta com Poseidon e suas vagas.

Afeito ao mar revolto, habituado ao vento salino,
O pensamento ou vento que não  estrala como um açoite nem parece real.
Miragens não movem barcos ou sonhos e a calmaria não me acalma...

E a noite escura em que o horizonte se traveste de trevas
Há de me contar ainda uma ou duas histórias
Antes que eu aporte.
Apenas um breve repouso e parto novamente
(A impaciência do vento agita as velas do meu espírito)
Para encontrar a glória de romper com uma frágil escuna
Os alegres abismos em que o leviatã abre as suas presas.


O porto não é o lugar de chegada,
Mas um trampolim de onde saltar novamente para o infinito.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Não Pise na Grama




Então me sentei ao pé daquela  árvore. Chutei para longe a plaquinha recém colocada com os dizeres “não pise na grama” e pensei irritado para que diabos serviria uma grama senão para ser pisada, senão para ter a sua suavidade sentida pelos pés cansados...Confesso:sou a porcaria de um utilitarista, e a praça tem trocentos metros de grama e não iria ser daquele pouco mais de metro e meio que eu iria abrir mão.

E fiquei durante um tempo  gozando a sensação bem familiar de não ter, a não ser o pé daquela árvore dentre todos os lugares do planeta,  lugar algum neste planeta que eu pudesse  chamar de lar. 

Sensação reconhecível como minha, coisa mais familiar do que a alma que me habita, rebelando-se, protestando para abandonar-me, porque assim como não reconheço neste mundo como lar nada que esteja além das fronteiras do pé dessa árvore, minha alma não reconhece  como casa o corpo que habita e eu permaneço em fragmentos e em discordância até com as minhas contradições.

E o inferno sorri...

...e então quando sinto a grama e olho por momentos para essa praça, tudo tão frágil e tão brilhante; cachorrinhos, flores, crianças, pássaros e o som fervilhante da cidade em torno dela,  a cena  se move em minha mente e por uns momentos chego a duvidar de que algo de fato morra no mundo...

Daí a mesma grama me lembra, minha mente salta a cena e eu vejo a teatralidade, a maré de gente perdida de si, fantasmas pálidos se aquecendo em banalidades enquanto a iluminação de natal desmorona,  a cena congela em meu coração e chego a duvidar de que algo no mundo de fato viva...

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Da Inadequação Do meu Existir




Você sabe, chega uma hora que simplesmente não se pode mais ignorar certas coisas.  

Por exemplo,  que a dialética só é possível na presença do Outro. É entediante entabular uma conversação consigo  próprio e você...Você já está levemente farto da própria conversa. E então recita:
Oh, Dio...me duelle tanto!

Quando dão em nada todas as suas tentativas de mergulhar sua angustia no teatro da vida interpretando solitários papeis coletivos, sorrindo quando queria mesmo era praguejar; sustentando uma felicidade fingida, tão ilusória quanto o bálsamo do tempo que já não serve como a prometida panacéia, ou você faz as pazes com aquilo, ou aquilo te devora. 

Imagino que isso seja mais ou menos o equivalente às picadas diárias de um diabético. Acabamos por nos acostumar  à dor e ela se torna tão e uma constante, que apenas em momentos de pura ausência do Eu (leia-se êxtase etílico) você percebe que ela está lá.  
Onde deveria estar a sua completitude.

Mas a rotação da terra te joga para fora da cama todas as manhãs e a pulsação do mundo não te dá folga ou tempo sequer para respirar, quanto mais para se lamentar. Você tem que andar mesmo meio morto. Mesmo sem calma, mesmo sem alma... A falta de sono é sempre uma ótima desculpa para a opacidade de seu olhar e para a languidez dos seus modos.

Exercite o inerte "músculus sorrisus" do seu rosto.
Esconda a sua tristeza suave como o viciado oculta as marcas do seu vício.
Ou o baile de máscaras pára e todos se voltam para você zangados porque você interrompeu a dança com a inadequação do seu existir.

Têm horários a cumprir o e trânsito na Cristiano Machado vai estar tão infernal quanto a noite insone que você teve. E o dia vai se arrastar tão intragável quanto aquele café frio e apressado que você deixou pela metade antes de perder mais um ônibus.

