Carta do Luiz de 2015 para Luiz de 1985
Ao meu Eu mais jovem em tempos verdes quando o verde se tornava cinza e cinzas…
Caro Luiz…
Este que te escrevo sou tu.
Saudações do futuro.
Hás de perdoar-me o modo sofrível como te escrevo, mas já vão muitos verões que não sou tu, de sorte que, receio, a linguagem dos dias tais é por demais diferente destes teus tempos verdes. lembro-me de que tinhas cáries e esperanças, mas não como escrevias ou falavas nesses anos idos. Sê indulgente para com meus erros de concordância e demais pecados ortográficos, pois já carregas consigo nestes dias meus, uma quota considerável de pecados e o acréscimo de mais estes pouca diferença farão a uma alma cansarregada de pecados.
Orgulha-te, pois o neologismo é teu!
Há dois fatos curiosos acerca desta carta, a saber, o fato de eu escrever a mim mesmo nos dias da minha meninice e o fato de alguém em pleno século vinte e um ainda escrever cartas.
Sou, pois, um dinossauro!
Saudações meu rapaz, do ano 2015!
Descortino-te o futuro.
Sim. É correta a tua decepção.
Nostradamus, tal como os da sua honrada estirpe de profetas, errou e cá estamos nós, ansiosos e esperançosos de que o mundo acabe, ele porém, teima em permanecer eternamente moribundo.
Fosse eu um sujeito esperto, enviar-te-ia números da bolsa de valores ou resultados de loterias, mas bem sabes que não sou esperto.
És agora um jovem tolo. Converter-te-ás em um velho tolo.
Escrevo-te como um exercício de inutilidade, posto que essa carta sequer sairá do meu computador, quanto mais adentrar a minha consciência aos 12 e poucos anos, época em que eu tinha um apreço especial pela minha consciência.
Mas todos os exercícios feitos atualmente, são inúteis, pelo que posso escrever a mim mesmo na flor do meu tempo e fingir, no processo, que sou uma pessoa extraordinária.
Já não temes a morte, a vida porém, te apavora.
A esperança quase acabou e também a honra, por outro lado, ainda temos petróleo e música ruim, mas a união soviética já não existe.
Tu que estás ojerizado com a Lambada, recomendo que a cultue como o mais fino produto cultural de nosso país, porque os ritmos musicais que a sucederão, não me acreditarias se os contasse.
De mesma forma, ama as sílfides luminosas por quem te apaixonas em teu tempo e bebe lhes o frescor do espirito, a vaidade e a beleza enquanto podes, porque hão de converter-se em matronas grotescas, com o corpo cheios de excessos e cirurgias e a alma cheia de ressentimento e desânimo e tu, tu as desprezarás, não pelas cirurgias, excessos e amarguras, nem pela beleza e frescor perdidos, mas pelo desânimo de pensarem que não podem ser coisas melhores (ah, a Daniela gosta de ti, seu tolo! Deixa de lado a irmã dela e ama quem te ama. Por um tempo conveniente).
Os homens a quem admiras não terão sorte melhor e decepcionar-te-á saber que o destino não é destino, mas escolha e todos, tu inclusive e em grande medida, escolhemos a mediocridade por preguiça, porque é de um trabalho considerável ter fé em coisas reais e na grandeza humana.
O comunismo fracassou.
O capitalismo também, mas ainda não se tomou consciência disso.
O romantismo se tornou coisa abjeta e te envergonharás de todos os poemas de amor que vieres a criar (cria-os, ainda assim!)
O bom cinema faleceu e acompanhou-o à cova a boa literatura, com raras e felizes exceções.
Torna-te vegetariano, não uses suspensórios quando a moda surgir nos fins dos anos 90 (terás razões de grande amargura por isso), não roubes biscoitos na padaria do senhor Mohamed (serás pego e te envergonharás pelos próximos trinta anos).
Continua honrado, justo e paciente, mas reserva a maior parte de tais virtudes para usar contigo próprio. Tempos haverão em que precisarás muito de tais recursos e não esgote tais pérolas com os porcos quotidianos.
Exercita-te pelo menos duas vezes por semana (apenas uma conservou-te magro, porém inflexível no corpo e no espirito).
