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terça-feira, 31 de maio de 2011

Sonhos subversivos






Tive um sonho estranho e isso é uma redundância, é claro... Nenhuma novidade nisso. Todos os sonhos são estranhos. Os meus pelo menos são. Não faz muito tempo voltei a ter sonhos desconexos, porque durante muito tempo tive apenas o que chamamos de “sonhos lúcidos”, ou seja, eu sempre (ou quase sempre)  sabia que estava sonhando. Na verdade, segundo me disseram, eu também tinha sonhos desconexos, mas a lembrança dos sonhos lúcidos suplantava a destes em importância e eu não me recordava que os tivesse tido.  Agora que penso entender um pouco mais sobre sonhos, fico imaginando os desdobramentos psicológicos de ter sonhos assim... Não sei que mecanismo voluntário ou involuntário fez com que eu voltasse a ter sonhos “normais” com maior freqüência (supondo-se que exista coisa como  sonhos normais), mas por sugestão de um amigo acadêmico, comecei a anotar meus sonhos e talvez isso tenha influenciado.


Tarefa chata e difícil no começo, mas depois de um tempo, consegui lembrar-me razoavelmente bem dos meus sonhos. E persistir em anotar aprimorou minha habilidade de lembrar-me não apenas do enredo do sonho mas também da emoção que sinto ao sonhar.

O desta ultima noite foi particularmente estranho. Sonhei que estava fumando um cigarro.  Nada extraordinário, eu sei, mas o fato é que eu não fumo. Nunca fumei. Mas me recordo de que no sonho, estava com um tipo de cigarro aromático, com uma textura nacarada na fumaça azulada que me lembrava um misto de canela e erva cidreira. Recordo-me do prazer descomunal  que eu sentia ao fumar o tal cigarro, da sensação aveludada da fumaça no céu da boca ( e olhando por esse lado, talvez não fosse bem um cigarro, mas nesse caso eu dificilmente saberia dizer quer em sonho, quer desperto, a diferença entre um “careta” e um “cigarrinho do capeta”, supondo-se que tais nomenclaturas ainda sejam usadas). Eu observava o azul da fumaça subir e formar desenhos que espiralavam no ar  e depois desapareciam no vento...


Quando acordei fiquei algum tempo pensando que  talvez eu devesse ter fumado na adolescência como quase todos os meus amigos. Eu provavelmente diminuiria a minha expectativa de vida em uns trinta anos ou mais (como se minha vida não pudesse ser interrompida a qualquer momento por uma fatalidade  ou uma estupidez minha ou de outros...!) e teria gastado em cigarros dinheiro suficiente para, se reunido, pagar  uma viagem de volta ao mundo num camarote vip do “Queen Mary” (Pelo menos é o que dizem aquelas senhoras veneráveis que tudo sabem e sobre tudo opinam: as Estatísticas). Ter fumado na adolescência teria sido burrice, mas talvez fosse melhor ter mais cicatrizes no corpo do que no espírito, sei lá...
 


Não, eu nunca fumei e nem deveria ter fumado. Sei reconhecer quando tento me iludir com falsos raciocínios... Não lamento o fato de nunca ter experimentado o prazer de uma “pitadinha” porque depois de ver tanta gente quase ter um troço por ter de ficar algumas horas sem queimar um dia de vida (três, segundo as mesma sábias senhoras Estatísticas, mas acho um exagero) na ponta de um cigarro, dá-me calafrios imaginar que eu pudesse ficar refém de uma coisa cujo custo não compensa o benefício.


 
Mas se eu tivesse fumado na adolescência e ainda fumasse,  não me sentiria tão injustiçado pelo fato de meu irmão fumar desde os quatorze anos (tem trinta e três agora) e ter os dentes brancos como porcelana nova e eu, que nunca fumei porcaria nenhuma ter os meus amarelados como os de um fumante inveterado (excesso de antibióticos na gestação, segundo aquelas senhoras).  Não me parece justo ter o ônus sem ter o bônus, supondo-se que haja mesmo algum bônus em fumar. Droga de vida injusta! E droga de mania de reclamar da droga da vida!
 


A vida não é justa e quem me disser o contrário, ou é mal informado ou mal informado!

Não sei por que diabos o prazer de fumar um cigarro (careta ou do capeta), coisa que nunca experimentei acabou por se imiscuir nos meus já tão complicados sonhos, mas quando penso no gesto de fumar, penso em subversividade. Garoto da minha geração que fosse pego com um cigarro, pagava com o couro por aquele ato (como eu já disse antes, eram tempos duros aqueles).

Ainda não avancei o suficiente no estudo da psicanálise para atrever-me a fazer mesmo uma pálida tentativa de interpretação dos meus sonhos. Mas se eu fizesse uma “psicanálise selvagem”, eu diria que  ou tenho medo ou desejo de soltar algumas amarras, mentais ou morais, sei lá, e cometer algum desatino .

Talvez algo legalmente inócuo, mas moralmente condenável, como deixar os cabelos crescerem e formarem dreadlokcs (ainda vou fazer isso, nem que seja octogenário!!!!) ou fazer uma tatuagem e ir morar na praia, vivendo de vender bugigangas aos turistas e ser feliz como um condenado... Já ameacei parentes e amigos com coisas assim, mas sei lá porque, me parece que iriam preferir que eu fumasse a me verem tomar um rumo na vida que não fosse previsível, de acordo com a moral, os bons costumes e a porcaria de “modo de vida americano”. Parece que ser feliz  é menos aceitável socialmente do que o prazer subversivo do fumo...
 


