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domingo, 10 de dezembro de 2023

Prólogo do Semestre Passado

 



Antes de ontem…

Antes de ontem foi a data festiva que só comemoraremos em duas semanas.

Antes de ontem foi o antigo prelúdio da decepção dos dias vindouros.

Antes de ontem, sofremos terrivelmente a dor de uma ferida que talvez nem tenhamos e nos alegramos com o deleite de uma viagem que ninguém nem mesmo planejou.

Antes de ontem foi o prenúncio de todos os primeiros beijos que daríamos em bocas de gente que sequer nasceu e todas as quinas de mesa a nos magoar os pés no amanhã dos sentidos.

Antes de ontem foi o gozo antecipado e longínquo  do prazer que só teremos na intenção, dezoito meses no futuro.

Antes de ontem existimos na memória de quem nos sonhou como possibilidade indistinta, na realidade presente de todos os dias.

Antes de ontem…Foi o epílogo de tudo o que não vivemos.


Hoje cearemos a esperança de dias idos, quando nossos avós quebravam pedras, sonhando com o dia em que apenas sonhariam que quebravam pedras, como uma memória indistinta.

Hoje, a esperança é o abutre pintado de verde, a hiena metida em coleira com guizo e em casinha de cachorro manso.

A esperança de hoje é a sopa de antes de ontem, requentada e vendida como coisa nova.

Hoje, surpreendemo-nos a cada batida do coração, com o espanto de estar existindo.

Hoje, é o antes de ontem lamentado pela rabugice nossa  de trinta dias a frente.

Hoje é o dia em que nossa velhice lamentará ter ido à esquerda, em vez de à direita ou à direita, em vez de virar a esquerda em todas as escolhas impossíveis da vida.

Hoje é o dia em que sonhamos….Como antes de ontem.


Amanhã - nos amanhãs de todos os hojes, que serão antes de ontem no pensamento - Amanhã acordaremos.

Amanhã será o olhar pra trás, para antes de ontem, de tantas décadas que nos esquecemos de contar.

Por estar olhando para o antes de ontem de todas as vidas e nos queixando de sopas requentadas.

Amanhã sera fatalmente estar existindo em momento que já passou e estar feliz por também estar passando.

Amanhã será o apiedar-se de todos os olhares para trás, quando já não temos mais para onde olhar, senão para trás.

E o reconciliar-se com o pretérito do que fomos e que já nem nos pertence. 

Como ontem...E antes de ontem.


segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Na beira do Rio


Um mago, um Iogue e um Monge Zen estavam na margem de um rio e iam atravessá-lo. 

O mago diz ao dois outros: 

-Vou mostrar a voces como se atravessa um rio.

E então o mago sai andando em cima da água e chega do outro lado.

A isso o Iogue responde: 

-Isso não é nada! Vou mostrar como se atravessa o rio!

E então o Iogue flutua no ar e atravessa o rio flutuando.

Quando pousa ao lado do mago, ambos olham e lá vem o monge atravessando o rio a nado.

E ele quase se afoga algumas vezes, é arrastado pelas correntezas e bate o pé nas pedras, se molha todo e plantas aquáticas ficam grudadas em seus cabelos..

Quando ele finalmente sai da água, chega do outro lado, tira as roupas e enquanto as torce para secar, olha com compaixão para o mago e para o Iogue e  diz:

"Vocês não sabem nada sobre como se atravessa um rio"




Um Conto Zen


domingo, 23 de julho de 2023

Cartas de Lugar nenhum - 4




 Querido Voce....

Hoje me veio a mente a ideia de que estar vivo, é um exercício de estranha magia...

Supor que estou vivo, tem sido a minha salvação neste ermo sutil. 

Pois ainda que não saiba de onde me vem o pensamento de que a vida é transitória e finita, agarro-me qual naufrago a essa ideia, pois se me soubesse morto, não conseguiria manter a esperança da transtoriedade da minha situação.

Os dias têm se tornado longos demais. 

Demasiado semelhantes uns aos outros, sinto-me agrilhoado a essa repetição de nada.

As noites, igualmente longas e monótonas, não trazem repouso, mas um sono inquieto, sonhos confusos e ao amanhecer, o constante choque de ainda estar atado a mim mesmo.

Nesse lugar estático, chamado vida, sinto a satisfação oscilar inconstante, como algo que rasteja entre o tédio e a ansiedade.

Após um tempo, a memória indistinta trai minha  lógica em dança ensandecida. Dou rodopios mentais, querendo sentir neste movimento, uma sensação qualquer de vida que me distraia.

Poderia o aceno da loucura ser tão algo tão sedutor?

Esquecido até de mim mesmo, consigo pensar que são meus estes meus pensamentos, essas palavras pensadas em uma lingua que não criei, como não tenho criado nada além de espanto e choque,  e que muito possivelmente me vieram da leitura de livros ou de conversas antigas com gente mais sábia e mais antiga do que os pensamentos e palavras com que me distraio...