Leia Freud antes da faculdade.
Não leias Honoré de Balzac, repudia “O Pequeno príncipe” como literatura atroz e despede-te dos deuses em que tens fé titubeante, pois não tarda descobrirás vazios os altares em que depositas tuas preces nunca ouvidas.
Nietzsche, a quem conhecerás e amarás, tinha razão e em tempos esses em que vives a angustia de 2015, Deus morreu como referência e tornou-se vestimenta retórica que as pessoas vestem e despem segundo a conveniência.
Isso não chegará a dar polimento ao teu ateísmo, mas o entristecerá, não a morte de um deus em que não crês, mas a da sinceridade daqueles que dizem crê-lo.
O Ubermensch, no entanto, ainda não apareceu e estamos vivendo um período de letárgica involução, não para a curiosidade latente do cro-magnon e nem para o vigor robusto do neandertal, mas para aquele antropoide gordo e satisfeito que seríamos sem os dentes de sabre e Era Glacial a matar nos, e já não temos o que nos inspire a sermos melhores.
Sai de casa antes dos vinte.
Sai do país antes dos trinta.
Encontra uma raison d'etre.
Não jogues foras teus escritos por impaciência.
Não dês a moeda de 50 soles à Renata (é de ouro de verdade! Será de grande valia para ti e ademais, Renata não quererá o ouro do teu amor mas tem amor ao ouro da tua moeda).
Pára de desprezar o dinheiro, mas não o ames e sabes isso: Humildade não é virtude, mas meio e meios de manterem-te dócil, imaginando te inferior aos outros.
E ao fim desta carta em que esgotei toda a minha metafisica acumulada em meses de preguiça, saúdo-te, meu Luiz pueril e nobre. E lastimo não ter que lhe enviar deste lado de cá de Nárnia, em que tudo está cinzento e vazio, coisa melhor do que o desamparo filho de uma era perdida.
Consola-te porem, com a consciência de que nãos és culpado (afinal, não podes mesmo ser culpado por tudo!) e alivia-te com esse pensamento, porque o mundo anda às cegas no escuro a beira de inacreditáveis abismos, mas descobrir-te-á otimista.
Inacreditavelmente otimista, pois a despeito da decadência nossa como povo, como indivíduos continuamos brilhantes.
Todo progresso começa com um indivíduo.
Não te torne, pois, povo.
Saudoso de tua meninice,
Tu
Carta de Luiz de 2025 ao seu eu mais jovem e mais ingênuo
Meu Eu Quase-Estrangeiro de 2015,
Este que te escrevo ainda sou eu...Ou o que restou de voce.
Escrevo de um mundo onde sua carta chegou como uma garrafa ao mar: quebrada, mas ainda legível.
Saudações do ano de 2025, uma era que, confesso, nem mesmo os mais delirantes sonhos do início de sua vida adulta poderiam prever.
Se em 2015 eu me sentia um dinossauro por ainda escrever cartas, hoje sou um fóssil digital, uma voz perdida no ruído dos algoritmos.
As pessoas ainda digitam, mas só em caixas de comentários e Tinder.
Mas cá estou, teimoso, a sussurrar no ouvido do tempo.
Perdoa-me a linguagem truncada.
Já não falamos a mesma língua: Literalmente. As palavras que você usava, os gestos que fazia, até os seus erros de ortografia, tudo isso se dissolveu no vento dos anos. Me lembro de sua carta ao nosso Eu mais jovem e da maneira como não se lembrava de como falávamos então. Bem, eu lembro de você. lembro-me, daquele rapaz tratando as cáries e demolindo certezas, que acreditava em versos ruins e na busca do amor como redenção.
Ah, meu Luiz maravilhosamente tolo…
Dois pontos sobre esta carta:
- Ainda escrevo para mim, mesmo que algumas apenas em pensamento.
- Ninguém mais escreve cartas, mas todos fingem sentir saudade delas.
Sim, o mundo acelerou, mas continua moribundo.
Nostradamus errou de novo, e os novos profetas são Coachs que pregam o fim do mundo enquanto vendem anúncios e cursos de como destravar seu Mindset (seja lá que diabos isso signifique).
