As vésperas de estrear a nova versão cinematográfica de “O Morro dos Ventos Uivantes”, encasquetei de ler pela milionésima vez o meu surrado exemplar de “O Morro”.
Não o devia ter feito por muitos motivos. O primeiro é que isso não é muito justo para com um filme, porque quase nunca um filme se iguala ou supera a obra literária que lhe deu origem. E eu já havia torcido o nariz quando li num blog que a diretora fez na verdade uma “adaptação”, sem se ater ao texto original do livro. Agora certamente vou ficar o tempo todo durante o filme fazendo aquelas comparações inevitáveis que fazem os fanáticos por certas obras.
Mas é de “O Morro...” estamos falando aqui! Já gostei de James Howson! Sujeito de coragem! Mesmo se eu fosse um ator de primeira linha e tivesse o rosto bonito dele, iria pensar muito e teriam de me pagar o peso em ouro para que eu topasse herdar primeiro o manto absurdamente denso de Heatcliff e secundariamente a interpretação espantosa de Laurence Olivier, Tymoth Dalton e Ralph Fiennes! Não o conheço e não me recordo de ter assistido a nenhum trabalho seu, mas esse cara está encrencado! Mais ou menos como Heath Ledger estava quando topou fazer um novo coringa sob a sombra de Jack Nicholson. Saiu melhor que a encomenda, então, desejo toda sorte do mundo para Howson.
E embora eu seja bem informado demais para ser otimista, espero ainda estar vivo no dia em que o fato de um homem ser negro não gere um alvoroço danado quando ele fizer alguma coisa que até então seria visto como um "papel de gente branca". Mas por enquanto, me limito a pensar que é um desafio para um ator novato (se é que ele é novato no ramo, porque como eu disse, eu nada sei sobre James Howson e ele pode, mesmo sendo jóvem, ser um veterano do teatro ou coisa assim)
E embora eu seja bem informado demais para ser otimista, espero ainda estar vivo no dia em que o fato de um homem ser negro não gere um alvoroço danado quando ele fizer alguma coisa que até então seria visto como um "papel de gente branca". Mas por enquanto, me limito a pensar que é um desafio para um ator novato (se é que ele é novato no ramo, porque como eu disse, eu nada sei sobre James Howson e ele pode, mesmo sendo jóvem, ser um veterano do teatro ou coisa assim)
Sobre Kaya Schodelario não tenho muito que falar. É só que sou mesmo um xiita e reluto em ver outro rosto para Katharina Earnshaw que não seja o de Juliette Binoche (esqueci de mencionar que a versão de 1992 é a minha favorita). Não é que não goste de Kaya (e muito pelo contrário. Embora eu já tenha visto um filme com ela mas não possa por isso estar habilitado para falar sobre seu talento como atriz, Jesus! Como ela é bonita!), é pura implicância de um chato que não teve apenasuma queda, mas levou um verdadeiro tombo por Juliette Binoche e ainda está preso a esse encantamento.
Contudo, implicâncias a parte e embora tenha solenemente ignorado uma “versão teen” que soube ter sido filmada a alguns anos (vi o folder do filme e não quis assistir e sim, vou manter a irracional atitude de "não-vi-e-não-gostei", sem o menor constragimento ou peso na consciência. Eu sei do que dou e do que não dou conta), vou tentar conter o meu xiismo e vou sim assistir a esse remake de o “O Morro”. Posso me surpreender e ainda teimo em pensar que nem toda surpresa é necessariamente desagradável.
Contudo, implicâncias a parte e embora tenha solenemente ignorado uma “versão teen” que soube ter sido filmada a alguns anos (vi o folder do filme e não quis assistir e sim, vou manter a irracional atitude de "não-vi-e-não-gostei", sem o menor constragimento ou peso na consciência. Eu sei do que dou e do que não dou conta), vou tentar conter o meu xiismo e vou sim assistir a esse remake de o “O Morro”. Posso me surpreender e ainda teimo em pensar que nem toda surpresa é necessariamente desagradável.
Voltando ao fato de que não deveria ter relido “O Morro..”, eu estava dizendo que tinha vários motivos para não o fazer agora. Tive plena consciência disso quando, quase no fim do livro, caí sobre essa página e ela em resposta praticamente me caiu na cabeça com a força de um raio:
-- Mas não se sente mal, pois não? -- inquiri.
Não, Nelly, não sinto.
-- Então não tem medo de morrer? -- prossegui.
-- Medo? Não! -- retorquiu. -- Nem medo, nem pressentimento, nem desejo de morrer. Por que havia de ter?
