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terça-feira, 31 de maio de 2011

Sonhos subversivos






Tive um sonho estranho e isso é uma redundância, é claro... Nenhuma novidade nisso. Todos os sonhos são estranhos. Os meus pelo menos são. Não faz muito tempo voltei a ter sonhos desconexos, porque durante muito tempo tive apenas o que chamamos de “sonhos lúcidos”, ou seja, eu sempre (ou quase sempre)  sabia que estava sonhando. Na verdade, segundo me disseram, eu também tinha sonhos desconexos, mas a lembrança dos sonhos lúcidos suplantava a destes em importância e eu não me recordava que os tivesse tido.  Agora que penso entender um pouco mais sobre sonhos, fico imaginando os desdobramentos psicológicos de ter sonhos assim... Não sei que mecanismo voluntário ou involuntário fez com que eu voltasse a ter sonhos “normais” com maior freqüência (supondo-se que exista coisa como  sonhos normais), mas por sugestão de um amigo acadêmico, comecei a anotar meus sonhos e talvez isso tenha influenciado.


Tarefa chata e difícil no começo, mas depois de um tempo, consegui lembrar-me razoavelmente bem dos meus sonhos. E persistir em anotar aprimorou minha habilidade de lembrar-me não apenas do enredo do sonho mas também da emoção que sinto ao sonhar.

O desta ultima noite foi particularmente estranho. Sonhei que estava fumando um cigarro.  Nada extraordinário, eu sei, mas o fato é que eu não fumo. Nunca fumei. Mas me recordo de que no sonho, estava com um tipo de cigarro aromático, com uma textura nacarada na fumaça azulada que me lembrava um misto de canela e erva cidreira. Recordo-me do prazer descomunal  que eu sentia ao fumar o tal cigarro, da sensação aveludada da fumaça no céu da boca ( e olhando por esse lado, talvez não fosse bem um cigarro, mas nesse caso eu dificilmente saberia dizer quer em sonho, quer desperto, a diferença entre um “careta” e um “cigarrinho do capeta”, supondo-se que tais nomenclaturas ainda sejam usadas). Eu observava o azul da fumaça subir e formar desenhos que espiralavam no ar  e depois desapareciam no vento...


Quando acordei fiquei algum tempo pensando que  talvez eu devesse ter fumado na adolescência como quase todos os meus amigos. Eu provavelmente diminuiria a minha expectativa de vida em uns trinta anos ou mais (como se minha vida não pudesse ser interrompida a qualquer momento por uma fatalidade  ou uma estupidez minha ou de outros...!) e teria gastado em cigarros dinheiro suficiente para, se reunido, pagar  uma viagem de volta ao mundo num camarote vip do “Queen Mary” (Pelo menos é o que dizem aquelas senhoras veneráveis que tudo sabem e sobre tudo opinam: as Estatísticas). Ter fumado na adolescência teria sido burrice, mas talvez fosse melhor ter mais cicatrizes no corpo do que no espírito, sei lá...
 


Não, eu nunca fumei e nem deveria ter fumado. Sei reconhecer quando tento me iludir com falsos raciocínios... Não lamento o fato de nunca ter experimentado o prazer de uma “pitadinha” porque depois de ver tanta gente quase ter um troço por ter de ficar algumas horas sem queimar um dia de vida (três, segundo as mesma sábias senhoras Estatísticas, mas acho um exagero) na ponta de um cigarro, dá-me calafrios imaginar que eu pudesse ficar refém de uma coisa cujo custo não compensa o benefício.


 
Mas se eu tivesse fumado na adolescência e ainda fumasse,  não me sentiria tão injustiçado pelo fato de meu irmão fumar desde os quatorze anos (tem trinta e três agora) e ter os dentes brancos como porcelana nova e eu, que nunca fumei porcaria nenhuma ter os meus amarelados como os de um fumante inveterado (excesso de antibióticos na gestação, segundo aquelas senhoras).  Não me parece justo ter o ônus sem ter o bônus, supondo-se que haja mesmo algum bônus em fumar. Droga de vida injusta! E droga de mania de reclamar da droga da vida!
 


A vida não é justa e quem me disser o contrário, ou é mal informado ou mal informado!