Tomando como naturais absurdos quotidianos, questiono minha sensibilidade. 

Questiono minha capacidade de questionar .

Supus, após meditar um tanto displicentemente, que essa montanha é uma metáfora para a minha solidão. 

Que, talvez,  todas essas montanhas no entorno da minha plerpelxidade, para as quais tenho gritado sem que delas me retorne sequer eco, são tambem o sígno da solidão de outros, tais como eu, sozinhos, retidos no sonho estranho de estar existindo.

E neste ato, de prestar atenção, aprender, apreender, supor, imaginar, refletir e depois lançar ao ar todo o saber que me deixa na boca o gosto amargo da consciência da minha ignorância, permaneço em transe.

E então sinto, nas bordas do meu eu,  a formação do paradoxo incrivel, a saber, que o conhecimento não só não me libertou, mas aprisionou-me de maneira implacável ao saber de não saber absolutamente coisa alguma.

Onde quer que esteja, espero que esteja lidando melhor do que eu, com a troca de olhares com o abismo nosso de cada dia.


Atenciosamente, Eu.


Nota ao pé da página (um eco de dias idos):

Tenho experimentado grandes ausências de mim , hiatos de tempo em que passo os dias a deixar passar os dias, intuindo por entre esse vazio se não me perdi em uma grande fenda qualquer que me deixou nesse limbo de onde escrevo a você mais uma vez o meu desamparo.

segunda-feira, 1 de maio de 2023

1973

 



Para início de conversa, a nossa causa não era justa.

Éramos então, o inimigo, o invasor, aqueles sobre quem histórias terríveis eram contadas e que levavam pavor aos corações dos homens.



Batalhávamos em terra estrangeira, nós, os soldados sem ideais.

Não éramos mais homens. 

Éramos os gritos, os estrondos, o frenesi dos combates e o céu noturno iluminado por chamas.

Sob o estandarte da crueldade, lutamos, sangramos, fizemos sangrar...

E perdemos a guerra.



Perto do fim de uma noite, os sinos das cidades ressoaram anunciando o nascer de um novo dia e a nossa derrota. 

Houveram festas, celebrações e danças nas ruas, missas e graças dadas aos céus quando o flagelo foi varrido de sobre a terra e a esperança voltou ao mundo.



Em fuga, derrotados e feridos, fomos perseguidos como as feras que éramos então, e abatidos um a um,  sem a graça da mesma compaixão que negávamos a outros.

Acuado, com medo e sozinho, não caí lutando.



Recebi a morte dos covardes, trespassado por lâminas e balas e flechas.

Caí em um charco imundo, meu sangue derramado misturando-se ao lodo e lama.

Meu corpo ficou ao léu, sem enterro, sem o abrigo de sepultura ou lamento de pessoa querida e os animais de rapina se recusaram a dele se alimentar.



Tempo e esquecimento jogaram poeira sobre meus ossos e a lembrança de mim, dos meus e de tudo o que fizemos foi pouco a pouco tornando-se um mito triste.



Vaguei…

Nem Inferno, nem o Duat, nem o Valhalla… Vaguei em terra fria e escura, de sombras lamentosas que se esgueiravam na penumbra e me ignoravam ou sussurravam insultos.

Insultava-os de volta.

Em fúria, perdido, açoitado por lembranças dolorosas, lamentei, blasfemei e implorei e aos poucos, tornei-me também sombra murmurante,

 esquecido de quem eu havia sido e o meu passado se tornou suposto.

Tornei-me fictício.

Perdi meu nome.

Perdi quem eu fui.

Minhas lembranças transformaram-se em ecos confusos.

Arrependimentos dolorosos de crimes verdadeiros ou imaginados misturaram-se às acusações berradas pelas trevas em derredor como açoites e eu ja não tinha mais certeza da história que acabei de contar.

 

Quanto tempo se passou até que fui desprovido da lembrança de um único dia feliz? 

Para onde foram todos os gestos de bondade, recebidos ou realizados? E todos os sorrisos e abraços de irmãos?

Seria concebível eu ter vindo à existência sem um colo de mãe, já que eu não o levava na lembrança? 

Ou ter passado a vida inteira sem ter conhecido o amor de um pai?

Era então toda a verdade do mundo aqueles queixumes e gritos nas sombras?

Quando essas questões começaram a surgir na minha mente em febre, aos poucos a treva em volta se rarefez e tive um vislumbre ao longe, de um propósito qualquer.



Não sei dizer ao certo quanto tempo levou até que me aprouve mover-me sem o esmo que me guiava naquela terra,  e por fim caminhei, sem sequer saber o porquê, na direção daquele ponto de luz.

 

E fui receber nova carne, e fui conhecer nova dor. 

Algo falhou no entanto e eu me lembro, não das lembranças, mas da lembrança  de ter lembranças.

Recebi nome, identidade e memórias novas, como uma plantação semeada por sobre onde antes havia uma floresta antiga.

Sinto ainda as raízes das árvores cortadas, bem ao fundo na terra da minha alma. 

