Isso ia soar bem esquisito.
Fazer uma apresentação de mim (exigência para
participar de um site de literatura), como se eu fosse ao mesmo tempo um ponto e
guia turístico e tivesse de alistar dentre as minhas características algo que
valesse a pena uma visita. Lamentavelmente, sou uma criatura bastante vulgar,
no que tange a aparência física. Acho esquisitíssimo tirar e exibir fotografias
de mim, como se a minha cara fosse algum tipo de obra de arte que valesse a
pena ter na parede. Então, receio que quem me visite não vá ter um cartão postal
decente que enviar para os conterrâneos. Quero dizer, a estética que se dane,
porque eu já me irrito com o trabalho de ter de escolher dentre as roupas que
sou obrigado a comprar alguma que seja sóbria o bastante para que eu passe
despercebido e ou não assuste as velhinhas no ponto de ônibus a noite como a
promessa de um possível assalto ou coisa que o valha e nem dê a impressão de
que acabei de sair de um bloco carnavalesco.
Então, fotos em sites, nem pensar!
Porque diabos eu vou dar as pessoas que me
visitam o desprazer que me acomete todos os dias pela manhã ao olhar para a
minha cara cansada?
Toda vez que faço a barba e tenho de suportar o
espelho olhando de volta, olho e penso se a imagem daqueles olhos vermelhos e
nariz pontudo ficariam bem numa parede qualquer de uma galeria de arte. O
pensamento só não me faz rir porque pela manhã meu humor não está dos melhores,
coisa que me torna ainda menos atraente ao olhar...
E olha que nem me considero realmente
"feio", mas é que essa pele que uso para me movimentar neste mundo
não me parece que deva ser o aspecto que eu vá valorizar em detrimento de
outros. Sempre tem um cara mais bonito, mais "fodão", mais
forte, mais rico, mais o diabo, então, que se dane isso que daqui ha uns anos vai
ser só poeira numa cova qualquer...
As pessoas geralmente quando se apresentam
adotam uma postura bastante estranha, descrevendo defeitos como qualidades,
passando-se por temíveis, atraentes ou mais agressivas do que na verdade
são.
Mulheres fatais super-fêmeas, ultraseguras e
coquetes até a ponta dos dedos ou o irritante oposto - mocinha-donzela-a-espera-de-uma-porcaria-de-príncipe-que-lhe-vá-salvar-de-sei-lá-o-quê.
Homens super-amantes, dotados de
capacidades sexuais dignas de um fauno (aqueles falastrões do tipo, “se te pego
de te viro do avesso...”), ou a-porcaria-de-príncipe-de-mentira-que-a-mocinha-das-linhas-de-cima-espera.
Afinal "onde é que há gente no mundo?"
Não neste em que vivemos, isso é certo...
Um mundo maravilhoso de clichês, de gente
clichê, de pensamentos prontos e ou previsivelmente suaves ou previsivelmente
agressivos, ou previsivelmente previsíveis...
Existe sempre "a coisa certa" a ser
dita.
Diga, e todos vão amar a pessoa "maravilhosa" que você é.
O fato de "a coisa certa" quase nunca
ser verdade ou coisa sincera é de somenos importância.
O que importa é que te amem na mentira, que
talvez (se você para pra pensar) seja tão pesado quanto ser
odiado na verdade.
Mas todo mundo se protege do desamor dos
outros...
Uns exageram suas “qualidades” mais
desimportantes e outros o fazem com os defeitos de mesma ordem. Já vi gente,
(muita gente aliás) se dizendo “louca” (como se isso fosse alguma vantagem,
como como se alguém que fosse realmente 'louco' se visse como tal e não visse
no inverso, que louco é o mundo).
Na maioria das vezes essas pessoas
unicamente se valiam da suposição de sua loucura para acobertar uma estranheza
(que contraditoriamente é bem normalzinha, por que da pele pra fora todos no
mundo nos são estranhos), como desculpa para sua inconstância, para não
formarem laços (como se apenas eles ansiassem por uma vida não- simbiótica),
para justificar as feridas que sua singularidade causa naqueles que os amam
(como fosse possível viver sem ferir os outros).
Os falsos humildes são ainda piores do que os
assumidamente arrogantes, com a diferença que estes últimos são
engraçadíssimos, enquanto os primeiros são maçantes ao cubo!
Eu penso que ninguém se apresenta como um ser
humano, simples, inconstante, cheio de medo e de duvidas simplesmente porque
ninguém nos ensina a ser gente, (humana e falível gente) e de outra parte,
somos ensinados a nunca pôr a nu diante dos nossos irmãos da confraria humana,
que somos tal como eles. Mesmo porque, as pessoas em geral se sentem
desconfortáveis quando alguém se atreve a lhe lançar consciência adentro o peso
de sua humanidade como um espelho, onde podem mirar a própria.
Então, por consideração aos vossos brios,
permitam-me que me apresente adequadamente...
Eu sou uma semi-divindade, cavalheiros!
Eu sou um homem maravilhoso, virtuoso, forte,
inteligente, cheio de convicção e portador de uma força e fé inabaláveis.
Nunca oscilo, nunca tenho um momento de dúvida e
não sei o que é fragilidade.
Do mesmíssimo modo que todos vocês, aliás...
Só falo um pouquinho de mentira.
E infelizmente, me falta a mágica capacidade de
acreditar nelas.
Nutro em secreto a ambição de um dia acreditar,
nas minhas e nas vossas...
Mas eu ainda não tive uma só ambição que não me
saísse pela culatra.
Algumas vezes, naquelas horas em que uma
sensação tão castanha quanto a minha pele se apossa de mim, fico me perguntando
se há algo mais digno de ser ambicionado do que ser simplesmente um ser humano,
para fora de qualquer rótulo.
A verdade é que talvez não existam verdades, a
não ser a verdade do pó, das coisas ínfimas que no conjunto aparentam as coisas
grandiosa em que nossa vaidade se aferra...
Mas tudo se constitui de fina poeira que o vento
leva e a mim parece que um homem só tolera a ideia de ser humano porque nesta
ideia está implícita a sedutora ideia de ser o embrião de um deus.