Não sei por que diabos o prazer de fumar um cigarro (careta ou do capeta), coisa que nunca experimentei acabou por se imiscuir nos meus já tão complicados sonhos, mas quando penso no gesto de fumar, penso em subversividade. Garoto da minha geração que fosse pego com um cigarro, pagava com o couro por aquele ato (como eu já disse antes, eram tempos duros aqueles).

Ainda não avancei o suficiente no estudo da psicanálise para atrever-me a fazer mesmo uma pálida tentativa de interpretação dos meus sonhos. Mas se eu fizesse uma “psicanálise selvagem”, eu diria que  ou tenho medo ou desejo de soltar algumas amarras, mentais ou morais, sei lá, e cometer algum desatino .

Talvez algo legalmente inócuo, mas moralmente condenável, como deixar os cabelos crescerem e formarem dreadlokcs (ainda vou fazer isso, nem que seja octogenário!!!!) ou fazer uma tatuagem e ir morar na praia, vivendo de vender bugigangas aos turistas e ser feliz como um condenado... Já ameacei parentes e amigos com coisas assim, mas sei lá porque, me parece que iriam preferir que eu fumasse a me verem tomar um rumo na vida que não fosse previsível, de acordo com a moral, os bons costumes e a porcaria de “modo de vida americano”. Parece que ser feliz  é menos aceitável socialmente do que o prazer subversivo do fumo...
 


Acho que meu inconsciente quer me dar um pito, como se dissesse em sonho que quem quer, não ameaça, não pede e nem espera permissão alheia para ser ou fazer o que quer. Simplesmente faz e depois se acerta com as conseqüências benéficas ou onerosas de seus atos...

Recado anotado, inconsciente! Assim que eu conseguir convencer as outras instâncias de mim mesmo, volte aqui e falaremos sobre dreadlocks e tatuagens.


 

Neve e Trigo




Da neve branca e farta bloqueando caminhos, rompem brotos verdes rumo ao céu;
Mas o frio expulsou-me da janela um pouco antes do cair da noite e meus olhos perderam o lento e belo fim do inverno. Minha lareira quase se apagou e eu precisei reavivar as chamas. Invejo a força das plantas sob o gelo, mas compartilho com elas seu amor ao sol.  Ergo meus braços a ele numa oração lenta algumas vezes, mas como toda divindade que se preze, o sol Ignora solenemente os meus rogos.


Minha casa é repleta de fantasmas, bem o sabes... E tua forma vem preenchê-la sempre de alegria, espantando as sombras, quando, exausta de viagens e farta de estradas, apetece-te passar algumas horas comigo à lareira. Então mesmo desperto, conheço um pouco do que é felicidade.

Haverá por certo pousos melhores que este, em lugares mais ridentes e paragens com mais cores, jardins bem cuidados e frescos campos gramados, terras amenas de vento suave... Mas nenhum que vá amar-te tanto,  mesmo a sombra do teu vôo quando partes, nenhum que deseje tanto o teu pouso esporádico, quanto a minha casa. Nenhum que reconheça suas plumas numa multidão de outras asas, anjo infinito de cabelos ao vento... E eu ainda serei o teu lar, porque só podes repousar em mim.

Se o mesmo vento soprar a apagar minhas velas... E olhando em volta ver que junto com minhas chamas, levou o vento suas asas diáfanas... Bem, a alegria por vezes dura um instante apenas, mas é um instante imbuído de eternidade. Haverei de passar a vida esperando esses instantes em que eu sou eterno...


E ainda que eu não coma pão, ganho por causa dos campos de trigo e sentirei o  cheiro dos teus cabelos no ouro dos raios do sol.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Sobre uma frase em que esbarrei numa viela de BH


Erros de interpretação podem ser um desastre. Postei uma frase um tempo (salvo engano, em outro blog) atrás que dizia que “viver cautelosamente pode ser perigoso”. É uma ótima frase, pichada numa viela perto de um viaduto por onde passo todos os dias a caminho de casa. Não é difícil imaginar o que passava na cabeça do sujeito que a pichou. Gosto daquele lugar. É um local semi-abandonado pela prefeitura, onde artistas de rua e outros "subversivos" fazem suas intervenções como grafites, shows de rock debaixo do viaduto, distribuição de abraços,  manifestaçoes políticas e afins. Como é um local onde os moradores de rua costumam dormir, de vez em quando membros de uma igreja distribuem sopa e orações, tentando salvar a alma enquanto também cuidam também do corpo. Eu poderia arrazoar friamente que se trata de mais uma tentativa de arrebanhar alguns “cristãos de arroz”, mas isso seria conversa de alguém que contribui muito pouco para salvar corpo ou alma daquela massa de deserdados a margem da sociedade.