Sinto saudades de casa, do “de antes” do passado e de quem eu era antes de me tornar quem eu fui.

 

E então, sento-me para escrever este texto e nele tento criar outra hipótese de mim mesmo.



sábado, 15 de abril de 2023

Hiflosigkeit








Bem ao fundo, onde você se funda

Nas bases íntimas do seu eu,

Naquela noite eterna e cintilada de estrelas por detrás das suas pálpebras

Lá, na escuridão púrpura, pontilhada por luzes distantes, 

Nas raízes primárias de onde voce ergueu;

 

Esse sorriso fácil, mentiroso e gentil,

E esse sarcasmo 

E esse senso de humor duvidoso…

E essa formalidade elegante com a qual despacha, preenche certidões e mandados…

E essa afetação educada nos cumprimentos a toda a gente…

E esse olhar astuto a negociar preços e taxas menores de juros…

E esse ar preocupado e solene ao ler as notícias dos desvairos do mundo…

E esse suspiro sonhador e perdido ao se deliciar por manter para si um segredo doce…

E esse aborrecimento tardio ao descobrir aqui e ali sinais de selinidade…

E essa vaidade tola pela adulação ao suposto da sua erudição…

E a eterna postergação para tomar decisões perfeitamente adiáveis…



Abaixo, dentro e por detrás de tudo isso;



Que há nos recônditos interiores de si, meu pobre Luiz, criatura confusa e erma de si mesma?

Há um herege blasfemando sacrilégios para o nada ?

Um crente fiel e fervoroso a oferecer culto e súplicas às estrelas?

Um monge? Um louco?

No seu interior há um menino perdido e desamparado a clamar pelo pai?

Há um romântico abandonado chorando eternamente a perda da alma amada?

Há uma fera raivosa e sedenta a uivar sua fúria para a lua?

Ou uma ave canora e cantante a entoar louvores ao sol?



No fundo e no fim, é tão somente um poeta do desamparo, 

Teimosamente  forjando no fogo brilhante do que é belo a luz do dia

Odes e trovas sobre sussurros noturnos, 

Sobre temas falados nas sombras por onde se esgueiram duendes e sonhos ruins.

E enquanto a vida corre, o dia arde, o verde toma conta da paisagem, 

Você espera pelo cair da noite para se sentir pleno…

Colhendo bouquets de espinhos em jardins floridos…

Alguem lhe nomeou embaixador e porta voz da dor?

Ou lhe designou arauto a falar pelo silêncio?

Ou é simplesmente uma inclinação natural e, portanto, bela, à escuridão?



Mas olha; enquanto voce passa a salada para a pessoa ao lado

E comenta desinteressado sobre o tempo com a pessoa da frente

e se distrai com uma brisa no rosto, súbita e ignorada por todos os convivas

O relógio do tempo ainda corre na mesma direção

E o dia se sucede a noite bem como a noite ao dia.

A marcha da vida não se interrompe,

Enquanto voce oculta a alma atrás do crachá, do número do RG 

E se pergunta se o sapato combina com o cinto…




terça-feira, 28 de março de 2023

Ao Menino Manco Diante de Quem Fechou-se a Porta No Monte Kolppenberg




Nasci ao mundo, terra estranha, para nele estar estrangeiro, talvez em papel mais confortável, do que o anterior, de apátrida na minha terra natal.

E nessa, que era então uma terra de espinhos morais, por um longo tempo caminhei com alma e pés descalços.

Mas agora, caminho por palácios gigantes de concreto e vidro e aço polido e percorro os salões enormes, onde homens tambem polidos, duros como concreto  e com corações de aço, que veem a si como gigantes, sentam-se em tronos outorgados e decidem o destino de muitos.

Nesta seara igualmente espinhosa, eu caminho no piso de mármore frio, ressoando com meu  pisar o  do som dos passos de muita gente em pressa.

Nos pés levo sapatos que custam o salário de um trabalhador e na alma, a certeza de estar vivendo em vão.

Desgostoso, deixo a mente escorregar, deslizo para os reinos da memória e me lembro...

Foi me dito que no início, Deus criou o céu e a terra e então, dentre tudo isso, dedicou especial atenção em meio a ordem criada, ao que seria  o meu quinhão de caos e de dor.

Destinaram-me a uma vida servil, de costas e cabeça curvadas, mãos e alma embrutecidas a lavrar do solo o sempre insuficiente pão.

Deram-me na saída, aspirações subalternistas com que me distrair nos momentos de folga  e me estenderam a garrafa onde, por sonhos etílicos, no esquecimento da minha miséria, também desapareceria nas minhas alienações do eu, a consciência da dureza da minha servidão destinada.

Apontaram-me altares vazios diante dos quais eu deveria me curvar e oferecer com fé orações que seriam frequentemente ignoradas. Mostraram-me deuses indiferentes ou surdos, aos quais eu deveria oferecer lágrimas e súplicas e paradoxalmente os temer e os amar.

