...e naqueles momentos em que consigo colocar a cabeça pra fora do lodo da auto-culpa e fico um tanto sóbrio das carraspanas de autopiedade, me atrevo a me imaginar uma pessoa cuja opinião seja relevante o bastante para que alguem gaste os olhos a lendo.
Passo muito tempo com os dedos inertes neste teclado, olhando para a tela procurando intimamente argumentos que me convençam de que ainda há algo que valha ser dito.
Algo que eu me atreva verdadeiramente a dizer.
É sempre mais fácil colocar a alma nua diante de estranhos cujo julgamento a gente não teme do que confessar pra si mesmo que aquelas pessoas mais próximas te colocaram dentro de um modelo no qual a sua fragilidade humana vai, decerto, decepcioná-las cruelmente.
Os estranhos, aqueles que te leem em lugares alhures (supondo-se, é claro, que alguém o leia), podem olhar com simpatia para suas incongruências e colocar seus sonhos e pesadelos na esfera da literatura. E com tais devaneios, no conforto dessa desculpa, me permito derramar meus inconstantes escritos neste espaço e, ao mesmo tempo em que diminuo a necessidade de sentir o que escrevo, posso ampliar através dessas letras, o universo íntimo de quem me lê.
Se não pensasse dessa forma, a culpa de tudo e de nada que me deixa uma sensação de podre na alma, não me permitiria escrever.
No último ano, a vida deu uns saltos.
Passei em um concurso do judiciário do meu estado e tive que sair de Belo Horizonte e vir morar em uma cidade do interior.
Moro há uns três quarteirões do Fórum, para onde vou a pé em caminhada tranquila e onde dou expediente de seis horas para receber de salário cerca de duas vezes o que eu recebia em meu antigo trabalho.
Haveria de se esperar algum senso de realização pessoal nisso, porém, receio que haja mesmo uma classe de criaturas que não foram talhadas para estarem satisfeitas e que eu pertença a essa fauna lamentável.
Em minha defesa só posso afirmar que sucesso material nunca foi o meu alvo na vida, embora eu esteja ciente de que minha situação agora confortável, está aquém do que eu poderia ter alcançado se não tivesse a mente constantemente atolada em um charco emocional.
Vou completar 49 anos em dezembro e seria redundante dizer que me sinto velho e cansado, embora fisicamente eu pareça (na opinião alheia) uma pessoa com trinta e poucos.
Sou redundante.
Me sinto velho.
Me sinto cansado.
E depois dos trinta e cinco anos, todo ser humano está mais perto do dia em que vai morrer do que do dia em que nasceu.
É uma conversa lúgubre, eu sei.
Mas só garotos cuja idade ainda não completou uma "trintena" podem se dar ao luxo de fingir que são imortais e deixar conversas sobre a morte para os filósofos e os velhos decadentes, como eu sou nos pensamentos e sentimentos.
Em 2018 eu comecei a experimentar fenômenos psíquicos que abalaram todo o meu sistema de não-crenças.
Tive e documentei muitas experiencias neste sentido e tendo vivenciado o que eu vivi, não seria honesto da minha parte me agarrar a um ceticismo obstinado e eu substituí a certeza de nada haver depois da vida física se encerrar por uma dúvida saldável.
Não existe morte. O que existe é o encerramento da vida física. Eu não acredito. Eu sei. E saber é melhor do que acreditar. Embora eu esteja ciente de que este saber em mim parecerá a olhos outros mais uma crença.
Se me aprouver, contarei minhas experiencias aqui, pois quem sabe não seja útil a outros como as de outros foram úteis a mim?
Não tenho mais medo de morrer. Se é que algum dia tive. E gostaria de dizer que não tenho também ansiedade neste sentido, mas isso não seria coisa honesta de se dizer.
A vida tem sido uma carreira de dissabores que compuseram muito do que penso e do que sinto, me dando uma natureza até então, irremediavelmente melancólica e embora existam pessoas a quem amo além do que posso descrever e eu tenha tido os meus bons momentos, não vou lamentar quando essa aventura chegar ao fim.
O que me deixa realmente amedrontado, é não ter vivido a vida que deveria ter vivido e se não o fiz, não foi por falta de desejo de a viver, mas por estar profundamente ignorante do que afinal seria essa vida.
Não quero partir tal qual eu nasci, com medo, ignorante e sozinho.
Sinto necessidade de descanso.
Mas não sei dizer se haverá descanso ou o início de outra jornada, mas espero ao menos, não levar comigo nessa nova viagem a bagagem pesada dos meus atuais pensamentos.
Talvez por estar ciente de que me aproximo pouco a pouco do desfecho do que quer que seja a vida, eu a tenha tornado uma coisa mais responsável, como se cada ato meu tivesse de ser uma linha do tecido que comporá a minha mortalha.
Sim, estou me sentido absolutamente velho e cansado, mas de alguma forma misteriosa, a percepção deste cansaço tem tornado também o tempo que me resta algo de precioso, pois eu não tenho mais tempo a perder com "vinhos e velas". Preciso ir direto ao ponto;
Urge que eu faça o que preciso fazer, o que é de minha natureza fazer. O que é o meu projeto de vida, esquecido em meio a esse turbilhão de carências e receios em que manquei ao longo de quase meio século.