Contaram-me uma história uma vez sobre como se domestica um
elefante. Disseram-me que quando ele é um filhote, colocam uma corrente em suas
patas. Ele luta por muito tempo para romper aquilo e se libertar, mas com o
tempo, acaba por acostumar-se e então, mesmo um elefante adulto de muitas
toneladas, pode ser aprisionado se lhe amarrarem as patas com uma fita de seda.
Vítima de sua própria memória prodigiosa, o elefante nem vai tentar resistir a
sua “corrente”.Fiquei pensando se não nos educam para a vida do mesmo modo e o
que nos tornaríamos se por acaso percebêssemos que todas as correntes estão na
verdade, não nos pulsos e pés, mas em nossa mente. Ah... História chata! Me
contaram outra melhor sobre um menino num planeta.
Era só um pedaço de rocha, não muito maior do que uma casa,
mas para ele era todo um mundo. Vai entender...!
Estava razoavelmente feliz em suas pequenas fronteiras,
assistindo a infinitos pores-do-sol apenas
recuando a cadeira, porque as flores de seu pequeno mundo eram belezas efêmeras que não chegavam a enternecer seu coração. Surgiam de manhã e
sumiam com o primeiro vento da noite, mas esse mesmo vento trouxe um dia, de
algum lugar do céu, a semente de uma rosa. E todas as estrelas se tornaram de
repente enormes e misteriosas e ele,
amando pela primeira vez, soube que nada sabia sobre o amor.
Fugiu de casa
aproveitando os pássaros que se evadiam e dizem que morreu um dia na tentativa
de voltar. É um incerto caminho de volta e nos dilaceram aqueles que o tomam...
...
Foi uma história estranha sobre alguém que precisou sair de um
lugar apenas para saber que era justamente ali que residia seu coração, mas não
posso julgar o protagonista dessa história. Estava apaixonado e não se pode
esperar que alguém nesse estado pense com coerência. Essa é justamente a graça
da coisa! Sei como é... Ou pelo menos, penso que sei.
Alguma coisa como um rio de água gelada correndo por seu
estomago enquanto um vulcão lhe explode o peito e relâmpagos saltam dos seus olhos... E ao mesmo tempo uma
sensação pavorosa de fragilidade, como se seus ossos fossem constituídos de
vidro. Mais ou menos assim. Mas foi a tempo demais e se não se pode confiar nos
pensamentos de um jovem apaixonado, tampouco há de fiar-se na memória de quem
se lembra de eventos que parecem ter acontecido a um milhar de anos.
Também conheço o poder sedutor do abismo te olhando de volta
pelo buraco da fechadura.
Conheço, mas que sei eu de fato?
Que às vezes vão-se os dedos junto aos anéis e isso é muito
triste para quem gosta de apontar estrelas. Que quando um sonho morre (e alguns
precisam se assassinados por que são resilientes demais) outro toma o seu
lugar... Para o sonhador não importa muito, mas...Para onde vão os
sonhos que matamos ao longo da vida?
Em
trinta e sete anos(Uau? Vai tempo aí!), devo ter um pequeno cemitério deles em algum lugar remoto
da memória, talvez, por detrás daquele aglomerado de lembranças que no afã de
viver mais do que eu tinha direito, acabei me esquecendo de esquecer. E talvez
isso explique a constância dos meus adoráveis pesadelos; seriam os fantasmas de
muitos sonhos que assassinei. Meus pequenos abortos oníricos vingativos tentando
me empurrar no precipício da razão.
Cair, é claro, nunca foi um grande problema.
Caem homens, folhas das árvores, caem anjos...Na verdade, a sensação é quase boa! Em
qualquer circunstância, vento no rosto é sempre agradável. O problema é o chão
que teima em subir com violência em direção à fragilidade dos nossos corpos,
pulverizando junto com eles os nossos anseios por todas as formas possíveis de liberdade.
Ele vem velozmente em nossa direção como o futuro que nos atropela com seus
prazos cada vez mais curtos.
Alguém aí por acaso reparou que os dias parecem
ter agora menos minutos disponíveis para
que possamos devanear?
O presente é aquele momento que não tiramos para conferir se
o peão parou ou não de girar.
E o passado? No fim é apenas um amontoado de histórias que
se esgueiram pelos pensamentos, recusando-se a morrer. Como alguns sonhos... Dele,
trazemos apenas umas rugas no sorriso e uma expressão feroz no olhar de quem já
viu muito, expressão que erroneamente denuncia uma raiva inexistente (e nós já
quase temos saudades dos tempos em que a raiva era uma constante em nosso
sangue juvenil).
E nem dá mais para acumular alguma poeira, num desalento
qualquer.
Ficar num canto remoendo amarguras deixa de ser uma opção quando o
mundo gira, as horas passam, o guarda apita, o trânsito anda e você está (de
novo) atrasado para o baile de máscaras do mundo.
Ah e o sujeito que contou a história do pequeno e errante príncipe,
também disse isso:
Não é alcançada a perfeição quando nada mais há a ser
incluído, mas sim quando não há mais o que ser retirado.
Contabilizando tudo
o que nos foi tirado (ou que permitimos que nos tirassem ou aquilo de que nós
mesmos nos privamos), talvez estejamos todos bem mais perto da perfeição do que
supúnhamos. Antoine Exupéry era, como todo louco sonhador, um homem muito
sensato.
Morpheus está morto.
Que iremos sonhar a seguir?
Nenhum comentário:
Postar um comentário