E, nos arremates da minha sina, entre os atos de nascer sozinho  e morrer violentamente,  existiria um hiato de tempo em que meu corpo serviria ao conforto dos que seriam os eleitos à grandeza e seria para mim o palco do espetáculo amargo das minhas dores e do meu desamor.

Algo, no entanto, falhou e eu me tornei ainda mais miserável, estando o tempo todo dolorosamente consciente de mim mesmo e do que poderia ser o meu destino.

Na infância, no jardim interno que toda criança leva na alma, vicejava em meus pensamentos uma chama a que eu não tinha o direito.

Como um pequeno Prometeu mal nutrido, de pele marrom e cabelos crespos, roubei-a ao diabo ou a deus e com ela atormentei-me com pensamentos de grandeza, de nobreza talvez ilusória, enquanto me apunhalava o estômago em estocadas dolorosas a fome comum daqueles tempos.

Era a alma-em-espinhos desejando florir  de um menino pardo, os pés descalços na poeira vermelha do tempo, em uma terra árida e de homens ásperos, fotografia velha em que o tempo levou as cores e as memórias, nos anos de mil novecentos e setenta e tantos sofrimentos gravados na cabeça cheia de sonhos, a margem da vida, quando não havia alimento para o corpo, amor para a alma ou futuro para o mundo.

E lá, na poeira vermelha, por entre ruas sem calçamento, agua poluída, fome, doenças, miasmas  e gente sem metafísica, poderia haver poesia onde sequer havia pão?

E ainda assim, teimava em surgir na pulsação do meu espirito ainda indomado, o impossível dentro do possível, o infinito ardendo na palma da mão pequena, magra e de unhas sujas. 

Nos limites invisíveis da minha prisão sem grades ou trancas, um mundo vasto delineava-se no anseio de ser mais do que o corpo frágil, constantemente carente de nutrientes e afagos, o estômago roncava e eu sonhava com a Terra do Nunca, poesia brotava na mente no mesmo ritmo que se estragavam na boca os dentes sem tratamento, e passava a paralisia cinza do tempo entre as  paredes sem reboco e por entre almas sem abstrações.

Para onde foram esses dias perdidos? Em que passado refeito no meu emaranhado de traumas perdeu-se minha pequena e brilhante alma, o futuro e a chama verde e teimosa da esperança? 

Fecho os olhos para o passado e os abro ao presente e olho para meus sapatos lustrosos, que custaram o salario médio de um trabalhador, (talvez um homem enorme,  melhor do que eu, alma simples de  mãos calosas que  ergueu do nada esses palácios em que seu destino é decidido) e sinto por mim mesmo um desprezo profundo, próximo ao rancor e fujo pelos corredores sentindo o olhar acusador e atemporal de um menino marron, criança parda perdida na poeira do tempo.

quinta-feira, 23 de março de 2023

Sândalo Caído 2- (ou sobre como a fábula da vida é contada sem zelo)

 


Da extinção do sândalo caído compus um poema tolo,

Em momentos de febre de sentimentos.

O gume frio do machado perfumado,

Que me inspirou versos tão insípidos

Nada valia sem o cabo que o empunhava.

O cabo, fora feito de um galho do sândalo,

E o Sândalo o forneceu à mão que o deitou.

E eu me juntei a camarilha sem inspiração para dar voltas no entorno de contradições vazias.


Mas à beleza daquela mulher insana já haviam cantado demasiados poetas ...

E ela ficou fria, bocejou votando aos meus versos banais - oração sem fé de uma alma atéia - justa indiferença.

E foi brincar de ser vento e dar nós nos pensamentos daqueles a quem sua loucura inspirava mais verdadeira e violentamente.


O sândalo caído e minha fé perdida…

A despeito da minha inércia, 

Sobre a trilha antiga, a vida se ergueu novamente em floração

Tempos e silêncios deram as mãos e as muitas chuvas lavaram da terra o perfume de sua queda.


E eis,

Tudo tem um início e nesse inicio já está delineado o seu fim.

Isso se aplica a chama da lareira, ao sândalo caído e a coisas em demasia.

Sinto isso, mesmo que minha razão teimosa fraqueje em aceitá-lo.

Reviro as cinzas da lareira a cata de uma ultima brasa e repito, sussurrando baixo, tentando convencer a mim mesmo:

Não foi a minha mão, não foi meu o machado”

E não serei cúmplice da minha própria queda hoje,

Mais do que fui dessas linhas sem inspiração, que minha impaciência lança ao fogo do meu esquecimento.

Talvez quando esta derradeira labareda se extinguir por fim,

Eu finalize esses versos bem como a tentativa de não pensar na sensação estranha de que minha história está sendo reescrita por mão invisivel e displicente.

