Meu caro Luiz
Este que te escrevo sou tu.
Saudações do futuro.
Hás de perdoar-me o modo sofrível como te escrevo, mas já vão muitos
verões que não sou tu, de sorte que, receio, a linguagem dos dias tais é por
demais diferente destes teus tempos verdes. lembro-me de que tinhas cáries e esperanças, mas não como escrevias ou falavas nesses anos idos. Sê indulgente para com meus
erros de concordância e demais pecados ortográficos, pois já carregas consigo
nestes dias meus, uma quota considerável de pecados e o acréscimo de mais estes
pouca diferença farão a uma alma cansarregada de pecados. Orgulha-te, pois o neologismo é teu!
Há dois fatos curiosos acerca desta carta, a saber, o fato de eu
escrever a mim mesmo nos dias da minha meninice e o fato de alguém em pleno século vinte e um ainda escrever cartas. Sou, pois, um dinossauro!
Saudações meu rapaz, do ano 2015!
Descortino-te o futuro.
Sim. É correta a tua decepção. Nostradamus, tal como os da sua honrada estirpe
de profetas, errou e cá estamos nós, ansiosos e esperançosos de que o mundo
acabe, ele porém, teima em permanecer eternamente moribundo. Cá ainda estamos.
Fosse eu um sujeito esperto, enviar-te-ia números da bolsa de valores ou
resultados de loterias, mas bem sabes que não sou esperto.
És agora um jovem tolo. Converter-te-ás em um velho tolo.
Escrevo-te como um exercício de inutilidade, posto que essa carta sequer
sairá do meu computador, quanto mais adentrar a consciência minha aos 15 e
poucos anos, época em que eu tinha um apreço especial pela minha consciência.
Mas todos os exercícios feitos atualmente, são inúteis, pelo que posso
escrever a mim mesmo na flor do meu tempo e fingir, no processo, que sou uma
pessoa extraordinária.
Já não temes a morte, a vida porém, te apavora.
A esperança quase acabou e também a honra, por outro lado, ainda temos
petróleo e música ruim, mas a união soviética já não existe.
Tu que estás ojerizado com a Lambada, recomendo que a cultue como o mais
fino produto cultural de nosso país, porque os ritmos musicais que a
sucederão, não me acreditarias se os contasse.
De mesma forma, ama as sílfides luminosas por quem te apaixonas em teu
tempo e bebe lhes o frescor do espirito, a vaidade e a beleza enquanto
podes, porque hão de converter-se em matronas grotescas, com o corpo cheios de
excessos e estrias e a alma cheia de ressentimento e desânimo e tu, tu as
desprezarás, não pelas estrias, excessos e amarguras, nem pela beleza e frescor
perdidos, mas pelo desânimo de pensarem que não podem ser coisas melhores (ah,
a Daniela gosta de ti, seu tolo! Deixa de lado a irmã dela e ama quem te ama.
Por um tempo conveniente).
Os homens a quem admiras não terão sorte melhor e decepcionar-te-á saber
que o destino não é destino, mas escolha e todos, tu inclusive e em grande
medida, escolhemos a mediocridade por preguiça, porque é de um trabalho
considerável ter fé em coisas reais e na grandeza humana.
O comunismo fracassou.
O capitalismo também, mas ainda não se tomou consciência disso.
O romantismo se tornou coisa abjeta e te envergonharás de todos os
poemas de amor que vieres a criar (cria-os, ainda assim!)
O bom cinema faleceu e acompanhou-o à cova a boa literatura, com raras e
felizes exceções.
Torna-te vegetariano, não uses suspensórios quando a moda surgir nos
fins dos anos 90 (terás razões de grande amargura por isso), não roubes
biscoitos na padaria do senhor Mohamed (serás pego e te envergonharás pelos
próximos trinta anos).
Continua honrado, justo e paciente, mas reserva a maior parte de tais
virtudes para usar contigo próprio. Tempos haverão em que precisarás muito de
tais recursos e não esgote tais pérolas com os porcos quotidianos.
Exercita-te pelo menos duas vezes por semana (apenas uma conservou-te
magro, porém inflexível no corpo e no espirito).
Leia Freud antes da faculdade.
Não leias Honoré de Balzac, repudia “O Pequeno príncipe” como literatura
atroz e despede-te dos deuses em que tens fé titubeante, pois não tarda
descobrirás vazios os altares em que depositas tuas preces nunca ouvidas.
Nietzsche, a quem conhecerás e amarás, tinha razão e em tempos esses em
que vives a angustia de 2015, Deus morreu como referência e tornou-se
vestimenta retórica que as pessoas vestem e despem segundo a conveniência.
Isso não chegará a dar polimento ao teu ateísmo, mas o entristecerá, não
a morte de um deus em que não crês, mas a da sinceridade daqueles que dizem
crê-lo.
O Ubermensch, no entanto, ainda não apareceu e estamos vivendo um
período de letárgica involução, não para a curiosidade latente do cro-magnon
e nem para o vigor robusto do neandertal, mas para aquele antropoide gordo e
satisfeito que seríamos sem os dentes de sabre e Era Glacial a matar nos, e já
não temos o que nos inspire a sermos melhores.
Sai de casa antes dos vinte.
Sai do país antes dos trinta.
Encontra a Liege (é importante! Saberás quem ela é e quem tu és ao
encontrá-la!)
Encontra uma raison d'etre.
Não jogues foras teus escritos por impaciência. Não dês a moeda de 50
soles à Renata (é de ouro de verdade! Será de grande valia para ti e
ademais, Renata não quererá o ouro do teu amor mas tem amor ao ouro da tua
moeda).
Pára de desprezar o dinheiro, mas não o ames e sabes isso: Humildade não
é virtude, mas meio e meios de manterem-te dócil, imaginando te inferior aos
outros.
E ao fim desta carta em que esgotei toda a minha metafisica acumulada em
meses de preguiça, saúdo-te, meu Luiz pueril e nobre. E lastimo não ter que lhe
enviar deste lado de cá de Nárnia, em que tudo está cinzento e vazio, coisa
melhor do que o desamparo filho de uma era perdida.
Consola-te porem, com a consciência de que nãos és culpado (afinal, não
podes mesmo ser culpado por tudo!) e alivia-te com esse pensamento, porque o
mundo anda às cegas no escuro a beira de inacreditáveis abismos, mas
descobrir-te-á otimista.
Inacreditavelmente otimista, pois a despeito da decadência nossa como
povo, como indivíduos continuamos brilhantes.
Todo progresso começa com um indivíduo.
Não te torne, pois, povo.
Saudoso de tua meninice,
Tu
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