Não me recordo de ninguém estender-me
seus sonhos como um tapete (a não naqueles casos de crasso engano. Erraram o
endereço da entrega). E forço a mente num esforço inacreditável, para tentar
descobrir um só motivo para que alguém o fizesse. Seria uma atitude de uma
magnanimidade e também de uma tolice extrema e linda por ambos os motivos.
Gosto de gente magnânima e de gente tola. O difícil é discernir entre um e
outro. Ainda assim, seguindo o exemplo de alguém bem sábio (tinha muito de magnânimo,
mas quase nada de tolo), aprendi a flutuar para não pisar em sonhos alheios,
porque é evidente que seguindo a minha natureza distraída, (seria por distração
e apenas por isso), eu pisoteasse os anseios oníricos de outrem. Na maioria das
vezes não ha recíproca e nesse caso minha outra natureza, a vingativa,
derivaria certo prazer nesse vandalismo psicoemocional.
Disseram-me uma vez que a vida é
só um detalhe. E a ingratidão da minha memória fraca apagou quem mo disse, de
modo que não posso citar a fonte. Sinceramente, a maioria das coisas relevantes
naquilo que aprendi ao longo da vida, aprendi das fontes mais inusitadas e por
isso mesmo difíceis de ser lembradas. Alguém que encontrei numa noite dessas, depois de pegar por acaso,
a curva errada num sonho desgarrado. Minha natureza distraída me fez conhecer
tipos maravilhosos, porque eles quase sempre estão onde ninguém está olhando. E
como são esses “lugares” que sempre atraem o meu olhar, tenho cá esse bônus
derivado do que deveria ser um deficiência. E foi assim que conheci esse que me
sussurrou a irrelevância da vida. Esse alguém não faz questão de ser lembrado e
acredito até que se aborrece quando me lembro dele. Desculpe por isso meu amigo
onírico, seja lá quem ou o que você for.
“A vida é só um detalhe. A chama
fraca de uma vela que o menor sopro pode apagar. Importa mesmo é a luz que se
pode derivar dessa chama, porque quando ela se apaga, a luz continua a brilhar
por muito tempo”. Foi há algum tempo
embora eu não falasse nada na hora, há uns dois janeiros atrás deixei de
estar interessado unicamente na “luz e na virtude”. Escuridão e vício também
fazem parte de nós e quem ignora isso é justamente o tipo que sucumbe a eles com mais freqüência.
Dois janeiros... Se não me trai novamente a memória foi a mesma época em que
apostatei do culto à deusa Felicidade. Tenho mais o que fazer...Cuidar desse
detalhe que é a vida.
Foi mais ou menos isso que me
disseram ou não. Provavelmente eu disse isso a mim mesmo por entre momentos de
pura embriaguês poética, quando meu desejo de que nós sejamos um pouco mais do
que carne, sangue e erros, transborda da taça dos meus devaneios.
Prefiro acreditar que ouvi de outras pessoas,
porque como tenho o habito enervante de
sempre me enganar a respeito de coisas boas, embora eu tenha algumas certezas,
estou seriamente decidido a duvidar de todas elas.
Acho que estou precisando é me alegrar um pouco. O planeta não vai cair
fora da órbita se eu me alegrar um pouco, relaxar os ombros e parar de fingir
que eu sou o Atlas. Eu acho, mas minha megalomania gosta de pensar que sim, que
cairia. Daí, em momentos de mau humor eu gargalharia só por picardia e pelo
prazer sádico de ver o mundo indo pras cucuias! Alguém aí por acaso tem um
pouco de bom senso pra vender? Deixei todo o que tinha nos bolsos de um casaco
que estava usando umas seis ou sete encarnações lá atrás...
Sou mesmo ridículo!
Mas tenho salvação.Três coisas
são capazes ainda de me inebriar e me deixar contente: Vinho (tinto, suave e
bem barato), que me transforma no mais ardoroso e patético dos apaixonados (por
tudo); Passar uma tarde a encher o céu de bolhas de sabão com a minha filha; e poesia,
que é o melhor meio de tradução do
absurdo e da beleza terrível da vida. Que é só um detalhe.
São mais de onze da noite, e das
duas primeiras coisas que me inebriam e me alegram, uma dorme como um
passarinho ( e verdade seja dita, que pensaria do precário juízo do seu velho
pai se este a convidasse a fazer bolhas de sabão a estas horas?). A outra, receio que só tenha
uma garrafa de vinho seco, caro e horrível! Um...presente de grego que preciso
agradecer adequadamente. Vou deixar para temperar carne... A terceira coisa a
me deixar feliz parece ter tirado folga essa semana. E eu nem sabia que versos
tiravam férias...Fazer o quê...? Ces’t La
vie
E a vida é só um detalhe...