E talvez por fim, o frio me expulse dessa janela,

E va dormir um sono silencioso e sem sonhos.


quarta-feira, 1 de março de 2023

Ouroboros - Ou da Dinâmica Entres os Que Sonham


 

Na obscuridade das minhas linhas, em sono descuidado, sonhei que você me sonhava,
E foi dessa forma, que comecei a duvidar da certeza da minha inexistência,
Que eu era aquela ficção contada por mim mesmo ao nada, que respondia em eco com a minha voz,
Nas horas voláteis, no vazio dos dias entre o horário do almoço, o sono do divã e a sessão das dez.

Se você existia, era suposto que eu também haveria de ser o sonho sonhado por outro sonhador.
Tal qual o sonhei primeiro em dias muito antigos.
E então me pareceu haverem flores brotando em um abandonado jardim do eu,
Uma primavera implacável rompendo em verde no cinza dos meus outonos da alma.
(E se meus dedos inábeis pudessem ao piano acompanhar as batidas rítmicas do meus desejos, ao criar possibilidades onde antes nem vazio havia,
Eu faria uma música de inefável beleza que levaria o seu nome).


De alguma forma, sinto que seu nome soa como o retinir de pequenos sinos a badalar dentro de uma fantasia.
Talvez voce tenha nome de flor, de pedra preciosa que seja ou talvez quisera o amor ou a fé de seus pais dar-lhe o nome de uma rainha antiga ou o de um profeta
(E, deus!, em meu devaneio, vejo-o precioso, mas não como pedra, perfumado como uma flor reluzente, e, talvez você seja mesmo uma rainha no império do coração de alguém ou profeta incompreendido e rejeitado por seu próprio povo).


Retiro os olhos desse livro onde o crio e o sonho em letras, as tuas formas lindas e desconhecidas tomando corpo no destino de tudo o que posso desejar, 

E ainda mais sonhador olho para as direções à volta do meu cárcere suave, mas então perco-o de vista, pois sinto-o mais vivamente nestas linhas em que escrevo ha anos uma carta de amor e que você existe em um ponto cardinal que levo dentro da minha mente.


Observo escritos passados, na gaveta fechada a chave e vergonhas.
Desinvestidos dos sentimentos que lhes deram forma, parecem-me a soma de todos os olhares estrangeiros onde reconheci os teus olhos de passagem.


Penso em tudo o que eu pensava quando não estava pensando em você e me surpreendo a te ver delineado em todos aqueles pensamentos.


 
 


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Poema que Correu Fora da Realidade

 


O que há de real e verdadeiro,

há, de real e de verdadeiro,

Ainda que fora da minha percepção.

 

Filosofando versos para a escuridão sem rima, 

Me esquivo dos cumprimentos polidos de toda a gente de alma pálida,  que me quer banal e citadino.

(Se ao menos um visse que na escuridão dos meus olhos ardem estrelas…)

Naquelas horas  de êxtase místico, contando as batidas do meu coração em descompasso ou 

desenhando a rota dos pássaros em voo, eu resisto.

Existindo no esforço de existir.

Relativizando o nada.

O mesmo nada, tão vasto e tão amplo quanto o tudo.

O tudo que há, de real e de verdadeiro.


É a musa intangível, que meus devaneios querem humana,  para calar as necessidades de literatura.

É Deus inexistindo ou existindo como coisa que não compreendo,

(como não o compreendem os que o pregam em latim ou o apregoam como coisa que se venda)

Pairando como mistério  inescrutável acima das minhas orações sem fé, 

Mas reais e verdadeiras.

Os meus medos, esses são imaginados e por isso mesmo, ainda mais terríveis.

E eles doem, como a culpa daquele que quis pecar e não pecou e sofre com a certeza 

de que lhe bastou esse querer para o condenar,  

mas sofre  ainda mais pela delícia não vivida do pecado desejado mas não cometido.

 

E, talvez um pecado cometido,

Seja mais real e verdadeiro do que uma virtude que não nasceu e ficou só na intenção de ser nobre.

 

 

 

Arte: Alexander Ant, via Pexels 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

O Problema do Copo 2- (ou de como uso utensílios domésticos para forjar delírios)


 

O copo é outro, claro, eu porém, penso ser o mesmo ou, no mínimo, reconheço-me  nesses fragmentos que ficaram daquilo que eu fui. 

Renovo o meu Eu antigo dando-lhe polimento  e reestreio velharias psicológicas no afã de forjar do mofo  algo que seja novo e reluzente.

Mas a questão que me paralisou, foi que eu bebi do copo muito menos agua do que usei momentos depois, para lavar o copo no qual bebi. 

Absurdo e absorto, fiquei feliz e triste pelo dilema que iria me consumir nas próximas horas e pela água que desceu pelo ralo em maior abundância que pela minha garganta.

Os paradoxos, são o meu brinquedo favorito para passar as horas de ócio meditativo.

Uma criança a brincar com cacos de vidro e lâminas de barbear.

"Para inicio de conversa - pensei enquanto lambia o sangue dos dedos e recolhia os cacos do chão - , eu nem mesmo estava com sede de água, mas de metafísica e de poesia."

