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domingo, 12 de junho de 2011

Selinidade ou Tempos Fugidios


A coisa mais desgraçadamente honesta do mundo é um espelho. Mentirosa pode ser a nossa interpretação do que vemos nele, mas mesmo por baixo dessa ilusão, rasteja a dolorosa consciência da passagem do tempo. E você está ficando velho. Difícil é definir no que consiste essa “velhice”.
Uma ou duas rugas quando damos um sorriso amarelo. Pés de galinha ainda suaves, mas que não estavam aí a uma década. Tornam o sorriso mais simpático, talvez...Tão simpático quanto o de um tubarão.
Mas o rosto ainda está firme...
Que diabos, você nem entrou nos “enta” ainda!  E não faz muito tempo era só um moleque com os bolsos vazios, a barriga roncando e a cabeça cheia de sonhos malucos de grandeza. Quando foi mesmo que se tornou um homem que mal consegue dormir?
Ora, veja isso... Seja razoável (mais ainda). Você é um sujeito azedo de verdade e tem o péssimo hábito de dizer coisas que ninguém quer ouvir. Numa curva qualquer da vida  você contraiu o maldito vírus da sinceridade e perdeu aquela capacidade de iludir a si e aos outros com os pensamentos suaves e doces que comovem a maioria. Daí se tornou o sujeito que “estraga o natal” e conta para as crianças que a droga do papai Noel não existe. Que lástima...!
Certo! Sejamos condescendentes conosco mesmos. Não são os cabelos esbranquiçados acima dos olhos cansados que denunciam a idade (e como essa mecha de cabelos brancos está aí desde os dezesseis anos, não vamos confundir falta de melanina com decrepitude). Também não é o cansaço no olhar um tanto perdido. Talvez seja o fato de que os filhos dos seus amigos de infância já são pais, mas esse raciocínio também é fácil de derrubar: Seus amigos foram irresponsáveis (como você já quis ser muitas vezes sem o conseguir) e se tornaram pais ainda adolescentes e seus filhos lhes copiando o mau exemplo foram pela mesma vereda. Seus amigos já são avós e você... Você ainda se sente um menino em muitos aspectos...
O que é então? O hábito ridículo de pensar em primeira e terceira pessoa alternadamente? Talvez...
A saúde ainda está boa e você consegue subir os cinco andares do trabalho sem precisar usar o elevador e sem chegar lá em cima respirando fogo. Mas só consegue parar de trabalhar quando o prédio já está quase vazio e nem tem mais tempo para as coisas que antes lhe davam algum prazer. Sua impaciência acabou lhe transformando num tipo de eremita social e você sem perceber se tornou incapaz de rir das amenidades e trivialidades do cotidiano. Dia desses vão te convidar para uma festa, você não vai e ninguém vai notar a sua ausência. Nem mesmo você... Cuidado com essa rabugice! Idade não é sinônimo de misantropia!
Então chegamos a um impasse e uma conclusão... É a falta dos Seus, dos outros da Tribo espalhados por aí, que te dá essa sensação de alheiamento que você confunde com selinidade. Saudades que  te dão um hálito de século, amigo... É a passagem rápida do tempo e a súbita constatação de que ele escorre como areia fina por entre seus dedos ( e a despeito de seus esforços você não o consegue deter), que lhe dá essa sensação de que já não há muito mais pelo que lutar, pelo que morrer ou pelo que viver. Isso não é idade, meu amigo. Isso é desesperança. E saudades daqueles que nunca vimos.
Só que desesperança pode ser tão mentirosa quanto a visão do vaidoso quando se olha ao espelho. De nada lhe adiantará passar as morosas horas em profunda reflexão. O tempo é inexorável e porquanto ainda não conseguimos o nosso relógio cujos ponteiros retrocedam, perdemos tempo pensando sobre o tempo perdido. Decisões ruins foram tomadas, palavras irrefletidas foram ditas e naquele imenso relicário de arrependimentos guardados na memória, uma nova safra encontra lugar de destaque. Algumas portas foram fechadas, mas outras deixamos abertas. Isso é a vida em sua marcha.
 É só contar que aqueles lá fora, os desgarrados da Tribo, esses que também se pensam sozinhos num mundo coletivo,  encontrem o novo caminho de casa. Deixemos as luzes acesas. Talvez levem tempo para perceber. Quanto tempo não passamos batendo em portas sem perceber que estavam fechadas? E também não encontramos luzes em meio à escuridão do mundo? E sombras suaves em meio ao clarão do nada?
Talvez demorem enquanto envelhecemos e nos tornamos cinzas misturadas a erva da terra, mas a expectativa dessa chegada, desse encontro de mundos bem pode valer uma vida de espera.
No fim, jovens ou velhos, esperançosos ou desesperados, temos todos o mesmo que todos temos: “O tempo de uma vida. Nem mais e nem menos”. E isso tem de bastar.

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