Enfim...

Voltando a frase, sempre que penso nela percebo o quanto sou medroso em relação a coisas nas quais eu deveria mesmo arriscar e me conforta o pensamento, talvez errôneo, de que a  maioria das pessoas se comporta do mesmo modo. Viver é risco, e sem risco, sem vida. O grande problema, é que algumas em coisas se pode arriscar porque  algumas perdas são facilmente reparáveis. Vem fácil, vai fácil. Simples assim. Mas naquelas situações onde o que está em jogo é-nos muito caro, a hesitação é uma constante e podemos perder o que tentamos manter justamente pela hesitação. É o inferno decidir o que fazer em seguida para não quebrar um vinculo, não desperdiçar uma chance, não falar a coisa errada e por ai vai. Isso é cautela.
Situação análoga a de um ornitólogo que a vida inteira procurou por um pássaro tão raro quanto esquivo e no dia em que finalmente o encontra, fica tão ansioso por fotografá-lo, que acaba espantando-o para longe antes de poder fazê-lo. Nesse caso é a precipitação que leva embora o que é preciso, mas não sei por que, eu acho preferível errar por excesso do que por falta de ação.

Estou divagando...A verdade é que hoje estou disposto a evitar o perigo de uma vida cautelosa. Mandei ao diabo toda a prudência e me sinto feliz sem sequer saber se tenho o direito a tal felicidade. Possivelmente, amanhã descubro que me precipitei, que cometi um erro de julgamento, mas isso é amanhã e TALVEZ . 
Hoje, roubo um pouquinho de alegria desse universo maluco porque o amanhã...Bem, o "amanhã trará suas próprias ansiedades" e haveremos de ver o que a maré trará ou levará para o oceanos da vida...
Nas palavras de Lou Salomé, Senhores;

Ouse, ouse... ouse tudo!!! Não tenha necessidade de nada! Não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. Acredite: a vida lhe dará poucos presentes.

Se você quer uma vida, aprenda... a roubá-la! Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer. Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso: algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!!!

domingo, 22 de maio de 2011

Linhas Breves


Porque é tenue a linha separando o beato do boêmio,
E seja por fé ou embriagues,
Não lhes pesa a realidade...
Morrem jovens, mesmo em franca senilidade,
Mesmo fartos de dias e cercados de netos,
Quando morrem sozinhos, tal como a este mundo vêm...