E mais ainda -  será que o que ainda em mim há,

Há de querer o que não há mais em mim? -

Não tenho o bastante que me inspire a ser generoso, 

Mas bem posso compartilhar ausências e dividir meus hiatos.


"Mas como me falta o que quero e o que tenho não me preenche, 

estou cheio de insuficiências, 

repleto de vazio e transbordante do desejo de estar cheio."


A terra girou tantas vezes em torno do sol e eu, sem eixo, em torno de mim mesmo,

E nem entrou na minha contabilidade líquida, 

As lagrimas que verti, (tolo e comovido com a própria tolice),

Quando pensei no oceano que lancei pelo ralo,

Nos meus atos de higiene equivocada.


terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Insone 2


Coloco  um copo de água no batente da janela.

Olho para a noite abafada que não me olha de volta.

E, na coletânea de pequenos mistérios que compõem o vitral dessa vida imensa, acresento mais este; de como é possível que as duas horas da manhã ainda esteja fazendo calor, nessa terra paralisada e sem vento…


Quente demais para dormir e quente demais para ficar acordado.


Eu estava lá, ainda agora, imerso na perfeição de um sonho. 

Era uma Ágora composta de muitas versões de notáveis raciocínios.


E tudo me estava tão claro, coeso,  límpido como um espelho novo.

Dialogava em lógica perfeita, fria, desapaixonada, desinvestida dessa voracidade e urgência que parece permear todos os meus pensamentos em febre.


E me vinham filosfias - agora perdidas - tão lúcidas, alinhadas, confortáveis como o zumbido de uma máquina que se sabe, em perfeito funcionamento.


No limiar do sono, entre aquele mundo das formas perfeitas e este, em que tudo me dói,  recusei-me tão veementemente quanto me permitiu o cavalheirismo a que eu estava investido, na confraria elegante do meu parlamento onírico, a tornar a este mundo estático de pensamentos rodopiantes.


Mas privado da tenaz ferocidade com que defendo e ataco pontos de vista a vista dos pontos que se me apresentam nesse mundo, deixei-me persuadir pela lógica implacável daquele lugar, e deslizei de volta, relutante e dócil, pra este mundo insone e ilógico.

(Quente, meu Deus!)


E tão implacável quanto a milimétrica lógica na qual instantes antes eu embalava um sonho, a realidade desse mundo desabou sobre mim, lançando sobre meus olhos e sentidos, uma coritina de confusão.


Tento organizar a algazarra dos meus pensamentos em louca debandada e em atropelo; uma manada querendo passar todos ao mesmo tempo pela porta estreita da percepção, tendo atrás de si sentimentos terríveis (sempre esses malditos sentimentos terriveis!) a tanger-lhes para dentro e para fora.


(Deus, que calor! Por que é que nunca venta nessa cidade?)


Instantes atrás, dentro de compartimentos organizados nos sonhos…


Tudo o que eu pensava estava  coreografado, impecavelmente coordenado. E em uníssono acordo, polidos, políticos e éticos, esses muitos pensamentos que enxameiam agora o ar como moscas repelentes, estavam arquitetados como fileiras de átomos e eu lhes podia chamar por nome e os reconhecer como filhos, embora fossem milhares.


E essa queda, para a clivagem, para a ruptura, um exercício de catar pedaços de si mesmo chamado Vida Desperta foi acertada por um conclave que, quando deliberou me pareceu tão lógica…


Mas então aqui,  na janela, no ar quente e parado, fitando uma noite quente - e de alguma forma imunda como um pesadelo, sem barulhos noturnos, sem sons de grilos ou sirenes ou qualquer som que denuncie a vida - uma noite que não é carinhosa e cheia de mistérios como era na minha terra, organizo-me minimamente e ao tentar deslizar de volta e sem muita expectativa, para um sono sem sonhos, me pergunto...


Se é sensato que um homem deposite toda a sua esperança na mutabilidade impossível de um passado inevitável.

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Aqueles Dezessete Segundos...



Ficou surpreso quando percebeu-se ainda irresponsavelmente sonhador…

Pensava já ter perdido em algum canto da memória ambas as capacidades; a de sonhar e a de se surpreender.

Talvez lhe devessem jubilar na vida, pois há lições que ele obstinava-se a não aprender e apreender, ainda que lhe fossem dura e constantemente ministradas, vez após vez.

Vai saber o que move a fé de um homem sem fé em si mesmo…

Os dias escorrem monótonos por semanas que se arrastam lentas, dentro de meses congelados nos anos inertes…

Dezessete segundos…

Um estremecimento dos sentidos, uma fragilidade diante da própria fome de tudo, e lá está ele a espera de um momento de êxtase, um orgasmo físico ou moral qualquer que lhe fulminasse e deste modo pudesse descer o pano da sua vida em um instante de arrebatamento sensorial.

Entre os nacos do quinhão do amargo tédio nosso de cada dia, ele conta momentos, passando o tempo no esforço de passar o tempo, a espera do intervalo da vida, naqueles segundos.

...