Acho que meu inconsciente quer me dar um pito, como se dissesse em sonho que quem quer, não ameaça, não pede e nem espera permissão alheia para ser ou fazer o que quer. Simplesmente faz e depois se acerta com as conseqüências benéficas ou onerosas de seus atos...

Recado anotado, inconsciente! Assim que eu conseguir convencer as outras instâncias de mim mesmo, volte aqui e falaremos sobre dreadlocks e tatuagens.


 

2 comentários:

  1. Adorei o texto Luixxxxx (rsrsrs), well, como já disse, você escreve muito, muito bem, mas entrando no mérito do texto, sabe, opino pela felicidade a qualquer preço, sou hedonista convictam além de ser fumante, tatuada, gosto do meu whiskey, das minhas baladas. Sabe de uma coisa, sou a favor da satisfação pessoal, acho que não é nenhum egoísmo pensar em si mesmo, se não prejudicar ninguém com isso, quando na verdade ninguém pensa na sua felicidade, e o que é felicidade pra você? seu conceito de felicidade pode ser tão fútil ou tão composto e ao mesmo tempo tão distinto de qualquer pessoa. Acredito que só tenho essa vida, acredito que alguns prazeres trazem sim malefícios, mas são prazeres, "pra seres", como preferir... só os humanos sentem prazer, é diferente de só saciar uma necessidade, acredito que prazer tenha uma relação mais íntima com a vontade do que com a necessidade. Well... seja como for, não entenda essas palavras como um incentivo a qualquer coisa, é só uma reles opinião, e como você mesmo disse-me outro dia, não vou viver muito, mas viverei intensamente. Beijos meu querido, foi um grande prazer lhe conhecer!!

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  2. Querida Thuany. Thanks pelos elogios ao meu texto. Sei que são frutos mais de uma amabilidade da sua parte do que da qualidade da minha escrita. Compartilho com você a opinião de que não ha nada de errado em ser feliz, apenas com a ressalva de que existem preços que não são (para mim pelo menos) possíveis pagar. Também tenho algumas ressalvas em relação ao conceito de "felicidade"... Tem qualquer coisa de errado com essa noção, como se fosse algo que uma vez conquistado, não poderia mais ser perdido ou fosse um lugar ou estado de espírito a alcançar e eu sempre desconfio de verdades absolutas.
    De todo modo, penso em momentos felizes e procuro, como todo mundo ter o maior número deles possível, mas embora eu não veja nada de errado com um pouco de egoismo (ainda que alguem saia razoavelmente prejudicado porque nem sempre se pode evitar certas coisas e não vejo todas as atitudes egoístas como falhas de caráter, mas como um comportamento natural do ser humano que só quer sobreviver num mundo de outros seres que também o querem) não tenho como não pensar nas consequencias a longo prazo das coisas que faço e talvez essa não seja uma atitude muito sábia de minha parte.
    Felicidade para mim é a felicidade aristotélica, fazer bem aquilo que gosto de fazer. Tristeza é quando por algum motivo sou impedido de o fazer.
    Quanto aos prazeres da vida...Bem, não vejo nada de errado com isso, só que a noção do que é prazer também varia de pessoa para pessoa, não?
    Whisk? Nem a pau! Aquilo é ruim como o diabo, Thu! Um capeta liquido! Mas é uma questão de paladar e o meu não é dos melhores...
    Tataugem? Está nos planos. Só falta a grana e a coragem, porque o desenho eu já tenho.

    Cigarros? Isso já é outra coisa... Meu texto não teve a intenção de criticar quem fuma, Thuany, (mesmo porque eu só sei do cigarro o prazer que tive ao fumar um num sonho e voce sabe, tudo nos sonhos é desproporcinalmente mais intenso do que na Vida Desperta), mas estava pensando num sonho e no fato de que eu devia ter ralado os joelhos um pouco mais na minha vida e o cigarro (que na minha adolescencia tinha um estigma de subversividade) é bastante emblemático, daí eu sonhar com isso . E eu fico mesmo meio estúpido quando falo do que não sei. Sorry, por isso.

    Agora, quanto ao que eu disse sobre você não viver muito (AHAHAHAHAHAHA!) eu estava apenas brincando, minha amiga. Quem diz que os fumantes não vivem muito não sou eu, mas as sábias senhoras Estatísticas.

    Por favor, não considere as minhas brincadeiras tão ao pé da letra, porque você sabe como sou ácido (até no senso de humor) e além de não acreditar na felicidade tal como a cultura nos vende a idéia, também não acredito em "justiça universal": Penso sinceramente que você, vivendo intensamente com seus Gold e Red Label, cigarros e tatoos vai estar viva e saudável muito tempo depois que eu (com essa minha vida excessivamente clean) já estiver com meus ossos empoeirados num caixão.

    Lhe conhecer, minha cara Thuany, a recíproca é verdadeira. O prazer é meu "e dele não abro mão!"

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