Acabo de assistir a um filme que há tempos me indicaram. Estava meio perdido entre um monte de textos que devo ler para a faculdade, coisas meio acabadas que comecei a escrever e um aborto de TCC que ignorei solenemente. Comprei o filme já faz algumas semanas, depois de ter assistido a trechos na tv a cabo, mas meio que fui deixando a cargo do “amanhã assisto”.
É uma daquelas coisas que a gente vai procrastinando por razões muito subjetivas, como o regime que iniciaremos na segunda feira seguinte abandonando o prazer da boa gula, ou a visita a aquele amigo enlutado a quem não visitamos por ocasião de sua perda ou /e tudo mais que deixamos para o iminente “logo mais”.
Et bien, digamos que não havia mais motivos (aparentemente ) para empurrar com a barriga. Apertei play e após breves minutos de filme: Choque! Quem me indicou esse filme me conhece mais do que eu supunha e isso me deixa consternado além de qualquer expressão, porque isso abre e fecha tantas possibilidades que me deixa com a cabeça zunindo e os nervos em pandarecos.
Choque (2)! Confirmei o que eu suspeitava desde que assisti a “The Truman Show”: Jim Carrey é um bom ator, apesar de fingir magistralmente que não é, fazendo em diversos papeis aquelas irritantes caretas e traquejos.
Brilho eterno de uma mente sem lembranças (titulo estranhíssimo em minha opinião, porque o mais provável é que uma mente sem lembranças seja um tanto opaca), é daqueles filmes que para certas pessoas, não todas, funciona mais ou menos como um soco no estômago. Ou um beijo para lá de lúbrico. Ou uma droga de misto dos dois.
Como a muita gente não gosta que lhe contem o enredo de um filme (coisa que nunca compreendi direito) limito-me a dizer que a história fala (particularmente e única e exclusivamente para mim) de como certas coisas são e de como as coisas poderiam ter sido, os muitos atalhos tomados ou evitados e...Não fala de nada disso, mas são inferências particulares que por motivos meus acabei fazendo.
É sobre um casal de namorados que resolvem apagarem-se (literalmente) das mentes um do outro e para isso contratam os serviços de uma empresa.
O filme, muito bom por sinal, me levou a pensar possibilidades e isso é irritante e desalentador, porque o diabo criou e mora na maldita expressão “e se”...
O diabo é o pai das possibilidades natimortas.
Adiante...
Além daquilo de que não falarei, fiquei pensando que este é o segundo filme a que assisto nos últimos meses que fala da possibilidade de se manipular mecânica e artificialmente a mente humana. O primeiro foi “A Origem” (e sim, eu sei que Brilho Eterno é um filme já velhinho, mas como só o assisti agora, ele ficará na segunda posição). Acho que já dei uma opinião excessivamente entusiasmada do enredo de A Origem em post anterior, de modo que vou ater-me, se me permitem, no mérito da possibilidade de através de uma engenhoca qualquer entrar, apagar, inserir ou alterar o conteúdo da mente.
Não tenho duvidas de que se e por acaso um dia venham a comercializar um aparelho capaz de tais feitos, aquilo que chamamos de “identidade” estará irremediavelmente perdido.
Pessoas são sonhos.
Li isso uma vez num quanto e tanto, onde deveria estar uma pessoa, mas estava apenas o eco de um sonho de alguém...
Acrescento, lembranças são pessoas.
E não sei de nenhuma pessoa que esteja compondo aquilo que chamo de memórias, que em algum momento de nossas vidas não nos tenha ferido de um ou outro modo, intencionalmente ou sem querer. Isso é um problema, se pensarmos que nós seres humanos, gostamos em demasia do lúdico, do “pensamento felizinho”, das coisas meigas e ternas e doces e “fofas”e evitamos do modo como pudermos enfrentar lembranças ou pensamentos tristes. Somos uma hedonista e lamentável espécie.
Aquela garota que você namorou até uns meses atrás e por quem estava apaixonado a ponto de lhe oferecer a lua como enfeite para os cabelos (Jesus!) e que terminou com você ou versa ou o oposto de ambas as opções, hoje lhe causa um profundo mal estar quando se encontram nos lugares comuns que freqüentam. Ah, sim, você superou e ela também. Mas o mal estar permanece. A dor te rói um pouquinho cada vez que você pensa na possibilidade perdida e sente uma raiva fria de si mesmo por pensar naqueles momentos de fragilidade em que você confessou que a amava mais do que tudo.
Seu estúpido! Seu maldito idiota! Agora ela está com outro e você já não pode “desdizer” o que disse. Não pode mudar o fato de que ainda sente-se fraca ou francamente atraído por ela.
Não seria maravilhoso apagá-la da lembrança do mesmo modo como se apaga um arquivo do PC? Pense só na possibilidade! Sem mais dor, sem desconforto... Talvez até mesmo pudessem se tornar amigos um dia, conhecendo-se novamente, amando-se como se fosse a primeira vez, como se aquelas palavras ásperas não tivessem sido ditas, como se tudo não tivesse acontecido daquele modo...
E porque parar só por aí? Nada de análise, nada de sofrer num divã tentando ressignificar coisas ou traumas que preferia enterrar bem fundo. Todas as lembranças ruins, todo aquelas ocasiões em que se sentiu perdido, impotente, desamparado e infeliz em qualquer situação e com qualquer pessoa. Tudo deletado num passe de mágica e você poderia acordar pela manhã se sentindo renovado. Uma nova pessoa.
Efetivamente, seria exatamente isso o que você seria. Porque isso que te morde aí nessa cavidade por entre as costelas, essa dor ardente de ser, este é você.
E embora você goste de pensar que apenas as coisas e “pessoas boas” são ou foram relevantes para te fazer ser, meu caro, você não é senão uma sublime síntese da dialética do amargo e do doce da sua vida.
Você se deve, o que sabe e o que te compõe a todos os que passaram pela sua vida e, com efeito, se parar para considerar a coisa com um pouco de honestidade, vai chegar a conclusão de que aquela menina com quem você trocou umas carícias rápidas mas cujo nome você sequer se deu a trabalho de perguntar, teve menos ou nenhum efeito duradouro na constituição do seu eu, mas aquela fulana infernal e linda cujo nome você gostaria mas não pode esquecer e que te deu um fora sensacional quando você chegou-se a ela excessivamente confiante, teve um papel fundamental no seu aprendizado sobre causa, efeito e na conveniência de se ter um pouco mais de modéstia no trato com os outros.
Apague o que te dói lembrar mas é grande a possibilidade de que vá se apagar no processo... Não, não vou fazer um mau julgamento de seu caráter caso coloquem esse serviço a disposição e você seja o primeiro da fila. O mais provável é que eu, por ter certa alergia a levantar cedo demais, acabe chegando depois de você e seja o segundo. É só uma suspeita...
Porque, ao menos conscientemente, prefiro ostentar maus pensamentos e lembranças tristes como a medalhas atestando o meu valor nos combates em que a vida me venceu de dez a zero, a apagar-me junto com as lembranças dessas muitas derrotas e tornar-me um sujeito alegrinho, despreocupado e completamente desprovido de qualquer densidade.
Mas, claro, é fácil ter esta opinião conquanto o serviço da Lacuna esteja restrito apenas ao campo da ficção.
Ótimo filme aliás...