Ainda aqui estamos, à beira do abismo, postando selfies no precipício.
Em alguns casos, literalmente.
Se eu fosse esperto, enviar-te-ia os números do Bitcoin ou o meme que vai auferir lucros durante a próxima pandemia.
Mas voce sabe tão bem quanto eu: nunca fomos espertos, apenas teimosos.
Você estava certo sobre quase tudo (o que é irritante).
O futuro que te prometeram nunca chegou.
O comunismo seguiu sendo um fantasma.
O capitalismo de fato fracassou, mas finge que não e agora se veste de "economia criativa", usa pronomes neutros e vende cursos sobre como fracassar melhor.
A URSS não voltou, mas a nostalgia dela sim (curioso, não?).
Deus ainda está morto, mas agora há versões em NFT dele em três opções: o algoritmo, o astro do momento, ou você mesmo, se o algoritmo entender que você tem seguidores suficientes.
E você, meu caro, continua um romântico patético em um mundo que trocou poesia por tweets, escreve cartas para si mesmo.
Algumas atualizações do seu futuro:
A Lambada hoje é vintage, cultuada em playlists hipsters.
Acertou em tua previsão e o que veio depois foi pior — muito pior! (Ainda bem que não ouviu o funk robótico de 2023…E espera até ouvir o "AI Sertanejo" de 2024, funkanejo e demais sons abastardados do que ja havia de pior e piorou…)
As sílfides luminosas que voce amou?
Algumas são influencers, outras juram que sempre foram não-binárias.
O frescor do espírito evaporou-se em filtros digitais.
Daniela? Casou-se com um faraó de criptomoedas, virou uma Especialista em "relacionamentos líquidos".
(Sim, você devia tê-la ouvido.)
Conselhos que não voce não pediu, mas que te dou assim mesmo:
Não confie em memes como filosofia.
Aprende a programar antes que a IA te substitua.
Guarde seus escritos (mesmo os mais embaraçosos): Um dia, serão sua única prova de humanidade.
(O Que Você Nem Imaginava: Seu poema mais brega - aquele com "sílfides" - viralizou no TikTok, virando meme. Você odeia).
Leu Balzac ?
Arrependeu-se.
Mas pelo menos entendeu por que os influencers são os novos "Pai Goriot".
Exercite-te com cautela.
( Voce fez ioga por dois meses em 2020, quando ela se tornou a mentira do instagram, em um esforço para torná-la real novamente. Mas se esforçou demais e hoje tem uma hérnia de disco e assina um app de "meditação para ansiosos").
A moeda de 50 soles? Valia uma fortuna... até o Peru banir o ouro físico.
Agora é só um token esquecido numa carteira digital.
O que mudou desde 2015?
A esperança agora é um subscription que ninguém renova, mas que é cobrada no cartão de crédito assim mesmo.
A arte virou fotografias de poses mentirosas de ioga não praticada em páginas de redes sociais.
O amor é um match apressado a diversos rostos estranhos, que expira em 24h.
Mas, surpreendentemente, ainda há beleza no mundo, só que ela se esconde nos lugares mais inesperados.
Num verso mal escrito, num gesto sem likes, num silêncio entre duas pessoas que ainda sabem conversar.
Freud foi cancelado.
Jung também.
Agora a terapia é feita por chatbots.
O Ubermensch chegou, mas é uma IA que pinta quadros abstratos e cobra em Ethereum.
Últimas palavras:
“Não te tornes povo”. Não se renda ao rolar infinito da alma.
E quando o mundo te disser que tudo está perdido, lembre-se da sua lição:
"Todo progresso começa com um indivíduo”.
Eu acrescento:
“E todo indivíduo começa com um sonho... Mesmo que ridículo."
Saudações de um futuro que não é tão distante quanto você pensa (os dias encolheram. Mas parece que ninguém percebeu),
O teu eu de 2025 (ainda tolo, mas menos ingênuo).
Resposta do Luiz de 2015 ao Luiz de 2025
Caro Eu do "Futuro",
Recebi sua carta e sim, ainda usamos essa palavra aqui, onde selos e envelopes são uma realidade cada vez mais paralela e confesso que fiquei entre o fascinado e o aterrorizado.
