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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A Roupa Nova do Imperador - Uma Metáfora




“Esqueça o conto de fadas, garoto. A coisa não terminou como contam na história. 
Eu estava lá, na segunda fila, suportando o calor e o aperto da multidão quando o maldito imperador resolveu exibir sua roupa miraculosa. Ora, corria o boato, espalhado pelos serviçais do palácio, de que a roupa era a coisa mais grandiosa, mais sublime que os olhos humanos podiam contemplar e todos os serviçais asseveraram que a qualidade do tecido e a riqueza dos detalhes eram algo digno da magnificência de um imperador. Só numa coisa não concordavam: Quanto a cor e a forma da roupa. Uns diziam que eram tons de azul e outros asseguravam que era verde água e outros garantiam que era das cores de todo o arco Iris. E ainda, que a roupa possuía um componente mágico, pois só os inteligentes e os astuciosos poderiam admirar lhe a beleza e os estultos e fracos de caráter nada viam. Diabos me levem garoto! Sou um homem capaz de certa...como é mesmo o termo que você vive me enfiando orelhas adentro? – Auto-análise! Sei muito bem que não sou um estúpido completo e saber que também não sou um sábio, faz-me mais inteligente do que aqueles que afirmam e reafirmam a própria sabedoria. Mas quero morrer fulminado por um raio se ao entrar na praça da cidade, precedido de pompas e fanfarras, o funesto imperador não estava nu como veio ao mundo!”


“Ora, ali estava o velho bandido, todo galante segurando o cetro numa mão e a outra erguida num gesto teatral, tendo as partes pudendas a mostra de quem quer que olhasse em sua direção. Andava com o garbo e a segurança de quem está vestido de gala e merecesse por isso toda a admiração.”


“Meu primeiro impulso foi o de duvidar da minha sanidade junto com a minha inteligência. Seria eu o único estúpido naquela matilha de miseráveis que se acotovelava para ver o imperador desnudo? Seria eu o único a ver que o imperador estava nu? Tirei os olhos do espetáculo lamentável que era aquele corpanzil desprezível andando pelado e comecei a olhar a multidão a minha volta. Mais de uma jovem donzela enrubesceu até as orelhas quando o imperador surgiu na praça, os olhos de toda a multidão ficaram esbugalhados como se não acreditassem no que NÃO estavam vendo. A perplexidade e o desconcerto diante da verdade que se apresentava eram evidentes em todos os olhares e podiam ser resumidos no seguinte fato: Ou o rei estava realmente nu ou todos naquela multidão eram uma camarilha de completos imbecis! E qual não foi meu choque quando desviando a atenção dos olhos para as vozes, ouvi comentários entusiasmados como:


-Mas que cores magníficas!


-Repare nos detalhes das mangas! Que primor!”


“E logo, toda a multidão estava comentando sobre a maestria com que fora feita a inexistente roupa do imperador, mesmo os olhos dizendo o oposto e todos, ou evitando olhar na direção de uma verdade desconcertante – “Eu dentre toda essa multidão sou o único estúpido, porque não consigo ver a maldita roupa do imperador”- ou concentrando a sua atenção com um ar de escárnio nas partes e formas ridículas do imperador. Ora, a tarde estava fria e nem mesmo o fato de o imperador estar tiritando de frio - natural, uma vez que estava nu- fez com que aquela turba se desse conta de que não havia roupa alguma. E quanto mais duvida sentiam, quanto mais seus olhos negavam a existência de uma roupa que cobrisse a miserável vergonha de nosso soberano, tanto mais se empenhavam em convencer aos outros e a si mesmo de que existia uma roupa e que ela era magnífica. E tinham gente ali que estava tão convencida da própria inteligência que sou capaz de jurar pelo céu e inferno que realmente estava vendo uma roupa cobrindo a pele esverdeada do velho patife. Sempre subestime a inteligência alheia, garoto, mas nunca a ignorância.”


“Bem, a coisa ia desse modo, ninguém vendo roupa alguma, mas todos pasmos, apalermados com o garbo e elegância do imperador nu e todos em secreto, mortificados com o fato de que aparentemente  não eram inteligentes, mas sem coragem de falar qualquer coisa que os denunciasse como tolos. Eu já estava para sair dali e livrar-me da obrigação de assistir ao duplo e triste espetáculo encenado por um rei parvo e desnudo e uma multidão que duvidava de sua própria inteligência para endossar a imbecilidade alheia, quando o garoto gritou:

- O rei está nu!

“Todos olharam para o pirralho. Eu já o conhecia. Ficava sempre ali pela cidade importunando as pessoas com perguntas que elas não sabiam ou não queriam responder. Uns o chamavam de Nicolau Copérnico e outros de Charles Darwin e outros ainda de Sigmund Freud. Bem, o fato é que o tal Freud, por ser um menino ou por ser um pouco mais corajoso (já que havia outros meninos na praça e apenas ele teve coragem de denuncia a nudez do rei) gritou para quem quisesse ouvir- O rei está nu!- ou se preferir, “o homem está nu!” E como reconhecer a nudez do rei seria reconhecer a própria estupidez - uma vez que até que o menino gritasse, todos ali estavam elogiando a roupa nova do imperador - diferindo do conto de fadas, o fato é que o tal do Freud foi espancado pelo pai que o pôs a correr da praça a golpes de cinta. Pensa que o moleque se intimidou? Ora, o capetinha saiu correndo sim, mas continuou gritando enquanto o fazia? “O rei está nu! O rei está nu!”. E seu pai o perseguiu para uma ou duas pancadas adicionais, mas Freud escapou pelas vielas da cidade continuando a gritar a nudez do homem. Um silêncio mortal se abateu pela praça e o imperador que até então andava em tranqüila confiança, se apressou a entrar no palácio. Nunca mais exibiu a sua roupa maravilhosa e depois de Freud mostrar que o homem estava nu, ninguém mais ficou confortável em relação à própria inteligência ou tolice. Que menino infernal! “


“Essa, ao que me lembro, foi a primeira vez em que duvidei dos meus sentidos e da minha inteligência, mas para ser honesto, acho que foi mesmo a primeira vez em que me dei conta da dúvida. Você pode até me olhar com esse ar de reprovação, garoto, mas pense por um minuto e responda para si mesmo. Se você estivesse lá, teria coragem de dizer para todo mundo o que seus olhos e seu bom senso lhe mostravam? Se tivesse, provavelmente fariam a você o que fizeram com Freud, Darwin, Copérnico, ou seja lá que diabo de nome tenha aquele moleque. Quanto a mim, sou um velho cínico sem vocação para mártir. A estupidez dos outros não me incomoda e já tenho trabalho demais em lidar com a minha própria.”

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