Pensar dói.
E por causa dessas cefaléias de pensamento, a maioria das
pessoas sabiamente opta cada vez mais por mergulhar suas inquietações nas
percepções sensoriais. Você sabe que faria companhia a elas de bom grado nessa alienação do Eu,
mas tem de lidar com seu inferno íntimo. Seus olhos dizendo que as cores choram
de dia e as trevas entoam aleluias a noite. Sente o sabor azedo do linho em
contato com sua pele e seus ouvidos atestando o tempo todo que tudo o que você
come, tem a cor do desespero.
E você, que nem aspirina toma, parece ter nascido com LSD
nas veias.
Existem aquelas coisas
que você quer e pode compartilhar com aqueles que ama. Geralmente, amenidades,
coisas pouco ou nada perturbadoras que não tiram o sono de ninguém. Outras, em
muito mais densas, você só pode , na falta das bem treinadas orelhas de um Analista,
gritar para dentro de você mesmo e num exercício de imaginação acreditar que
não é o eco reverberando no vazio, mas uma voz interior te respondendo.
E você teima em ser denso num mundo de suavidades.
Daí você se move apenas porque ficou tempo demais na mesma
posição e suas pernas têm cãibras (falta de potássio e perspectivas) Estivesse
sentado numa praça, sua imobilidade confundiria os pombos e você seria obrigado
por uma razão ainda mais desagradável do que cãibras a mover-se. Não há um só lugar neste planeta onde possa
aquietar a sua tranqüila monotonia.
Você só precisa da ferramenta certa para demolir essa
fortaleza onde se encastelou a sua vaidade. Talvez uma pesada marreta de bom
senso com que filosofar a sua solidão. Porque é tão importante ser bem visto
aos olhos alheios quando aos seus próprios olhos você é invisível? E continua
invisível ainda que te vejam com olhos bons ou maus, porque nunca verão além
daquilo que desejam.
Você teima em ser profundo, num mundo de superficialidades.
Compre um livro de auto-ajuda, compre um carro bonito,
consiga títulos e honras, colecione
palavras doces e pensamentos felizes e todo mundo vai te amar. Ou pode
fazer o oposto e vitimizar-se além do humanamente digno e atrair compaixão, que
é a mais ínfima migalha de respeito que lhe podem legar.
Pardais podem viver de migalhas, mas e se você tiver a natureza de uma águia ou de um corvo? Um poleiro seguro e afagos na sua cabeça outrora orgulhosa são um preço justo a se pagar pela perda da sua liberdade?
Sem mais vento no rosto?
Sem mais a alegria louca da queda livre?
Sem mais a divina perdição das almas vadias?
Pardais podem viver de migalhas, mas e se você tiver a natureza de uma águia ou de um corvo? Um poleiro seguro e afagos na sua cabeça outrora orgulhosa são um preço justo a se pagar pela perda da sua liberdade?
Sem mais vento no rosto?
Sem mais a alegria louca da queda livre?
Sem mais a divina perdição das almas vadias?
Livre- o Céu de ver-se repentinamente livre do seu céu!
Alguém passou por você numa esquina na Savassi e te olhou
com um ar atrevido. Sentiu imediatamente o antagonismo e se perguntou em que pesadelo ou sonho, (posto que nunca o
viu cá, deste lado da realidade) aquela
alma contendeu consigo para sustentar assim o seu olhar de desafio em
recíproca. Você gostou dele! Estivessem ambos livre das amarras sociais, teriam
entabulado estranha conversa e é possível que se tivessem atracado em violenta fúria
irracional. E você sente vergonha em admitir que já passou da idade de sentir
vergonha em confessar que teria gostado disso. É o selvagem inerte em si,
latente, domado por mil minúcias mundanas. Tanto quanto as mesmas que debelaram
o espírito do sujeito de quem se sentiu
imediatamente irmanado. Que brutal mundo civilizado esse em que você vive!
E foi engraçado, porque ao vê-lo partir levando em si uma
sufocada antipatia por você, sentiu tornar-se
mais real aos olhos deste estranho que te antipatizou, do que aos da
maioria que lhe demonstram afeto .
Fugindo por entre a selva de concreto e lojas bacaninhas,
esgueirando a sua estranheza por entre carros e pequenas iniqüidades do cenário
urbano, vai...
Celebre a sua singular condição de estranho numa terra
estranha, que é ao mesmo tempo sua casa e sua prisão. Subversão também é isso:
amar em si aquilo que te ensinaram a odiar por razões não suas...