Que diabo de futuro é esse que você me descreve?
Voce fala de um mundo que parece saído de um filme ruim de ficção científica, desses que passam na Sessão da Tarde quando o diretor está com preguiça.
Primeiro: como assim "NFT"? Isso é algum novo aplicativo que simula mantras digitais?
Porque aqui ainda estamos tentando entender o Snapchat (e, francamente, ninguém realmente entendeu o Orkut antes dele morrer).
Você fala de "memes", "NFTs" e "algoritmos" como se eu devesse entender essas palavras.
Aqui em 2015 ainda achamos que Bitcoin é algum tipo de moeda para comprar drogas na internet (e pelo visto não estávamos tão errados).
Segundo: Daniela se tornou especialista em alguma coisa? Mas ela mal sabia escolher a própria roupa em 2012! E agora dá conselhos? Meu Deus, eu devia tê-la beijado quando tive chance em 2012.
Pelo menos eu teria arruinado de alguma forma essa carreira promissora…
Deve ser daquelas "mentoras de relacionamento" que postam frases de autoajuda no Facebook (sim, ainda usamos Facebook aqui, porque caminhar em direção ao abismo é irresistível).
Terceiro: meus poemas viraram memes? Bem, pelo menos alguém os leu.
Aqui, só minha mãe e a professora de Português sofrem com eles. Ambas de maneira amorosa e relutante. Mas se forem memes do tipo gliterinados, eu juro que vou processar meu próprio futuro!
Quarto: Freud foi cancelado? Até entendo… Ele era vanguarda demais em um mundo que tende ao retrô ( e pela sua carta, a tendência não mudou)
Mas e o Nietzsche? Por favor, me diga que ele não virou um rato de facebook postando fotos de café com frases motivacionais!.
O Que Aprendi Com sua Carta:
-O futuro é estranho. De um jeito ruim.
-Você ficou previsivelmente amargo (já sinto um tanto de veneno metafísico nas minhas veias mesmo agora).
-Ainda bem que não investi em Bitcoin, porque pelo visto eu perderia tudo mesmo.
Perguntas Que Ficaram:
- O WhatsApp ainda existe? Ou já substituíram por telepatia digital?
- As pessoas ainda usam hashtags para falar de coisa nenhuma e se dar importância?
- Ainda detesto futebol e religiões ou me tornei um velho masoquista?
No fim, acho que prefiro meu 2015.
Aqui ainda temos lan houses, discussões sobre se "a internet vai acabar com o amor" (voce me deu um spoiler pelo qual não estou grato) e a ilusão de que um dia seremos adultos responsáveis.
Mas obrigado pelo aviso. Vou tentar aproveitar melhor meu tempo, antes que vire um holograma resmungão em 2025.
Com saudades de quando o futuro ainda era uma incógnita (e não um apocalipse zumbi tecnológico),
Luiz (2015)
P.S.: Se esse tal de "metaverso" realmente existir, por favor me avise para eu começar a comprar terrenos virtuais. Algo me diz que vou precisar fugir pra lá quando a Skynet atacar.
P.P.S.: Já não tenho cáries, mas a conta do dentista ficou tão alta, que desejaria não ter dentes.
Resposta do Luiz de 2040 ao Luiz de 2025
Meu Querido Dinossauro Digital de 2025,
Que saudade da época em que vocês ainda achavam que o futuro seria uma distopia!
Aqui em 2040, nem temos mais tempo para distopias pois estamos muito ocupados tentando lembrar como era a vida antes da Grande Migração para o Metaverso 7.0 (spoiler: ninguém se lembra).
Você reclamava de coaches em 2025?
Agora todo mundo é um "Guia de Realidade Expandida Certificado".
Inclusive a Daniela - ela se especializou em "relacionamentos transdimensionais" e está casada com uma IA baseada no algoritmo do TikTok de 2022. Dizem que é um casamento feliz (ou pelo menos, com ótimo engajamento e monetização).