A dança caleidoscópica dos corpos havia terminado e cada qual, lado a lado, experimentava absorto a sensação de paz perfeita decorrente do cessar dos gritos famintos dos hormônios. 

Um silêncio dos sentidos que durava sempre, exatos dezessete segundos.

Dezessete segundos de paz inebriada.

Ele deixa a mão escorregar para o chão, os dedos a tocarem de leve no piso frio, e a mente vagar, na batida do coração na ponta dos dedos, uma fantasia delicada de que não é seu corpo, mas o planeta que pulsa e vibra suave, enquanto ele luta para não escorregar para um sono gentil.

Um sono do qual ansiava intimamente, não precisasse mais despertar.

“Se eu dormir agora, corro o sério risco de acordar e ver nos olhos dela a decepção e a certeza de que me tornei um clichê.”

Ele não queria parecer insensível e pensava sim que era coisa absolutamente linda e desejável ficarem abraçados no escuro. Que modo há de encarar o escuro, senão o de estar entrelaçado no amor do outro?

Ainda assim, esperava que ela lhe desse aquele momento.

Aquela pausa de si mesmo e de seus medos futuros de solidão pretérita.

Se ele pudesse, escorregaria para dentro daquele instante que havia entre o tic e o tac do relógio, o momento do tempo real, pois cada parada do ponteiro, era um momento que já se foi.

Cada momento lembrado é um momento morto para além do tempo.

Menos ali, naquelas batidas cada vez mais lentas do coração na ponta dos dedos, não mais o seu coração, mas o coração do mundo.

Se ao menos pudesse...Ele se perderia voluntariamente ali.

Existiria dentro um instante que fosse eterno, não como coisa que passou.

Pois todo o tempo que se tem é sempre o tempo que já passou.

Menos aqueles dezessete segundos.




sábado, 28 de janeiro de 2023

Opiniões

Tinha antes opiniões Estúpidas, como são todas as opiniões Era então um estúpido a ter opiniões estúpidas E tendo hoje essa opinião, Sou um estúpido a ter opiniões estúpidas sobre ter opiniões.

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Sobre Pontes e obturações

 Quando em meus exercícios de imaginação, nas horas de ócio pelos quais me culpo, deixo a mente deslizar e imagino-me frente a frente com meu eu.

Um Luiz, abstrato e físico, tal como eu, um conceito de qualquer coisa humana.

Ali estaria eu, ante meu doppelganger, um eu clonado à imagem e semelhança do meu tédio.

Naturalmente, entraríamos em franco ato de pugilato, coisa terrível à vista de almas sensíveis, e eu desferiria socos sobre socos na boca que nunca consegue ficar inerte sem emitir opiniões e partiria a disparos de voadoras todos os ossos do meu corpo outro e do meu difícil ofício de ser humano..

Ato contínuo, eu destruiria os meus precários dentes a pontapés, alegre, embriagado de violência e desforra, absolutamente esquecido do quanto me custaria na contabilidade do dentista todas aquelas pontes, implantes e demais obturações, para que eu pudesse continuar a me dar o prazer fugaz de comer azeitonas.

Oh, que maravilha seria poder represaliar a mim mesmo de todas as vergonhas e constrangimentos, de todas as paixões e febres da alma...

Nesses exercícios, quase sempre vejo a mim, este quase cinquentenário a destruir o menino tolo que fui, sempre encantado por tanto que ignorava sempre a distancia que havia e ha entre o que é e o que era o seu desejo que fosse.

Aquela minha alma de menino ardia e forjou nessas labaredas as lembranças que hoje retorcem-me as entranhas de pesar, raiva e culpa.

Vendo-me hoje vergar as costas, coração e motivos, pelas mesmas forças que me moviam ha tanto tempo, sentindo a perdição em devaneios meus que não ressoam no real, os nervos aflorando em busca do nada, criando como uma criança, fantasias (bem mais coloridas do que esta na qual me atraco em homicídio-suicídio de mim mesmo, mas tão frívolas quanto), sinto uma revolta surda contra meu eu ja velho e implacavelmente tolo.

Que ridículo!

Então minha perspectiva recua ainda mais, torno-me ainda mais alheio, observando a essa imaginada batalha de mim comigo mesmo,  e esse outro, terceiro eu, agora observador da lide auto-imposta, vendo o embate, talvez torcesse para que o eu mais jovem, ciente do que se tornaria na figura do seu adversário mais velho e absurdamente irado, talvez encontrasse forças o bastante e levasse à morte a triste versão de si mesmo na qual inevitavelmente se tornaria.

 É viver o bastante para considerar-se um ser absolutamente repelente.

domingo, 11 de setembro de 2022

Ensaio sobre a dúvida e outros vícios

 ...e naqueles momentos em que consigo colocar a cabeça pra fora do lodo da auto-culpa e fico um tanto sóbrio das carraspanas de autopiedade, me atrevo a me imaginar uma pessoa cuja opinião seja relevante o bastante para que alguem gaste os olhos a lendo.

