Belo horizonte é um mundo a cada esquina. Talvez seja a ausência de mar e o fato de a cidade estar cercada por montanhas e serras, que ao mesmo tempo em que limita a percepção do “lá fora” e deixa a cidade com esse ar intimista, também a torna um universo em si. Amplo e repleto de possibilidades, BH é o mundo.
“Não tem mar, mas tem bar”, dizem os boêmios e os bairristas. Não sou nem um nem outro, mas compartilho com ambos o amor por esse meu lar que a cada curva descortina o inusitado.
Subia a Rua da Bahia numa tarde ociosa de quarta-feira. Não me lembro para onde ia. Não me parece, diante do ocaso e do ocorrido, importante lembrar. O movimento da multidão, manada apressada, me desorientou por um momento e me vi diante de uma garota, saída de sei lá que sonho perdido eu tenha deixado morrer no meu travesseiro. Veio andando devagar em minha direção e se aproximando, sem cerimônia ou permissão alguma me beijou.
Estranho? Sim...Quem distribui beijos a estranhos numa esquina perdida?
O inusitado sempre nos deixa inertes e numa cidade grande, ainda que sua casa, onde se sente em segurança, há que se esperar todo dia que algo possa nos ocorrer, desde um assalto a um desastre qualquer. Em nossos dias, o trágico espera em cada beco escuro, nas cidades e nos corredores da mente. Esperamos tudo, mas nunca um beijo dado por alma desconhecida. Não uma caricia no meio da multidão.
Lá veio a garota, encaixando-se ao meu corpo com uma naturalidade que haveria eu de pensar, que já estivemos ambos em muitos outros encontros, em muitos outros beijos ou que nossos corpos hajam sidos moldados um para o outro. Não sabia onde por as mãos, posto que eu era um espectador em Acto alheio, embora fosse o meu corpo e lábios o palco daquela cena. Deixei-as ficar onde estavam; no ar como a minha alma beijada.Teria me confundido com alguém? Acontece no mar de bits e bytes da internet, mas cá na agudes do mundo real sem sutilezas, dificilmente...
Beijou-me com ternura, um beijo suave dado por lábios suaves e, no entanto, caloroso como o corpo que ao meu tocava. Não retribuí. Seria um gesto estranho retribuir um beijo que possivelmente não era a mim endereçado, mas me deixei beijar, porque não havia razão alguma, lógica ou moral para rejeitar um gesto de carinho. De olhos abertos observei os dela fechados e percorri as linhas harmônicas do seu rosto onde uma maquilagem meio borrada dava-lhe a impressão de ser uma obra de arte bem acabada. Talvez me iludisse pelo fato de a estar olhando tão de perto, mas ela pareceu-me uma abstração. Abstrata e linda como um beijo no asfalto dado em um estranho numa tarde estranha.
Pensei em Nelson Rodrigues.
Foi um bom beijo. Em geral, todos os beijos são bons.
Terminado o seu gesto, afastou-se a mocinha deslizando-se do meu corpo tão subitamente quanto veio a ele. Senti frio imediatamente. Meu corpo já havia se acostumado ao calor do dela, num espaço de tempo de uma brevidade que beirava o infinito. Sorriu-me e a esse gesto pude sem embargos da minha lógica agir em retribuição. Sorri de volta e antes que ela se perdesse na multidão de anônimos conhecidos da minha maravilhosa BH de esquinas inusitadas, ainda tive presença de espírito para perguntar algo. O senso me diz que devia perguntar o seu nome, mas ocorreu-me perguntar apenas:
-Por quê?
Ainda sorrindo, ela pareceu pensar por alguns segundos. Ergueu os ombros e virando-se disse:
-Porque eu quis!
E depois de ela ter desaparecido da minha vista e se fixado em minhas lembranças, fiquei ruminando um pensamento que me aflorou quase que como uma revelação;
“Eu quis!”
.
Simples assim e desde então, passei a escusar-me ou a propor-me qualquer coisa baseado nessa filosofia, a saber, o meu Querer e o meu Não-Querer são razões suficientes para que eu faça ou deixe de fazer alguma coisa, com a devida ressalva de que tenho de arcar com o advindo dessa filosofia.
Restos de um pensar que me foi revelado num encontro breve, numa esquina do mundo íntimo da minha BH.
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