Um amigo já
perdido nos corredores do mundo (espero que ele esteja bem) certa vez fez uma
observação sobre meus poemas que me encheu de satisfação num primeiro momento. Disse-me que eu soava
“meio místico”, e que minha escrita parecia-se com a de Rimbaud (!!!!!!!).
A satisfação
foi pelo “meio místico”, mas senti-me horrível por ser comparado ao genial
Artur Rimbaud, porque confirmei mais uma vez minha antiga suspeita de que todos
os elogios que me fazem são imerecidos (felizmente para mim, quase todos as
críticas que recebo também são). É o mesmo que dizer, por exemplo, que meu Fusca 68 tem tanta
potencia quanto uma Maserati. Caramba!
Rimbaud foi um
verdadeiro e genial poeta, e minha admiração (aguçada pela curiosidade que por
sua vez foi aguçada pelo elogio de um amigo que era um adorável mentiroso)
aumentou na medida em que fui me debruçando sobre seus escritos. Eu nunca
considerei o que faço vez por outra, como“poesia de verdade”, porque segundo me
disseram, poesia tem forma, contexto, conteúdo e o que gosto de rabiscar, são
devaneios sem nenhuma dessas coisas.
Apenas gosto
da auto-definição de poeta, porque ela me permite devanear e fazer pouco ou
nenhum sentido e não ter compromisso algum com a forma. Isso me dá prazer e é uma forma de
arte, eu acho...E me sinto livre pensando artisticamente, embora eu saiba bem
que não produzo arte, ou pelo menos, produzo uma forma de arte que é consumível apenas por mim. Talvez...
Sou uma árvore
produzindo folha e frutos para si própria e se por acaso passarinhos ou
passantes se aproveitam da sombra de seus galhos, bem, não era esse o propósito
original, mas a árvore não se importa. Gosta, até. Eu gosto que alguns gostem
do que eu produzo, mas a realidade, é que eu gosto mais é de produzir...
O
surrealismo de alguns escritos que leio, tem o curioso efeito (também talvez
para mim) de tornar mais real o que é por vezes indistinto em outros estilos. É
a loucura explicando a razão...
Eu
desistiria se tivesse que passar mais de um segundo procurando uma palavra que
rimasse com “amor”, por exemplo, porque tenho cá uma natureza um tanto
melancólica e é certo que a primeira coisa que me ocorreria seria “dor”,
ignorando que o amor não é sempre uma dor e pode muito bem ser um “ardor”. Seria uma poesia desonesta, presa...Sinto-me pobre tendo de rimar... E faria
rimas pobres também. As rimas de Rimbaud, no entanto, conseguem manter a
estranheza necessária para que um poema possa ser considerado “surrealista”, daí eu considerá-lo genial.
Tem forma, mas também tem conteúdo. E lembrei-me dele e do elogio exagerado do
meu amigo perdido em algum lugar da realidade, por causa desse poema que andei
lendo:
Sensation
Par les soirs bleus d'été, j'irai dans les sentiers,
Picoté par les blés, fouler l’herbe menue:
Rêveur, j’en setirai la fraîcheur à mes pieds.
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.
Picoté par les blés, fouler l’herbe menue:
Rêveur, j’en setirai la fraîcheur à mes pieds.
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.
Mais l’amour infini me montera dans l’âme,
Et j’irai loin, bien loin, comme um bohémien,
Par la Nature, – heureux comme avec une femme.
Sensação
Nas tardes de verão, irei pelos vergéis,
Picado pelo trigo, a pisar a erva miúda:
Sonhador, sentirei um frescor sob os pés
E o vento há de banhar-me a cabeça desnuda.
Picado pelo trigo, a pisar a erva miúda:
Sonhador, sentirei um frescor sob os pés
E o vento há de banhar-me a cabeça desnuda.
Mas infinito amor dentro do peito abrigo,
E como um boêmio irei, bem longe pela estrada,
Feliz – qual se levasse uma mulher comigo.
Ah, genial
Arthur Rimbaud...
Eu tenho também um coração vasto como o mundo, mas
não sei rimar. Talvez se eu me chamasse Raimundo...Mas aí, já não seria uma
solução...
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