Escrever ou Calar




Escrever é uma  aventura para a qual cada vez menos me falta coragem (leia-se entusiasmo). Prefiro cada vez mais deslizar pelos pensamentos de outros e  calar a voz da minha duvida nas certezas agudas que as pessoas parecem ter em tudo, mesmo não podendo compartilhar de tais certezas. Isso me parece altamente sintomático...Quando eu escrevia para os outros, até que me virava bem, porque aí eu estava comprometido com o que iam pensar aqueles que me lessem e rebuscava um parágrafo, trocava um verbo, esmerava-me na retórica para que o discurso ficasse bom de ser lido, para que as pessoas pudessem com algum esforço auferir um prazer objetivo em ler-me como uma justa paga ao prazer subjetivo que eu tenho em lê-las.
 Lembro de Lispector dizendo como se sentia livre por não ser uma escritora profissional e experimento uma sensação de acides no espírito, porque agora que encasquetei de escrever para mim ( mesmo que seja para, como freqüentemente acontece, voltar a estes escritos depois de algum tempo e pensar “meu deus! Onde eu estava com a cabeça quando escrevi isso!?”), experimento o oposto embora eu nunca tenha tido a pretensão de ser  um “escritor” ainda mais profissional. Mas  me ocorre que estou sentindo uma obrigação inquietante não mais para com a forma, mas para com o conteúdo do que escrevo aqui. Sempre me pego na metade de um parágrafo paralisado, inerte pela súbita constatação de que não sei do que estou digitando. Sabia quando iniciei, mas agora fiquei na dúvida.  Talvez seja por fim um progresso na evolução do meu pensamento ou talvez um retrocesso, porque aquilo que levava meses ou anos para me despertar uma suspeita de inautenticidade intelectual, agora se me apresenta imediatamente após eu ter formulado um pensamento.
E eu poderia parar este mesmo post por aqui mesmo, em conformidade com esse meu constante estado de percepção da minha ignorância (que nada tem a ver com a famosa ignorância socrática. Não é uma ignorância ad valorem, mas de facto.), mas aí me sinto confortável, porque se tem uma coisa da qual estou certo, portanto habilitado para falar honestamente, é da minha ignorância.  Acontece que quando começa-se a questionar os motivos que influenciaram toda a sua educação cultural, os motivos reais por detrás da retórica vazia do ideal, percebe-se que a vida se parece em muito com um cenário mal feito de uma peça em que todos tem o seu papel  e mesmo desconfortáveis acabam cumprindo-os.  Então, despossuindo-me da autoridade de falar como alguém que sabe, conto com a indulgencia daqueles que me honram com sua visita, se eu soar por vezes ambíguo e levantar mais duvidas do que fazer afirmações. É apenas a minha maneira de ser honesto intelectualmente, uma busca por coesão de pensamentos. Isso é a minha vocação de agente do caos...
 Devíamos mesmo processar a Disney  e Holiwood por “estelionato ideológico-emocional”. Eu me empenharia nisso e caso alguém aí quiser entrar como litisconsórcio comigo, mande-me um email. Haveremos de fazer barulho e arrancar alguns dólares de Mickey e Cia, por terem ao longo de uma vida inteira nos iludido com um “ e viveram felizes para sempre, que não encontramos nunca num correspondente do mundo real. Mas claro, posso estar errado nisso também e falando movido unicamente por um momento em que todas as coisas pelas quais nos esfolamos parecem encolher e mirrar em importância...

Jack e Hyde - Um Encontro no Porto


Aviso. Minha narrativa não é boa e eu nunca me aventurei a escrever contos para que outros lessem porque tenho algum bom senso. Mas não o tive em dose o suficiente para evitar dizer a um amigo que havia escrito um e também não o tive para evitar prometer a esse amigo que ia postar no blog. Enfim, aqui está meu caro Gladstone.

Fantasmagórico seria uma definição suave para o porto da velha Londres. Apesar de ser  A Civilização, em pleno século 19 a capital do império não diferia da mais remota selva dos confins da terra. Ambiente dividido entre predadores vorazes e presas incautas, coisas obscuras se arrastavam no porto da Velha Londres... Coisas malignas sedentas do dinheiro, do sangue  e medo alheio.  Punguistas, prostitutas e velhos marujos bêbados de mar e rum ordinário, esgueiravam-se por entre a bruma; mas qualquer um que olhasse, diria que além da lua espectral em viagem pelo céu sombrio, nada se movia pelas ruas escuras.
Eram tempos ruins aqueles... Ruins numa época que já não era boa para os desavisados que perambulavam à noite.
Isso não parecia de modo algum perturbar aquele respeitável cavalheiro que, munido de bengala e cartola, respirava satisfeito o ar frio e nevoento. A sua figura era bem conhecida nas melhores casas, nos círculos da baixa e média nobreza. Sua respeitabilidade era notória em todos os ambientes bem freqüentados, o que não o impedia de, como todo predador noturno, esconder debaixo de uma capa pesada a figura de bom cidadão, deixando circular pela noite de Londres, o feroz assassino conhecido pela alcunha de “Jack, o Estripador”.  Jack estava felicíssimo. Demorariam para encontrar o corpo e ele poderia acompanhar nos periódicos o pânico da sociedade londrina e o constrangimento de sua ineficiente policia. Procuraria pessoalmente o chefe de policia e exigiria, como lhe cabia como cidadão e nobre, a imediata prisão do criminoso que assolava Whitechapel  e agora atacava o porto.
Enquanto placidamente batia a ponta metálica da bengala nas pedras gastas do calçamento sujo, “Jack” relembrava os  mágicos e últimos momentos da “mundana” cujo corpo deixara nas pedras do porto e pensava em como era bom estar vivo. A vida era boa e “Jack” estava feliz...