Passo muito tempo com os dedos inertes neste teclado, olhando para a tela procurando intimamente argumentos que me convençam de que ainda há algo que valha ser dito.

Algo que eu me atreva verdadeiramente a dizer.

É sempre mais fácil colocar a alma nua diante de estranhos cujo julgamento a gente não teme do que confessar pra si mesmo que aquelas pessoas mais próximas te colocaram dentro de um modelo no qual a sua fragilidade humana vai, decerto, decepcioná-las cruelmente.

Os estranhos, aqueles que te leem em lugares alhures (supondo-se, é claro, que alguém o leia), podem olhar com simpatia para suas incongruências e colocar seus sonhos e pesadelos na esfera da literatura. E com tais devaneios, no conforto dessa desculpa, me permito derramar meus inconstantes escritos neste espaço e, ao mesmo tempo em que diminuo a necessidade de sentir o que escrevo, posso ampliar através dessas letras, o universo íntimo de quem me lê.

Se não pensasse dessa forma, a culpa de tudo e de nada que me deixa uma sensação de podre na alma, não me permitiria escrever.

No último ano, a vida deu uns saltos. 

Passei em um concurso do judiciário do meu estado e tive que sair de Belo Horizonte e vir morar em uma cidade do interior. 

Moro há uns três quarteirões do Fórum, para onde vou a pé em caminhada tranquila e onde dou expediente de seis horas para receber de salário cerca de duas vezes o que eu recebia em meu antigo trabalho.

Haveria de se esperar algum senso de realização pessoal nisso, porém, receio que haja mesmo uma classe de criaturas que não foram talhadas para estarem satisfeitas e que eu pertença a essa fauna lamentável.

Em minha defesa só posso afirmar que sucesso material nunca foi o meu alvo na vida, embora eu esteja ciente de que minha situação agora confortável, está aquém do que eu poderia ter alcançado se não tivesse a mente constantemente atolada em um charco emocional.

Vou completar 49 anos em dezembro e seria redundante dizer que me sinto velho e cansado, embora fisicamente eu pareça (na opinião alheia) uma pessoa com trinta e poucos.

Sou redundante.

Me sinto velho.

Me sinto cansado.

E depois dos trinta e cinco anos, todo ser humano está mais perto do dia em que vai morrer do que do dia em que nasceu.

É uma conversa lúgubre, eu sei. 

Mas só garotos cuja idade ainda não completou uma "trintena" podem se dar ao luxo de fingir que são imortais e deixar conversas sobre a morte para os filósofos e os velhos decadentes, como eu sou nos pensamentos e sentimentos.

Em 2018 eu comecei a experimentar fenômenos psíquicos que abalaram todo o meu sistema de não-crenças.

Tive e documentei muitas experiencias neste sentido e tendo vivenciado o que eu vivi, não seria honesto da minha parte me agarrar a um ceticismo obstinado e eu substituí a certeza de nada haver depois da vida física se encerrar por uma dúvida saldável.

Não existe morte. O que existe é o encerramento da vida física. Eu não acredito. Eu sei. E saber é melhor do que acreditar. Embora eu esteja ciente de que este saber em mim parecerá a olhos outros mais uma crença.

Se me aprouver, contarei minhas experiencias aqui, pois quem sabe não seja útil a outros como as de outros foram úteis a mim?

Não tenho mais medo de morrer. Se é que algum dia tive. E gostaria de dizer que não tenho também ansiedade neste sentido, mas isso não seria coisa honesta de se dizer.

A vida tem sido uma carreira de dissabores que compuseram muito do que penso e do que sinto, me dando uma natureza até então, irremediavelmente melancólica e embora existam pessoas a quem amo além do que posso descrever e eu tenha tido os meus bons momentos, não vou lamentar quando essa aventura chegar ao fim.

O que me deixa realmente amedrontado, é não ter vivido a vida que deveria ter vivido e se não o fiz, não foi por falta de desejo de a viver, mas por estar profundamente ignorante do que afinal seria essa vida. 

Não quero partir tal qual eu nasci, com medo, ignorante e sozinho.

Sinto necessidade de descanso.

Mas não sei dizer se haverá descanso ou o início de outra jornada, mas espero ao menos, não levar comigo nessa nova viagem a bagagem pesada dos meus atuais pensamentos.

Talvez por estar ciente de que me aproximo pouco a pouco do desfecho do que quer que seja a vida, eu a tenha tornado uma coisa mais responsável, como se cada ato meu tivesse de ser uma linha do tecido que comporá a minha mortalha.

Sim, estou me sentido absolutamente velho e cansado, mas de alguma forma misteriosa, a percepção deste cansaço tem tornado também o tempo que me resta algo de precioso, pois eu não tenho mais tempo a perder com "vinhos e velas". Preciso ir direto ao ponto;

Urge que eu faça o que preciso fazer, o que é de minha natureza fazer. O que é o meu projeto de vida, esquecido em meio a esse turbilhão de carências e receios em que manquei ao longo de quase meio século.





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