Então, enquanto o mundo desaba num dilúvio e você se esforça para lembrar como são aquelas tardes quentes em que o sol derrama ouro pela janela e o vento do leste te traz aromas de alturas inacreditáveis, você se pega a olhar para o nada  e sua mente vazia nota de novo o vazio ali.  Dá-se conta mais uma vez de que algo está faltando no mundo e já tinha prometido ao menos tentar  ignorar essa falta. 
Só que é estranho ignorar que apenas metade de você está realmente em  si, que você está pensando com meio cérebro, respirando com apenas um pulmão e que o Átrio e Ventrículo que te sobraram meio a esquerda do seu meio peito, já não dão conta de bombear  eficientemente o oxigênio para o seu meio corpo.

Você sufoca pela metade.

Se ao menos não tivesse se desinvestido da capacidade de se intoxicar de idealismos e ignorar a si mesmo, talvez seu pensamento ultrapassasse menos o breu daquelas nuvens acima do horizonte e talvez você não fosse bater às portas daquele mundo além da bruma, atrás de uma paz que não te pertence.
Deixe doer. Só há dor onde há vida.

É a sua principal referencia... É o que melhor descreve a sua sensação de estar flutuando na borda de um buraco negro que ameaça, mas jamais te engole.

Nunca foi difícil lidar com o cinza . São as cores talvez  inexistentes com as quais sonham os seus pensamentos daltônicos, a deixar esse rio de água gelada correndo pelo seu estômago. E você sendo  monocromático, passando a vida a pensar que deveria ser caleidoscópico, quando o que realmente deveria ter feito é aprendido a apreciar  melhor  a coesão do cinza em si. E só depois de amassar o nariz em muitas portas fechadas e de recolher cacos de sonhos em sarjetas sujas é que acabou  entendendo que  não há almoço grátis e nem atalhos fáceis na vida. 

 “...e o Nada é o vazio que resta! ”
Você o cria sempre que coloca pensamentos importados ou  anseios alheios (tudo feito pra você, mas não por você) no lugar onde a pira do seu Eu deveria arder em chama alta, iluminando a escuridão.

Perto da sua curta adolescência, decidiu não beber (promessa que tem cumprido mais ou menos displicentemente) e acabou  levando essa abstemia para a vida ( e para a sua tragédia, a esse derivado da promessa tem sido mais fiel do que seria salutar).

O que talvez tenha sido o maior erro de que não vai se arrepender. 



domingo, 18 de dezembro de 2011

Fragmentos de "Os Hamlets"



Abaixo, estão os versos mais marcantes (em minha nada humilde opinião) recitados pelo Professor da Puc Minas Luciano Luppi, no excelente monólogo "Os Hamlets - Uma releitura", durante a Jornada do Fórum do Campo Lacaniano 2011. Lamento não me lembrar os versos na íntegra, mas estes, são inesquecíveis...


 Ser ou não ser, eis a questão
 Será mais nobre suportar na mente as flechadas da trágica fortuna, 
Ou tomar armas contra um mar de obstáculos e, enfrentando-os, vencer? 
Morrer — dormir, nada mais; e dizer que pelo sono se findam as dores, 
Como os mil abalos inerentes à carne — é a conclusão que devemos buscar. 
Morrer — dormir; dormir, talvez sonhar — eis o problema: 
Pois os sonhos que vierem nesse sono de morte, 
Uma vez livres deste invólucro mortal, fazem cismar.
 Esse é o motivo que prolonga a desdita desta vida.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Nenhuma constituição
E nenhuma revolução
Jamais pensaram em garantir, para os homens,
O Direito de Respirar 
Nenhum direito mais necessário,
Pois vivemos o tempo todo nos sufocando uns aos outros.
Você me sufoca:
- Sempre que não posso dizer para você o que faço,
O que sinto e
O que penso.
- Sempre que preciso controlar minha voz e meus gestos,
Para que você não perceba minhas intenções.
- Sempre que me ponho a justificar o que faço
Frente a meu Juiz interior – que é você.
- Sempre que reprimo meus desejos
Porque todos vigiam a todos, para que ninguém faça
O que todos gostariam de fazer
O que seria bom que todos fizessem.
Amar, cantar e dançar…
Minha vingança é fazer o mesmo com você.
Por isso digo que vivemos todos nos sufocando,
E que jamais se pensou em garantir para todos, o direito
De respirar.
Nós nos negamos o mais fundamental dos direitos –
O de viver.
Por isso vivemos sufocados – angustiados – infelizes.
É preciso renascer – e é possível renascer.

