Você sabe, chega uma hora que simplesmente não se pode mais
ignorar certas coisas.
Por exemplo, que a dialética só é possível na presença do
Outro. É entediante entabular uma conversação consigo próprio e você...Você já está levemente farto
da própria conversa. E então recita:
Oh, Dio...me duelle tanto!
Quando dão em nada todas as suas tentativas de mergulhar sua angustia no
teatro da vida interpretando solitários papeis coletivos, sorrindo quando queria mesmo
era praguejar; sustentando uma felicidade fingida, tão ilusória quanto o
bálsamo do tempo que já não serve como a prometida panacéia, ou você faz as
pazes com aquilo, ou aquilo te devora.
Imagino que isso seja mais ou menos o equivalente às picadas
diárias de um diabético. Acabamos por nos acostumar à dor e ela se torna tão e uma constante, que apenas em momentos de
pura ausência do Eu (leia-se êxtase etílico) você percebe que ela está lá.
Onde deveria estar a sua completitude.
Mas a rotação da terra te joga para fora da cama todas as
manhãs e a pulsação do mundo não te dá folga ou tempo sequer para respirar,
quanto mais para se lamentar. Você tem que andar mesmo meio morto. Mesmo sem calma,
mesmo sem alma... A falta de sono é sempre uma ótima desculpa para a opacidade
de seu olhar e para a languidez dos seus modos.
Exercite o inerte "músculus sorrisus" do seu rosto.
Esconda a sua tristeza suave como o viciado oculta as marcas do seu
vício.
Ou o baile de máscaras pára e todos se voltam para você zangados porque você interrompeu a dança com a inadequação do seu existir.
Têm horários a cumprir o e trânsito na Cristiano Machado vai
estar tão infernal quanto a noite insone que você teve. E o dia vai se arrastar tão
intragável quanto aquele café frio e apressado que você deixou pela metade
antes de perder mais um ônibus.
Então, enquanto o mundo desaba num dilúvio e você se esforça
para lembrar como são aquelas tardes quentes em que o sol derrama ouro pela
janela e o vento do leste te traz aromas de alturas inacreditáveis, você se
pega a olhar para o nada e sua mente
vazia nota de novo o vazio ali. Dá-se
conta mais uma vez de que algo está faltando no mundo e já tinha prometido ao
menos tentar ignorar essa falta.
Só que é estranho ignorar que apenas metade de
você está realmente em si, que você está
pensando com meio cérebro, respirando com apenas um pulmão e que o Átrio e Ventrículo
que te sobraram meio a esquerda do seu meio peito, já não dão conta de bombear eficientemente o oxigênio para o seu meio
corpo.
Você sufoca pela metade.
Se ao menos não tivesse se desinvestido da capacidade de se
intoxicar de idealismos e ignorar a si mesmo, talvez seu pensamento
ultrapassasse menos o breu daquelas nuvens acima do horizonte e talvez você não
fosse bater às portas daquele mundo além da bruma, atrás de uma paz que não te
pertence.
Deixe doer. Só há dor onde há vida.
É a sua principal referencia... É o que melhor descreve a
sua sensação de estar flutuando na borda de um buraco negro que ameaça, mas
jamais te engole.
Nunca foi difícil lidar com o cinza . São as cores talvez inexistentes com as quais sonham os seus
pensamentos daltônicos, a deixar esse rio de água gelada correndo pelo seu estômago.
E você sendo monocromático, passando a
vida a pensar que deveria ser caleidoscópico, quando o que realmente deveria
ter feito é aprendido a apreciar melhor a coesão do cinza em si. E só depois de
amassar o nariz em muitas portas fechadas e de recolher cacos de sonhos em
sarjetas sujas é que acabou entendendo
que não há almoço grátis e nem atalhos fáceis
na vida.
“...e o Nada é o
vazio que resta! ”
Você o cria sempre que coloca pensamentos importados ou anseios alheios (tudo feito pra você, mas não
por você) no lugar onde a pira do seu Eu deveria arder em chama alta, iluminando a escuridão.
Perto da sua curta adolescência, decidiu não beber (promessa
que tem cumprido mais ou menos displicentemente) e acabou levando essa abstemia para a vida ( e para a sua
tragédia, a esse derivado da promessa tem sido mais fiel do que seria salutar).
O que talvez tenha sido o maior erro de que não vai se
arrepender.