Havia me esquecido de como eu ria
cada vez que lia sobre como Dom Quixote se estrepava todo ao se chocar contra
as pás dos moinhos, contra as quais ele se batia valentemente ao ver nelas a
figura de gigantes. Foi um esquecimento proposital, porque minha visão de mim
mesmo estava envolvida na questão. Que tipo de pessoa se diverte com o
sofrimento alheio? Ainda mais quando esse sofrimento era advindo de um ato de
equivocada coragem e elevada nobreza de espírito...
Por outro lado, mesmo naquela
época, eu lutava contra os meus próprios moinhos, sem o recurso da loucura de Dom
Quixote para me convencer que pelejava contra gigantes. Não...Eu sabia bem lá
no fundo, que eram moinhos e me sentia estúpido por não conseguir fingir que
eram gigantes ou mesmo por não conseguir deixar de lutar contra eles mesmo sabendo.
Era um tempo estranho, quando havia muitos
ideais e poucas ideias, época em que eu erguia símbolos e bandeiras, seguia este e aquele
líder, me pautava por um excesso de “ismos” e vontades de mudar um mundo que eu
nem mesmo compreendia.
Qualquer um que tenha certeza do
que quer que seja para fora do círculo do seu eu, mente maravilhosamente bem para si mesmo. Tem então uma
verdade particular e o universo todo é um brinquedo lindo, uma pedra de afiar a
arrogância.
Temos verdades demais no mundo e
ele está indo ladeira abaixo, então talvez seja o caso de fazermos uma sutil
apologia de um modo mais complicado de criarmos à imagem e semelhança de nossas
dúvidas.
Quer ajudar a humanidade? Não tema gigantes disfarçados de moinhos.
Redistribua metafísica. Talvez o grande
problema do mundo seja a metafísica.
É o grande mal da humanidade a
sua concentração em tão poucas mãos.Uma iniqüidade o excesso dela numa minoria
silenciosa e a total ausência numa maioria barulhenta, que faz tanto ruído que
já não escuta a própria voz.