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!



                                                                             Shakespeare, Pessoa, Gaiarsa & José Régio 

domingo, 11 de dezembro de 2011

Discordando do Grande Mestre Nietzsche





"Depois que um vento se opôs a mim,"
batalho contra qualquer sopro.

Huckleberry Finn- Ou a Minha inclinação para o Existencialismo



Lembra-se quando havia um azulado em seu sorriso e o futuro se estendia no infinito como um tapete prateado de uma eterna infância? Quando encontrava pequenos tesouros apenas por caminhar a beira de um córrego procurando quartzos ou lia um livreto da “Coleção Vaga-lume”? Lembra-se de como ria das diabruras de Thom Sawyer  e voava nas aventuras do pequeno canalha e desamparado guerreiro infantil,  Huckleberry Finn?  

Quando havia mais na vida do que essa sutil dor de existir que cobre tudo como uma manta cinza?

Bem, seu corpo cresceu, adoeceu... Adolesceu, amadureceu e o mundo te engoliu, te vendeu anseios e, (pasme!!), conseguiu te convencer que eram seus aqueles desejos de status e riqueza . Você vendeu barato o azul do seu sorriso para receber em troca o amarelo dos sorrisos de aprovação dos outros, uma tentativa tola de fazer parte, quando o que você realmente queria era ser aceito. E agora as únicas portas que você procura abrir, são as que te levam ao emprego mal remunerado, à vida mal vivida, às relações sufocantes e simbióticas (quando não parasitárias) e ao jugo inacreditavelmente pesado da vida comunal.

 Deixou de ser Um, para se tornar mais um, ao preço de sua alma.

 Uma nulidade indistinta em meio a seis bilhões de pontos cegos.

A sua alma, o que restou do pequeno vagabundo, do livre  Huck Finn em você, se rebela e anseia (oh como anseia!) mandar o mundo ao diabo  e descer o rio da vida em mais uma jangada...

E enquanto você pensa que não são os cabelos brancos que te dão um ar de decadência, mas sim os cabelos pretos restantes, você suspira, olha para a janela, vê as nuvens deslizarem macias no infinito azul que antes iluminava o seu sorriso e sente ódio de si mesmo por ter crescido. 

E mais ainda por não ter crescido o bastante para não mais se importar por ter crescido.

Não seria assim, você raciocina, se todos os seres humanos nascessem com um relógio embutido na carne. Se pudessem fazer voltar o ponteiro do tempo ou mesmo emperrá-los. Deter a marcha inexorável, não da morte da vida (porque essa só assusta os fracos e covardes), mas da morte em vida (essa sim, apavora quem anseia um horizonte mais amplo), da entropia que primeiro rouba o azul do seu sorriso, depois arranca o significado das coisas que você aprende a desamar por fúteis e por fim, o nada se apossa da sua alma. 

A sua alma se torna o nada.


Ninguém vive dentro do tempo. 

 E a iminência de um beijo é sempre mais excitante do que o beijo.

E a iminência de um soco é sempre mais dolorosa do que o soco.

A iminência de um ser humano, a jovem promessa que suspira e lateja em sonhos cada vez que vê nas núvens, mais do que vapor de água esbranquiçando o céu,  a larva sonhadora,  é sempre mais iluminada do que o ser humano que brota e viceja na sua condição de nada, além de carne, sangue, falhas e uma magnífica singularidade.


Isso é ser humano. E “ou você é...Ou o buraco te ensinará a ser”.
Quando a perda do azul (mais cedo) e de parte de seu espirito (mais tarde e não há muito tempo), se torna dolorosamente consciente, em silêncio você pragueja contra todos os deuses, vivos, mortos e não nascidos (porque é da natureza humana atribuir culpa a alguém e você já está cansado de culpar apenas a si mesmo), e sente um rejubilo infantil por sua vingança muda, porque é um tolo, mas não o bastante para ignorar que não se deve andar na sombra dos deuses invejosos.
E esse é o meu vir-a-ser

Ser a iminência do absoluto ser humano, ciente do eterno e insaciável nada.  


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