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domingo, 14 de agosto de 2011

Contundência

Muito honrado fui na memória de alguém que, tendo assistido a algumas semanas à uma cena em uma novela, lembrou-se de mim por causa de uma cena em que Osmar Prado cita (ou melhor dizendo, recita) Fernando Pessoa. Tenho eu (que vaidoso sem motivos para sê-lo, no entanto entrego-me a vaidade como a muitos outros defeitos) sérias razões para  crer que foi justamente pela contundência tanto do poema, quanto pelo modo como foi recitado, que esta pessoa lembrou-se de mim, porque ainda não aprendi a por freios nessa coisa demoníaca que tenho entre os dentes. Então, tendo assistido ao vídeo com a cena, resolvi dividir com quem quer que passe por aqui, o meu apreço pela pessoa que lembrou-se de mim, pelo maravilhoso poema do maravilhoso Pessoa e pelo talento de Osmar Prado, com a ressalva de que, inspirado pelo poema,  devo dedicar as suas linhas para:
“Os meus entes queridos, pessoas que me tem agraciado com sua indulgencia e compaixão.
Para os notáveis, honoráveis  deuses de minha vida, a quem tenho dedicado a adoração mais servil.
Aos salvadores de minha alma que tem sempre me trazido à lembrança a mesquinhez de meus atos, a malevolência de minhas motivações, o fato de que como carne e não reciclo o lixo; Que sempre torço pelos vilões, pelos feios, pelos rudes e pelos marginais apartados da beleza e da virtude humana.
Que sou má influencia para os inocentes e um estorvo para os sábios...
Dedico aos os que sempre observam que dou mau exemplo às crianças e que tenho muitas vezes desalentado os velhos e que me trazem a memória o fato de que, sóbrio, sou inconveniente e ébrio, intoleravelmente tolo .
Aos que me recordam sempre que  assim como todos os meus heróis e patronos, morrerei louco, bêbado, abandonado, entregue ao opróbrio e condenado ao inferno.
Aos meus estimados entes queridos cuja memória prodigiosa guarda e remete sempre às besteiras que tenho dito ao longo dos inúmeros porres, mais de sonhos que de álcool e que fazem questão de no ensejo de levarem-me a redenção, torcerem o dedo em minhas feridas.
Àqueles cuja inteligência férrea afia e manifesta a minha tolice
Aos meus bons patrícios e amáveis companheiros, cujo bom exemplo e bom-mocismo me tem tanto inspirado à mudança, quanto me desiludido na impossibilidade de me ver capaz de vôos tão altivos quanto as suas almas puras.
A estes dedico o excelente Poema em Linha reta, do maravilhoso Fernando Pessoa, na interpretação sublime de Osmar Prado".


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

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