Sobre suas preocupações:
- Os memes: Seus poemas não só viraram memes como agora são considerados "Arte Pré-Inteligência Artificial" e estão expostos no Museu Digital de Expressões Humanas (a entrada custa 5 DogeCoins. E não, você não recebe Royalties por isso).
- NIETZSCHE: Virou um chatbot de filosofia premium na Neuralink+ (assinatura mensal de 99,90 "creditos existenciais").
- A moeda de 50 soles: Foi leiloada como "o último objeto físico autêntico" e comprada por Elon Trump Jr. para sua coleção de "Coisas que os Avós Usavam".
Renata sumiu no metaverso .7.
Alguns sentem saudades dela. Você não.
-O Capitalismo: Morreu oficialmente em 2035. O que temos agora se chama "Sistema de Incentivos a Base de Dopamina 3.0" . Basicamente a mesma coisa, mas com mais realidade virtual e propaganda inserida automaticamente em seus neurônios.
O mais irônico? Toda aquela sua preocupação em "não virar povo" e agora todos somos "coletivos de identidades digitais em fluxo constante". Sua carta de 2025 é considerada uma relíquia (ao menos por mim.) Foi a última mensagem humana autêntica antes da Era das Narrativas Algorithmicas.
Saudades do tempo em que tínhamos problemas simples, como pandemias e colapso climático.
Assinado biologicamente (por enquanto),
Luiz (2040)
[Enviado via Pensamento Cloud - v9.2]
Carta do Luiz de 2055 para Seus Eus Passados
Queridos Fragmentos de Minha Insanidade Temporal,
Se ainda conseguirem ler (algo que, cá em 2055, já não é garantido), saibam que sobrevivi.
Mais ou menos.
A parte de mim que está em upload na grande nuvem de dados da Neuranet.5, talvez ainda seja Luiz o bastante para afirmar minha quase-existência e me enviar uma carta, digamos, do ano de 2130, quem sabe?
Para o Luiz de 2015:
Meu ingênuo eu das lan houses e dos memes de gatinho...
Você ainda acreditava em texto.
Que coisa fofa!
Hoje, tudo é transmitido por ondas neuronais diretas, e mesmo assim, metade se perde no ruído dos implantes cerebrais desatualizados. Ah, e sobre a Daniela? Ela se fundiu com uma IA em 2047 e agora é uma entidade pós-afetiva.
Você não perdeu muita coisa.
Acho que ela também não.
Para o Luiz de 2025:
Você achava que o mundo já estava ruim? HA! Em 2025, vocês ainda tinham política, economia e clima (relativamente) estável. Agora, governos são algoritmos de consenso coletivo, dinheiro é crédito de atenção e o clima... bem, a Terra 2.0 (Marte) está mais habitável que aqui.
Para o Luiz de 2040:
Você ainda estava otimista demais.
O Metaverso 7.0 que você mencionou? Já estamos no Metaverso 12.3 – Edição Pós-Humana, e mesmo assim, tá tudo uma porcaria.
A esperança? Virou uma constelação de dados após o Grande Apagão de 2049. Às vezes, quando a rede neural oscila, sinto um eco dela... ou é só um bug no meu chip de memória.
Atualizações Gerais de 2055:
✔ Pelé foi reconstruído como um embaixador digital do Brasil (que agora é uma zona autônoma administrada por IA).
✔ Freud foi revivido como um terapeuta virtual, mas ninguém usa mais porque traumas são considerados "dados obsoletos".
✔ A moeda de 50 soles foi canonizada como a última relíquia física e está em um museu em Nova Veneza (a cidade flutuante).
Último Conselho (Se Alguém Ainda Lê Cartas):
- 2015: Aproveita o WiFi gratuito enquanto existe.
- 2025: Compra um bunker. Sério!
- 2040: Desliga os implantes de realidade de vez em quando. A loucura é mais honesta.
Assinado com o que resta da minha caligrafia,
Luiz (2055) – Último Homo Sapiens (Não Modificado) do Bloco 7 do terceiro Tetragramaton.
P.S.: Se algum de vocês tiver um DeLorean ou um teletransportador quântico, eu aceito uma carona. Este futuro é uma piada sem graça.
