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sexta-feira, 20 de abril de 2018

Outra nota sobre a coragem...


Em uma postagem anterior,  falei sobre coragem, como um dom a ser perseguido.

E em outra, não sei se nesse blog ou em espaço perdido nas minhas antigas e perdidas veredas da net eu raciologiquei que coragem não é a ausência de medo. Ausência de medo é burrice, se não for patologia.
Coragem, é ter medo e, não obstante, enfrentá-lo.
É o kamikazi caindo voluntariamente do céu, é o guerreiro sozinho com uma espada se lançando contra um mar de escudos e lanças, é a mãe se jogando sobre o filho para protegê-lo das balas, é o rato acuado brigando como um leão.

É arriscar e talvez morrer por algo maior do que a si próprio.

Talvez seja uma coisa difícil de se fazer, porém, asseguro que é bem mais difícil viver com medo.

Anos atrás, após uma discussão breve, alguém gritou por socorro de madrugada, na rua em frente a minha casa. Me levantei imediatamente e ia sair mas minha ex-esposa me convenceu a não o fazer. Ela argumentou algumas coisas; que era briga de gente ruim, que era obrigação da polícia prestar socorro e que eu tinha esposa e filha e que devia pensar nelas ao invés de me colocar em risco por "gente que não presta".
A briga silenciou na rua e eu me deixei convencer pela minha ex-esposa.
A verdade, bem o sei, é que se eu estivesse resolvido, ela não teria conseguido me deter. Deixei o medo me segurar e me impedir de socorrer alguém. A verdade é que prezei mais a minha segurança do que o fazer o que é correto.
Passados tantos anos, não consigo me recordar deste episódio sem sentir náuseas de desprezo por mim mesmo. E faço questão de contar isso pra que eu nunca me esqueça.

Viver com medo é uma morte lenta, uma tortura silenciosa e uma escolha de covardes que preferem se acomodar quentinhos junto á lareira do que olhar o sol de frente. É coisa de quem quer um universo seguro e ordenado, de quem prefere as sombras projetadas na caverna do que sentir e viver a marcha selvagem da vida.

Viver a verdade das coisas é algo que tenho procurado ha muito tempo.
Penso que já nasci com essa veia moral, de encontrar significado, de olhar atrás do cenário, de tentar saber o que faz a marionete se mexer.
A mentira, a ilusão e a desonestidade são coisas pavorosas, que me reviram o estômago e me gelam o sangue de ódio. E é pior quando tento fazer isso comigo próprio.

Nunca soube de nada mais odioso do que a mentira.
Exceto, talvez, o medo.
Viver com medo ou viver uma vida de mentira é mil vezes pior  do que morrer.

Melhor está o leão morto do que o cão vivo.

O meu maior gesto de coragem foi olhar nos olhos de uma pessoa e lhe falar a verdade, sabendo que isso ia libertá-la e a mim, mas também lhe ia partir o coração e destruir sua zona de conforto.
Colhi as consequências.
Não poderia ser de outra forma.
Mas o alívio que eu senti por não mentir compensou em muito a dor que causei e senti.
Foi a coisa certa a fazer e não posso sequer me orgulhar de o ter feito, porque não é como se eu tivesse escolha.
Mas as pessoas em geral, pensam que têm.
A escolha de mentir.
A escolha de viver o conforto e a segurança.
A escolha do medo.

Mentir é roubar ao outro a liberdade de escolher um caminho a tomar.
Não é uma opção.

Ainda assim, este e outros atos de coragem, paradoxalmente me levam a seguir minha outra veia moral, uma que me move desde criança: O desejo por redenção.

Que pecados tem a purgar um criança?
Talvez o de ter nascido?
Quando aqueles que te trazem ao mundo manifestam, mesmo inconscientemente, o arrependimento por o ter feito, você é um desgraçado se por acaso tem sensibilidade o suficiente para perceber isso.


Deixando de lado minhas fantasias pueris de culpa filial, eu penso muito em redenção.

Não quero ir pra cova carregando essas dores que causei. É um fardo pesado demais.

Viver corajosamente tem um preço, é claro, e eu ainda prefiro ter a consciência atormentada pelos efeitos de uma atitude correta a ter de passar a vida tendo de contar a terceira para justificar a segunda mentira que justificou a primeira que serviu para esconder o fato de que sou um merda!

Ainda não vi um abismo que eu não tenha sentido vontade de me atirar ao fundo.
É a esperança que quando der por fim com o corpo nas pedras, silencie junto com minha respiração, o peso de tantas culpas.

São 16:22 agora...

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Como Nossos Pais


Não quero lhe falar
Meu grande amor
Das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi, e tudo o que aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto
É menor do que a vida de qualquer pessoa

Por isso cuidado, meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós
Que somos jovens

Para abraçar meu irmão
E beijar minha menina na rua
É que se fez o meu braço
O meu lábio e a minha voz

Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantado com uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento cheiro de nova estação
Eu sinto tudo na ferida viva
Do meu coração

Já faz tempo eu vi você na rua
Cabelo ao vento, gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança é o quadro que dói mais

Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais

Nossos ídolos  ainda são os mesmos
E as aparências não enganam não
Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém

Você pode até dizer que eu tô por fora
Ou então que eu tô inventando

Mas é você que ama o passado e que não vê
É você que ama o passado e que não vê
Que o novo sempre vem

Hoje eu sei que quem me deu a idéia
De uma nova consciência e juventude
Está em casa
Guardado por Deus, contando o vil metal

Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos e vivemos

Como os nossos pais

(Belchior 1976)

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Graal

(...)Você precisa entender um fato (contra o qual, de todo o coração espero que se rebele);

Que há basicamente dois tipos de ser humano sobre a terra: os que nascem para pensar e os que nascem para serem felizes.

Os primeiros, uma diminuta, sublime e desgraçada raça a olhar sonhadora para as estrelas, espécie triste, sem a qual  sequer teríamos descido das árvores.

Os segundos, uma animália que nem chega a ter consciência  de que não tem senão impulsos de  ter impulsos e de manter a cabeça rente ao chão,  a cata de forragem (...)
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