Meio que tive uma visão por esses dias...
Foi
em um diálogo em que me impacientei comigo mesmo por causa da eloquência raivosa com defendi
um ponto de vista e cansei-me demasiado por estar certo e desejar intimamente
estar errado (ou ter companhia nesse meu “estar certo”) e irritei-me pela
consciência desse desejo.
Foi
então que olhei para o meu futuro.
Pessoas
que tem algum tipo de crença podem dar N-explicações sobre este ou aquele
fenômeno, mas como sou/estou aparentemente desprovido da capacidade de acreditar em
qualquer coisa, sou levado a interpretar diversos eventos a que alguns
chamariam “mediúnicos”, à luz crua do Cid-10 de F00 a F99.
É
provável que seja o meu caso.
Um
tanto mais prematuramente do que eu esperava.
E
seja por uma patologia ou evento místico ou simples lógica advinda da
experiência, foi-me revelado num insight cuja natureza eu me esforçaria em
desvendar se não estive acometido por uma preguiça monumental, que estou em
vias de tornar-me um “velho do fim da rua”.
É
um tipo de personagem muito comum em quase toda comunidade. Trata-se do ermitão
local, velhote excêntrico, rabugento e um tanto rude que habita casa mal
cuidada e suspeita de ser assombrada por todo tipo de aparição. Diz-se que
esses tipos viram porcos na quaresma e lobisomens em sexta-feira santa e mais
outros tantos sortilégios, de modo que são evitados pelas senhoras e crianças
da região e vistos com reserva e certo receio pelos homens.
Essa qualidade de velho bruxo tem sempre um jardim de ervas daninhas, pois em geral odeia
plantas domesticadas, como odeia quase tudo o que é domesticado. Responde com
um resmungo ofendido caso lhe dirijam a palavra e nunca devolve as bolas de
futebol ou pipas que por acaso caiam em seu quintal e, no geral, só recebe
visitas munidas de mandado judicial.
Muito
provavelmente é este o meu destino. É só olhar para trás para ver por onde
tenho andado e por onde ando atualmente para saber para onde meus passos me
levarão.
Listando;
Uma aversão por convívio social que vai se instalando pouco a pouco, uma
impaciência com as contradições humanas que vai se convertendo lentamente em
franca misantropia, um apego cada vez maior por momentos de solidão, uma
antipatia profunda pelo som da minha própria voz (desejo velado por um mutismo
intelectual também) e uma sensação ácida de ter sido estúpido por ter sempre me
pautado por uma questão de Nobless
Obligue, na maioria das vezes em meu próprio prejuízo.
Essas
são mudanças que vão se alojando pouco a pouco, mas das quais tenho cá uma
incômoda e dolorosa percepção. Será que não é possível entrar em decadência sem
ter noção da dita cuja?
Bem,
há dias em que acho que todo o mundo é lindo, que tenho uma compreensão quase
espiritual dos paradoxos da vida, que desejo me expandir e estender-me e
abraçar tudo a minha volta.
Esses
dias têm tornado-se cada vez mais raros...
Há
dias em que acho tudo horrível, que fico atordoado e confuso com toda a lógica
e que fico perdido em meio à ordem e simetria das coisas e que desejo
retrair-me e encolher até desaparecer em espiral para dentro de mim mesmo.
Esses
dias, também têm tornado-se cada vez mais raros...
E
enquanto essa letargia estranha vai se ocupando de transformar meu corpo em
pedra e poeira e minha cabeça em nuvens cinzentas, penso que o fato de aprender
a falar e ouvir ,não melhorou em nada minha capacidade de comunicação com os
seres humanos. Até aí, nada demais. Mesmo que eu compreendesse os mecanismos
que fazem um pássaro voar, estaria preso ao chão do mesmo modo.
Não
preciso ser quiromante ou vidente para saber que isso sem duvida vai me levar a
ser um desses velhos eremitas, habitantes de casa isolada em rua erma que vivem
sós, balbuciando incoerências sábias, cercados de livros e lembranças
encardidas.
O
pensamento não chega a me assustar, (embora não seja um prognóstico animador
para o que eu tenho ambicionado) quando muito me aborrecer , mesmo porque, a
bem da verdade, já sou um ranzinza com quase todo o ônus de um ermitão, sem
necessariamente ter as benesses advindas desse papel.
Eis-me
à beira da estrada, à beira do mundo
Sem
eira e sem alforge.
Trago
um silêncio enfastiado
Ensurdecedor,
no desejo de calar-se com voz.
Trago
somente um olhar para rostos próximos:
Vejo-os léguas além
dos poucos centímetros
que
separam seus olhos dos meus.
Eu,
Aprendiz
das pedras sábias e dos inteligentes regatos
Eu,
Para
quem ladram os cães em noite escura,
Eu,
Que
cheiro o sol e a muitos suores dormidos,
Eu,
Que
sigo a lua e o lobo debaixo da lua,
e
o vento e a folha que o vento sopra...,
De
barba-arbusto no campo selvagem do meu rosto
Trajo
andrajos qual rei vestindo oiros,
Ah,
sendo rico de solidão, sou pobre de tudo, de tudo...
Exceto
de mim mesmo.
Sahge