Carta do Luiz de 1985 para Seus Eus Futuros
Luiz de 1985 (Um Huck Finn dos trópicos)
Queridos fantasmas do meu futuro, estranhos que um dia serei
Recebi suas cartas...
Ou melhor, decifrei essas mensagens vindas de um tempo que parece ainda mais estranho que os filmes do Mad Max que assisti escondido no cinema da esquina. Acho que me perdi no tempo, ou o tempo se perdeu de mim. Essas cartas suas chegaram como folhas secas num rio que ainda não naveguei e que não sei nomear...
Amassadas, meio tristes, com cheiro de coisa que já foi viva.
Cá em 1985, a gente ainda acredita que o futuro vai ser melhor. Mas se o futuro é isso que me contam, acho que prefiro ficar aqui mesmo, com minhas cáries não tratadas, meus livros emprestados e meu rádio de pilha.
Estamos todos encantados por aqui, com o fim da ditadura, mas voces me mostram um horizonte onde o fogo e a frigideira se confundem.
É isso ou não entendi nada do que disseram.
Para o Luiz de 2015:
Que diabos é um "neologismo"?
E por que você fala como se escrevesse para uma encarnação sua do século 17 e não para um garoto de 12 anos?
Você diz que o mundo teima em ficar "eternamente moribundo" e que Deus virou "vestimenta retórica". Aqui, em 1985, ainda acreditamos que Deus é um velho de barba mal humorado ou, no mínimo, o Carl Sagan explicando o cosmos na TV.
Se Ele morreu aí no teu tempo, como foi o velório? O Buhda, Shiva e Zeus compareceram? Eu teria ido e levado um prato de canapés.
Você já parece tão velho e cansado, e ainda faltam trinta anos para o pior? Mas me diz uma coisa: se um dia eu vou mesmo escrever cartas para mim mesmo, será que não estarei só com medo de morrer sozinho ou será porque não encontrei ouvidos pacientes à minha rabujice? (Duvido.) Você já parece um homem, e eu ainda sou um menino com os joelhos ralados. Mas se você ainda guarda um verso ou dois no bolso, então talvez a gente não tenha se perdido de todo.
Para o Luiz de 2025:
Bitcoin? Memes? Influencers? Meu Deus, o que fizeram com o mundo? Pelo menos usa internet e WhatsApp (procurei um dicionário de inglês-Portugues e isso não faz o menor sentido) — coisas que, cá em 1985, só existem nos livros do Isaac Asimov e Arthur Clark. Eu, que tenho dificildades para trocar um botão no meu walkman, vou ter que lidar com algoritmos e NFTs? E pior: Daniela virou o quê? Aqui, ela nem sabe que eu existo — passa pela sala de aula como um navio cheio de luz, e eu sou só um vaga-lume batendo no vidro. Uma especialista em relacionamentos líquidos? Que diabos é um “relacionamento líquido”? Algo que escorre pelos dedos e some? Porque, se for isso, já vivo um — chama-se vida. Você diz que o mundo virou um lugar onde as pessoas fingem sentir saudade do que nunca viveram. Pois eu já sinto saudade do que nem vivi, e isso deve ser pior.
E também que escreve cartas pra si mesmo como quem joga garrafas no mar. Pois eu lhe digo: o mar recua na maré baixa, as garrafas quebram, e o que sobra é só o sal na ferida
Para o Luiz de 2040:
Obrigado por fazer ficar curioso com o que é um “Nietzsche”. Parece importante, ainda que o nome soe como algum tipo de biscoito da Mabel. Ele provavelmente é um mago bacana como o Gandalf, em algum conto de fantasia. Vou saber quando ler.. A gente passa a vida pensando que há algo grandioso por vir, e no fim é só areia e uns peixes mortos. Você fala de "realidade expandida", mas parece que encolheram as almas. Será que ainda dá pra pescar um pouco de verdade aí no seu tempo? Ou já jogaram até as varas no lixo? Metaverso? Guia de Realidade Expandida? Você tá me dizendo que no futuro as pessoas pagam pra viver numa mentira coletiva? Aqui, a mentira ainda é de graça e a gente pelo menos finge que acredita no Horóscopo do Jornal e nas promessas dos políticos. Mas vocês criaram um mundo inteiro de mentirinha? E pior: cobram por isso? A humanidade merece mesmo acabar.
