Praça de alimentação, Shopping Cidade às três da tarde.
Casal jovem.
Ele, cara bonitinho, como as pessoas entendem a beleza
masculina.
Sentaram bem perto de mim, brigando sei lá por qual motivo, mas
meio que ocuparam o banco em que eu estava sentado, me “convidando” a sair
dali. Mas como não chegaram a me solicitar polidamente e se permitiram me
ignorar, deixei-me ficar por minha vez, ignorando-os também.
Ou tentando pelo menos.
Brigavam.
Na verdade, era o garoto que gritava como um lunático, coisa
bastante desagradável em se tratando de um local público e ainda mais sentado a
centímetros de alguém que já estava lá e nada tinha a ver com a lide.
Mas, meu deus, esses “playboys” todos tem o mesmo cheiro! Cheiro
de sabonete, mas um cheiro nauseante, como se esses caras comessem uma dieta
qualquer que os fizessem suar uma murrinha esquisita...
Certo. Estava de má vontade (e nunca vi um ser humano
completamente isento de antipatias e não sou exceção!) para com aquele tipo e
tudo nele me desagradaria, ainda que ele exalasse sândalo em vez de almíscar
azedo...
Ela, garota linda (como meus olhos entendem a beleza
feminina).
Cheirava maravilhosamente bem, mas acho que meu nariz tem
predileção especial pelo aroma doce da progesterona, mesmo por debaixo daquela
camada de perfumes e cremes todos. Discutiam acidamente por alguma coisa e não,
não estou orgulhoso por, mesmo sem querer, ter ouvido sorrateiramente conversa
alheia.
Azar.
Casal discutindo todo lugar tem. E se a eles não ocorre lavar a
droga da roupa suja em casa, problema deles caso orelhas
involuntariamente curiosas estejam ali, ávidas por perscrutar os detalhes do
entrevero.
Mas minha bisbilhotice não foi completamente saciada.
Chegaram ali já no ápice da questão, naquele momento tenso em que
em muitos casos a coisa já culminou para as vias de fato.
Mas era uma briga de casal e jamais me ocorreria que a coisa
pudesse descambar (em se tratando de uma rixa homem – mulher) para a violência
física. Mas o sujeito gritou com a garota um “vai tomar no @#%! “ com tanta
fúria na voz, que tive um súbito mal estar. “Que diabos esse cara tem?
Está drogado?”
Mulheres são criaturas deliciosas e enervantes, isso é certo.
Por vezes, tanto mais deliciosas quanto mais enervantes. Posso listar dúzia e meia de ocasiões, e só no ultimo semestre, em que uma ou outra
mulher, nas muitas instâncias da minha vida, me tirou do sério. Mas nada, nada
mesmo justifica uma atitude de violência, mesmo moral ou vocal, de um homem
contra uma mulher.
Não da parte de um homem de verdade.
E isso pode até ser um chauvinismo tolo da minha parte, mas senti
ânsias de partir pra pancada com o sujeito e com certeza o faria, se ele
tivesse tocado naquela garota, que fosse lá namorada dele ou não, não lhe dava
direto de gritar aquela grosseria. E num shopping cheio de crianças!
Pensando nisso, me ocorre que é a segunda vez em menos de um
semestre, fico excitado com a possibilidade de me meter numa briga e levar uns
socos, o que talvez mostre preocupantes sinais de sentimentos de autodestruição
de minha parte. Mas é maçante ficar o tempo todo indagando das próprias
motivações como se a droga do mundo fosse uma extensão da droga do divã.
Azar(2)!
Olhei para os lados.
Nada de seguranças ou coisa semelhante. Certos profissionais têm o
dom de desaparecer de vista quando mais se precisa deles. Isso tudo aconteceu
no espaço de minutos, tempo insuficiente para se tomar decisões que poderiam
acabar na delegacia ou no hospital.
É só que tem horas que, ou se mete colher ou se encolhe como um covarde e depois vai pra um canto qualquer remoer um desagradável auto-desprezo.
Acho que ia me meter em confusão dos diabos.
E a coisa ia por aí...Eu já sentindo engulhos de partir pra
pancada com o sujeito, quando a menina levantou-se do banco, olhou-o com um olhar
triste e num meio sorriso disse com suavidade:
“Espero que você tenha câncer...”
E foi embora.
“Espero que você tenha câncer”!!!!
Jesus! Fiquei ali paralisado, sentado com aquele sujeito cheirando
a sabonete e murrinha! Nós dois com a boca aberta e olhos arregalados.
Quase quatro décadas de vida e nunca vi ninguém desejar semelhante
coisa a alguém. Nunca vi ninguém sentir um ódio tão profundo por alguém a ponto
de desejar-lhe que tenha câncer. Ah...Em outra situação, teria rido do tal
sujeito, pois era um tipo estúpido que bem merecia um insulto, mas enquanto ele
se afastava com a cabeça baixa (talvez digerindo aquelas palavras ditas com
gelo na voz), senti dele uma inveja enorme.
É fato, o cara era um FDP², mas o era
de tal modo, que conseguia inspirar naquela moça bonita o ódio mais
maravilhosamente autêntico que já vi alguém expressar.
E ódio autêntico é certamente muito mais doce de ser usufruído do
que um amor por vezes titubeante.