Na direção oposta, cabriolando alegremente nas poças enlameadas, vinha um satisfeito Mister Hyde. A noite havia sido boa também para ele e enquanto nas profundezas de sua mente vil um perplexo Henry Jekyll  se angustiava, Hyde cantarolava uma canção obscena que aprendera com os marujos do pub, enquanto seguia sob a lua fria de outono. Um festim dos demônios alegrava sua memória... Lembranças doces de um espancamento no pub, um jogo de gamão trapaceado e uma orgia numa casa mal freqüentada em rua escura. Depois, quando a noite ainda era uma jovem cheia de promessas, um trabalhador do porto que levava para casa suas costas alquebradas de cansaço, teve o azar de encontrar Hyde, que justamente nessa noite resolveu atender a um capricho de seu desejo. Haveria um pai de família a menos em casa hoje e um estivador a menos no porto pela manhã. Hyde não ligava, é claro. Matou um inocente e havia gostado. Experimentara sangue e estava inebriado de alegria por tê-lo feito. No bolso da longa capa levava a pequena barra de ferro que usou para quebrar, primeiro o espírito, depois os ossos do estivador. E gargalhava ao imaginar o que pensaria o bom e gentil Dr. Jekyll quando encontrasse pela manhã aquela “prenda” nos bolsos, coberta de sangue e de memórias!  Ah, certamente o bom doutor encontraria dentre os muitos subterfúgios que usava para justificar as razões que o levavam a tomar sua fórmula, um que apaziguasse sua mente culpada pelas atrocidades cometidas por seu alter ego.
E vinham, Hyde pensando com alegria no tormento do doutor e “Jack” sentindo um êxtase quase místico por ter dado vazão a sua necessidade macabra,  e tão concentrados estavam em seu deleite assassino, que só deram pela presença um do outro quando estavam a apenas alguns metros de distância.
O primeiro impulso de “Jack” foi o de se esconder nas sombras... Apenas bandidos circulavam pelo porto àquelas horas, ou na pior das hipóteses, policiais e era esse ultimo tipo justamente o que o respeitável cidadão não gostaria de encontrar. Hyde não se importava em absoluto com o que ou quem viesse pela frente, conquanto pudesse auferir disso algum prazer sádico e manteve o passo firme, enquanto seus dedos agarravam a pequena barra de ferro. “Jack” não tendo tempo de ocultar-se, manteve o mesmo passo, tendo, entretanto o cuidado de abaixar a cartola e subir a gola da capa, de modo a ocultar como pudesse seu rosto. Assaltante ou policial, o homem que caminhava em sua direção parecia estar só e embora a presa principal de “Jack” fosse outra, qualquer um que tentasse opor-se a ele em noite fria e cais deserto, haveria de descobrir como era hábil com uma navalha. Pensou melhor sobre a questão. “Não! Não a navalha!” Aquele era seu instrumento predileto, com o qual mandava para o outro mundo suas presas selecionadas... Não haveria de aviltar sua navalha com o sangue de um homem! Mas sua bengala era  revestida de ferro polido  e ele era um homem de compleição forte. Teria de servir-se dela para despachar ao inferno o seu antagonista.
O passo firme do outro de modo algum fez com que Hyde hesitasse. Na verdade, apetecia-lhe lidar com um valente! Um predador digno não se satisfaria nunca com uma presa passiva. Que resistisse então! Ao contrário do que o senso viria a dizer muito mais tarde quando o caso do “médico e o Monstro” viesse a público, Hyde era de compleição franzina e pálida, o que a exceção dos seus olhos, lhe dava uma aparência inofensiva e por isso muitos o subestimavam. Hyde sabia tirar partido desse engano e essa noite não seria diferente.
Parando frente a frente, fera e fera se encararam e imediatamente souberam que alguma coisa estava muito errada. Não havia presas no porto naquele momento, mas apenas predadores perplexos por encontrar um semelhante.
A despeito do tamanho mirrado do outro, “JacK” já não estava tão seguro de sua capacidade física, nem com a bengala de ferro e nem com a navalha. Sentia um odor almiscarado exalando do outro e seus olhos encontraram no olhar do outro, uma ferocidade que só em pesadelos imaginara existir numa criatura humana. Hyde por seu turno, afrouxou os dedos da barra de ferro e transpirava inquieto, sem saber o porquê de um homem, menos corpulento do que o outro que matara a menos de uma hora, lhe causar um mal estar tão grande. Jack tinha olhos de frio metal,  raiados com relâmpagos de sangue...O outro os possuía amarelados, embebidos num brilho de selvageria irracional. Seu encontro foi de uma brevidade que tomariam como um sonho negro.  Suor escorria pelas costas de Hyde, enquanto “Jack” retesava seus músculos em alerta.  A avaliação que fizeram um do outro foi breve, mas reveladora o bastante  para que ambos soubessem que numa luta, nenhum deles sairia vencedor
 Como numa coreografia ensaiada, ambos deram um passo para trás. A pugna estava decidida. Antes de partirem, “Jack” tocou levemente a aba de sua cartola numa mesura cavalheiresca, ao que Hyde respondeu com uma risada nervosa. Fizeram a volta pelo caminho que vieram e embora todos os demônios do pavor lhes recomendassem que deviam correr, nenhum deles o fez. Andando vagarosamente, desapareceram na neblina sem olhar para trás.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Dor de Cabeça


