Finalmente chove...
O ar está impregnado de umidade, as sarjetas estão quase suportáveis,
o frio obriga todos a se abrigarem e um silêncio pesado se instala no mundo,
quebrado sutilmente pelo gotejar leve das folhas das árvores encharcadas nas
pedras e calçadas...
É realmente um tempo lindo...
Nem mesmo os cães barulhentos dos meus vizinhos parecem
dispostos a fazerem a costumeira algazarra.
Partidário da época de chuva, sou quase levado a crer que
mesmo as taxas de criminalidade diminuem em tempos assim, em que tudo parece se
recolher e as noites parecem mais longas que os dias....
Queria apenas estar de férias, sem tv ou internet, sem
telefones ou compromissos, esquecido de tudo que não fosse o cair hipnotizante
da água do céu, no qual eu poderia passar os dias com a mente longe, perdido em
lugares inacessíveis.
De repente me sinto imobilizado e de tal forma apaixonado
por essa letargia, que me obrigo a levantar de rente a janela e ir fazer
qualquer coisa.
Qualquer inutilidade que me tire desse transe pelo qual
tanto ansiei enquanto pondero se meu desejo de morte se tornou agudo de tal
forma que quase tenho de me lembrar de respirar...
Não, não é melancolia e nem depressão.
Se fosse isso eu saberia reconhecer e haveria certo aconchego
nessas condições, porque são coisas reconhecíveis e mesmo a presença de monstros,
quando familiares, são reconfortantes, porque há nisso um quê de reconhecimento.
Não é tristeza que me faz nutrir esses pensamentos lúgubres,
mas uma paixão estranha pelo que se avizinha, um sentimento de término que
assusta porque está permeado tanto de iminência quanto de incerteza...
Fazem algumas horas desde que comi alguma coisa. A
cabeça e os motivos giram e me sinto subitamente divino.
Hipoglicemia e
solidão são sempre fontes excelentes de ilusões de transcendência...
Um enlevo súbito, um sentimento de me estender ao infinito,
enquanto silenciosamente desmorono para dentro, caindo entre os cacos do que
até segundos atrás foram sentimentos de grandiosidade...
(mas não tem nada nessa geladeira que não esteja vencido ou
com “gosto de geladeira”?)
...
Psicodellias...
Meu blog surreal...
Um voo no meu desamparo e na minha perplexidade por estar
existindo.
Estou aqui há quase oito anos agora e leio em retrospecto
tudo o que já lancei no ar da net e, em coisas antigas, por entre os bytes dessa
tela encontrei motivos de me sentir orgulhoso.
Sem contar o que escrevi muito antes, em outros lugares e
que em minha infantilidade deletei sem cópias, coisas e sentimentos dos quais
eu quis me divorciar e no processo não percebi que joguei muito de mim fora...
Lastimo, mas releio o que ficou.
Vejo a maneira como procurei me ocupar do meu universo
íntimo, desbravando ao longo dos anos o grande mistério de mim mesmo e percebo
a discrepância que fica entre o que sou por dentro (como coisa real, ainda que
tudo seja sonho) e meu Eu menor, com o qual me movo neste mundo.
Porque ainda que me veja muitas vezes transcendente,
pateticamente profético e que me arvore em poesias e trovas - com as quais
assassino a estética e a língua - não ouso mentir a mim mesmo em toda instância
e tenho de reconhecer que no mundo ordinário e vulgar, por entre gente ordinária
e vulgar, sou igualmente ordinário e vulgar, com desejos e aspirações ordinárias
e vulgares.
Um deus tentando controlar os gastos do cartão de crédito...
Ainda está chovendo e vai chover o dia todo.
Chove, está frio e eu aprecio o contraste entre o frio e o
calor da caneca de sopa nos meus dedos e que aos poucos espanta o frio das
minhas veias... Gosto do contraste de tudo, na verdade, porque no contraste
podem bem se confundir o que é pano de fundo do que é tema, a ribalta e a plateia,
a personagem e o enredo e por fim, creio que tudo é mais real quanto mais se
distingue daquilo que o cerca...
Sentei-me de novo e deliciei-me com a chuva.
Tento gravar na memória a mágica do constante cair da água,
porque tempos de seca devem se sobrepor a essa primavera. Me sinto tal qual
essa chuva, sem forma e em queda, vazio como minha casa, perdido e preguiçoso
demais para fazer esforço de me encontrar.
Olho para o vazio (o vazio olha de volta) e para o abismo
além dele sem temor.
Já sei que por preguiça ou por excesso de dignidade, jamais
me ocorrerá atirar-me em seus profundos. Posso, no entanto, ter em perspectiva que
um monstro qualquer se chateie o bastante para achar que valha o esforço de ele
subir à tona e me arrastar para o fundo.
Esse gotejar constante me torna nostálgica, o coração aperta e a sensação de vazio aumenta. Estou esperando pelos dias de sol, antes que toda a minha esperança murche completamente.
ResponderExcluirBeijos, Luiz Carlos!
(O solo negro da floresta é rico em putrefata decomposição. E é do húmus apodrecido da terra que a vida cresce gloriosa" Alan Moore)
ResponderExcluirHelena,
Sempre aproveito essas épocas de recolhimento proporcionada pelas chuvas para um mergulho, para me aprofundar nas raízes e abaixo delas e depois fazer o caminho de volta, pelo tronco e galhos e folhas, rumo ao abraço do sol...
Não sei ao certo o motivo, mas é uma necessidade que desenvolvi ao longo dos anos, uma maneira talvez de permanecer (ou me tornar novamente) eu mesmo na inteireza.
É fácil, ao olhar a beleza das flores e sentir a delícia dos frutos, se esquecer do que sustenta e nutre a árvore. O que é essencial...
Nesse post (e em outros semelhantes), fiz convite a um repouso dos sentidos e a uma imersão aos cantos meio esquecidos de nós mesmos.
Não podemos esquecer. Aproveite a introspecção, tateie em todos os cantos do EU.
Depois faremos o caminho de volta.
Toda vida busca o sol, ainda que necessite de chuva e solo.
E quando você olha pro vazio, ele deixa de estar vazio porque você o preencheu com o seu olhar.
Então é você olhando de volta, se reconhecendo. Existindo um pouco pra você (uma pausa no seu constante existir para os outros, para fora)
Não tema, o sol está acima das nuvens e elas logos se vão.
^^
Obrigado por vir aqui e me enriquecer com sua atenção e com seu comentário.
Bjs!
Opa, opa, opa!
ResponderExcluireu fico um pouco de tempo fora e já estamos falando de desejo de morte?
rapaz, vai se explicando ou vamos ter uma conversinha.
Cara Helena...
ResponderExcluirAs explicações são desnecessárias, pessoa.
Não se preocupe, porque não tenho intenção de morrer (e no entanto, morrerei, tendo vontade ou não, mas isso é só daqui a uns oitocentos anos).
Eu estava mais ou menos pensando em "pulsão de morte". Não sei se Freud é relevante na Antropologia (embora eu realmente não consiga pensar em um só campo do saber onde Freud não seja vital), mas se tiver algum contato com a obra do velho Sigmund, vai entender que pulsão de morte difere tanto de tendência suicida quanto uma cratera de um buraco negro.
(Foi uma péssima comparação, mas não consegui visualizar nada melhor)
É mais como um instinto de quietude, uma busca niilista pelo nada silencioso.
Putz!
Também não é isso! kkkkk
Olha só, fique tranquila.
Talvez eu esteja apenas sendo melodramático.
kkkkk