Para o Luiz de 2055:
Cara, você já nem parece humano. Ondas neuronais?(pensei em surfistas dentro do cérebro, mas foi só uma piada interna porque sei que não deve ser nada tão divertido assim) Implantes cerebrais? Terra 2.0? Eu, que mal tenho dinheiro pra um Picolé Kibon, vou ter que me preocupar com créditos de atenção e chips de memória?(não sai mais barato apenas esquecer) Me pergunto o que aconteceu com o simples ato de sentar na calçada e conversar… Parece que no fim, acabei virando um punhado de números e luzes, como aquelas estrelas que eu tentava pegar no telhado de casa, sabendo que nunca as alcançaria. E não sei dizer se isso me anima ou me deixa deprimido. Então o que resta de mim aí? Um arquivo em uma máquina? Um eco digital? Um suspiro que ninguém ouve? Por que se for esse último, nada mudou em 70 anos.
O Que Eu, o Luiz de 1985, Aprendi Com Vocês:
- O futuro não é um lugar — é um boato que a gente inventa pra não encarar o presente.
- Ninguém nunca vai entender meus poemas — nem mesmo eu.
- Daniela nunca me amou, e talvez isso tenha sido o maior favor que ela me fez.
Perguntas Que Ficaram:
- Se em 2055 ninguém mais lê, como você recebeu minhas cartas? Telepatia? Ou será que a saudade é tão forte que atravessa o tempo?
-Ler Freud antes da faculdade?(Eu vou pra faculdade!!!???) Aqui, ele só aparece nos livros proibidos da biblioteca. Vou tentar roubar um. E se ele e Nietzsche viraram chatbots, quem sobrou pra me explicar por que eu sou tão estranho?
- E ainda sobre Nietzsche... se ele era um mago bacana como eu suspeitava, por que cargas d’água ninguém no futuro virou um Übermensch? Em vez disso, me falam de "antropoides gordos e satisfeitos". Que decepção. Esperava pelo menos cyborgs com espadas de luz, não gente que desiste de ser grande por preguiça.
Últimas Palavras (Porque garotos de 1985 não conseguem óculos de graça e estou escrevendo no escuro - Me digam que eu nunca usarei óculos ai!!):
Se o futuro é esse lugar frio onde ninguém se ama de verdade, onde as palavras viram tokens e as pessoas viram hologramas, então eu fico aqui ou vou tentar seguir "na segunda estrela à direita e depois reto até de manhã". daí talvez eu consiga salvar um pouco da alegria simples de viver sem tantas dúvidas.
Com meus discos riscados, meus cadernos rabiscados e meu coração partido mas ainda meu.
Se for pra ser tolo, que seja com os joelhos ralados e o coração cheio de versos ruins.
Com saudade de um tempo que nem chegou,
Luiz (1985)
Menino que ainda acredita em magia, mesmo sabendo que o futuro a apagará, que escuta o vento nas folhas de bananeira .
E chora sem saber por quê.
P.S.: Se um dia inventarem uma máquina do tempo, voltem para 1985 e me avisem para nunca crescer. Ou então..Só vou sentar na beira do rio com todos vocês, calados, até que o sol se ponha. Porque às vezes, a única coisa que sobra é saber que a luz dourada de 1985 foi real, mesmo que só pra mim.
PPS: Estou decepcionado que nenhum de vocês tenha citado “As Aventuras de Huckleberry Finn" nas suas cartas. Encontrei um exemplar no lixo um dia desses. A capa está arruinada e sei que faltam algumas páginas, mas ele parece ter grudado nos meus dedos.
Acho que é um sinal.
PPPS: Ainda não encontrei a tal moeda de 50 soles, mas acho que quando a encontrar, vou acabar dando ela para a Renata assim mesmo. Não acho certo uma pessoa viver sem arrependimentos.
P.P.P.P.S.: "Raison d’etre" soa como perfume francês. Vou fingir que entendi.
Assinado com tinta que ainda mancha os dedos (e que nunca vai sair)
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