Estou com dor de cabeça. Fiquei assim o dia todo e a julgar pelo andar da carruagem, ela vai persistir madrugada adentro.
Se for parar para pensar, até que é uma coisa boa ter uma dor de cabeça. Porque os engraçadinhos têm certa razão e da dor concluo que eu TENHO uma cabeça que dói, ou seja, a dor não é a única coisa que tenho. Parece bobagem e talvez seja mesmo, mas é também um pensamento otimista se for comparado com a triste constatação de que por vezes, a dor é a única coisa que te lembra que você ainda tem algo ou que está vivo. A hora em que a dor cessa, já não há mais esperança para o moribundo. Viva a dor de cabeça! :)
Essa ambivalência dos sentidos é que torna a vida complicada e um complicador às vezes. Tem que diga que a vida é um  “eterno desejo a se realizar”. Outros falam em “viver intensamente”. Quero, com honestidade compreender e não apenas fingir, como freqüentemente fazem os propagadores entusiastas dessas idéias, o que é realmente “viver com intensidade”.

Desejo a se realizar... Do modo como a coisa é posta, parece então que viver é buscar algo com afinco e se eu busco, logo vivo. O quão intensamente, creio, seja uma questão de quanto eu alcanço nessa busca. Talvez fosse mais fácil se eu buscasse coisas materiais, digamos, dinheiro, para simplificar as coisas. Talvez fosse possível viver com alguma intensidade, porque consigo imaginar uns mil e seis modos de se conseguir dinheiro. Essa minha atitude um tanto desapegada das coisas materiais não é sensata, porque vez por outra tenho de recorrer a cartão de credito ou cheque especial para comprar um livro ou pagar alguma conta de ultima hora. Azar meu!
Mas me consola saber que por mais dinheiro que eu ganhasse, tanto mais gastaria e nunca seria o bastante para que eu parasse de desejar as coisas. E nas raras ocasiões em que sei lá como, consigo por a mão numa quantia razoável, a intensidade da vida vivida dura tanto quanto durar o dinheiro e como o preço das coisas anda nas alturas, viver com intensidade tem se tornado cada vez mais caro, portanto, mais breve. E o que eu disse sobre dinheiro vale para todas as buscas materiais: São coisas que valem e não valem a penas buscar, porque são coisas que se perdem fácil demais.
Daí, não sei quando, encasquetei de viver intensamente através de uma busca alucinada por compreensão. E antes que alguém pense que a busca por conhecimento seja algo nobre ou virtuoso, me deixe avisar que no meu modo de pensar, conhecer uma coisa é dominar essa coisa, logo, a busca por conhecimento é na verdade uma busca por poder.
O problema é que há aqui também uma ambivalência do sentido, porque quanto mais aprendo, junto à boa sensação de poder oriunda do conhecimento adquirido, rasteja uma compreensão dolorosa do quanto ignoro. Quero dizer, aprendi algo que há um minuto não sabia e percebo que há muito e muito e muito que eu não sei e o fato de ter a minha frente uns 30 ou no máximo 35 anos de vida, percebo que não disponho de minutos o suficiente para compreender sequer a mínima parte daquilo que não sei. Ignorância ampliada pela compreensão.
É um tipo de dor de cabeça intelectual e enquanto penso nisso e a noite avança junto com a dor de cabeça, procuro o ultimo dipirona na mochila, enquanto considero seriamente se não seria melhor abandonar essas ponderações e me empenhar em dar umas irmãs de 50 e 100 para as minhas ultimas notas de 5 e 10 reais...
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