“Com a minha constituição física e a vida regrada que levo, sem correr riscos, provavelmente caminharei sobre a terra até que não me reste um só fio de cabelo preto na cabeça... E, no entanto, não posso continuar assim, a ter de me obrigar a respirar, a quase a ter de forçar o coração a bater! É como dobrar um pedaço de ferro: é só pela força, e não pela vontade, que faço as coisas mais simples, e é só à força que percebo as coisas vivas ou mortas que não estejam associadas a uma idéia que me obceca... "
"Tenho um único e ardente desejo, e todo o meu ser, todas as minhas faculdades lutam por vê-lo realizado. Aspiram a isso há tanto tempo, e com tal força, que estou convencido de que esse desejo se realizará... E bem depressa... Pois devorou-me a existência e me consome na antecipação do clímax. Sei que os desabafos não me aliviam; mas podem, pelo menos, explicar algumas das minhas aparentemente inexplicáveis alterações de humor. Meu Deus! Tem sido árdua a luta. Quem dera que
"Tenho um único e ardente desejo, e todo o meu ser, todas as minhas faculdades lutam por vê-lo realizado. Aspiram a isso há tanto tempo, e com tal força, que estou convencido de que esse desejo se realizará... E bem depressa... Pois devorou-me a existência e me consome na antecipação do clímax. Sei que os desabafos não me aliviam; mas podem, pelo menos, explicar algumas das minhas aparentemente inexplicáveis alterações de humor. Meu Deus! Tem sido árdua a luta. Quem dera que
acabasse!"
...
Realmente, não foi uma boa idéia ler isso...Por melhor atuação que possam ter os atores, dificilmente conseguirão passar a força de um trecho como esse, mesmo porque, o compromisso de um filme costuma ser o Visual, em detrimento do subjetivo (com raríssimas e magníficas exceções). É preciso ser um titã da sétima arte para passar a pesada carga emocional do desamparo de Heatcliff, sua revolta contra seu estado de não-vida, uma vez que em um trecho anterior do livro, ele pergunta: “Como pode alguém viver tendo a sua alma metida num caixão?”
Ele se pergunta...
Eu me pergunto...
Eu me pergunto...
...
Eu poderia continuar falando sobre o livro e fazendo considerações sobre a situação do protagonista, mas isso ia acabar em mais tietagem vazia da minha parte (fico insuportável quando falo sobre algo que me apaixona e poucas coisas me apaixonam tanto quanto Emily Bronte e “O Morro dos ventos Uivantes”) e também teria de evocar e tocar em coisas pessoais muito doloridas (razão principal pela qual não deveria mesmo ter relido esse livro agora) e isso seria desagradável para quem lê e também para quem escreve.
Então, paro por aqui e espero sinceramente que esse novo filme não altere demais o enredo daquela história, porque seria muito bom vê-la num contexto mais moderno (mas "versão teen" e modernidade são coisas bem diferentes). Mesmo porque, foi o primeiro romance que li em que o personagem principal é ao mesmo tempo a vítima e algoz ( e não admito nunca que Heatcliff possa, apesar de todos os seus crimes, ser levianamente tachado de “vilão”. Ou isso ou então tenho torcido pelo lado errado durante todos esses anos em que pensei ser uma boa pessoa e se esse for o caso, então, droga, viva o “lado negro da força!”) . Não existem inocentes em “O Morro...”, não existem anjos ou demônios ali. Só seres humanos se equilibrando a beira do abismo e o mais intenso deles, não só se atreve a saltar dentro como na queda arrasta todos a sua volta. Também foi o livro que me ensinou que uma história para ser linda, não tem de ter final feliz. Só tem de ter uma história antes do fim...
Então, paro por aqui e espero sinceramente que esse novo filme não altere demais o enredo daquela história, porque seria muito bom vê-la num contexto mais moderno (mas "versão teen" e modernidade são coisas bem diferentes). Mesmo porque, foi o primeiro romance que li em que o personagem principal é ao mesmo tempo a vítima e algoz ( e não admito nunca que Heatcliff possa, apesar de todos os seus crimes, ser levianamente tachado de “vilão”. Ou isso ou então tenho torcido pelo lado errado durante todos esses anos em que pensei ser uma boa pessoa e se esse for o caso, então, droga, viva o “lado negro da força!”) . Não existem inocentes em “O Morro...”, não existem anjos ou demônios ali. Só seres humanos se equilibrando a beira do abismo e o mais intenso deles, não só se atreve a saltar dentro como na queda arrasta todos a sua volta. Também foi o livro que me ensinou que uma história para ser linda, não tem de ter final feliz. Só tem de ter uma história antes do fim...
Encontro vocês na fila do cinema.
Recentemente tive a oportunidade de assistir O morro na versão com Ralph Fiennes e na tv aberta, aparte o oceano que eu chorei nos ombros de Rafaela, cheguei a conclusão que se eu tivesse na minha adolescência imaginado por cinco segundo um Heatcliff com a cara do Fiennes e aquele biquinho que ele faz, acredite eu não teria desenvolvido um horror tão grande ao livro, pq com ele até pesadelo deve ser uma coisa boa! Eu disse isso a minha irmã ela me espancou valendo rsrs...
ResponderExcluirFalando sério, "O morro..." é um livro incrível mesmo, a leitura é quase uma experiência arqueológica, sempre que leio uma nova camada de significado se desfolha diante dos meus olhos, especialmente agora que eu mergulho no século XIX, nas rotinas, na filosofia e derivativos, me pergunto como aquela danada conseguiu perceber e expressar coisas que os historiadores do século XIX, por exemplo, só conseguiram perceber a pouquíssimo tempo.
Fico comparando ela a Mary Shelley, Austen e outros autores e só encontro pareia para Emily em Machado de Assis, aliás, foi por causa de uma releitura que fiz da Helena de Machado que encarei "O morro..." pela 3ª, 4ª, 5ª vez... Já vi o povo da literatura comparar Capitu a Cath, eu particularmente prefiro traçar paralelos entre Heatcliff e Helena, a gazela ferida e o héroi imperfeito.
As vezes, quando estou estudando a obra de Machado fico imaginando que tipo de obra Emily teria produzido se tivesse vivido tanto quanto ele, certamente haveria um livro tipo "Emily Historiadora".
E sim, também estou contando os dias para esse filme, mas francamente só vou assistir pq o protagonista é negro e me interessa profissionalmente acompanhar todo o alvoroço que vai surgir, também quero ver como o nosso inicio de século XXI consegue perceber uma obra do inicio do XIX, só por garantia vou levar Rafaela, se eu tiver um momento sangria desatada no cinema vai ter alguém por perto... rsrsrsrsrs...
Aff... esse comentário ficou com cara de postagem, mas a culpa é sua que instiga, eu não tenho com quem debater literatura, Rafa nem pra ler o livro... então sobrou pra vc :). Lembre-se de perdoar os erros ortograficos, enfim... Vamos ao filme!!!
Cara Pandora,
ResponderExcluirLastimo muito que Emily tenha morrido tão jovem. Esse nosso universo doido parece fazer com que as almas mais fecundas se queimem rápido demais. E eu acho que Emily está mais para Mary Shelley do que para Machado de Assis, com toda a reverência que o nosso patrício merece. E Emily era também uma grande poetisa.
Seu comentário me fez pensar no seguinte: historiadores têm uma visão socio-histórica que permeia a sua análise de uma obra, seja literária ou não, assim como psicólogos vão ter uma visão psico-social e os filósofos vão abranger todo o contexto filosófico e assim por diante. Claro, nada há de novidade nessa minha observação, mas considero realmente interessante cer esse conceito transcender o senso-comum e tomar uma forma observável.
Embora eu seja mais comedido em relação ao charme de Fiennes pelas razões óbvias, tenho de reconhecer que dar a Cathy o rosto de Juliette Binoche tornou a leitura muito mais empolgante.
Eu vou assistir a esse filme novo por dois motivos: O primeiro é que adoro "O Morro..." e tudo relacionado ao livro e o segundo é para vencer essa minha obstinação teimosa em encarar certos aspectos da nossa modernidade como mera degeneração do que eu sempre vi como perfeição classica. Antes que eu resolva mandar o mundo as favas e vire um eremita, vou tentar não me exasperar demais com novidades, porque afinal, aqueles que tanto admiro e que tanto contribuíram para a formação da minha inquietação causaram eles próprios, uma repulsa semelhante a que sinto as vezes, quando sou confrontado com O Novo.
Eu penso que nosso século xix é bastante estéril em relação a profundidade de pensamentos e sentimentos e quase tudo tem de ser visualmente consumível. Mas a resiliencia do espírito humano nos trouxe até aqui, então vou tratar de manter algum otimismo e ir ao cinema esperando uma boa surpresa.
E seu comentário me agradou muito também pela extensão, porque como você, tenho uma grande dificuldade em ser lacônico quando comento algo de que gosto.
Vamos ao filme...!